08. Estado Novo (2ª parte)
A teorização do jornalismo em Portugal: Estado Novo – 2ª parte (de Junho de 1958 ao 25 de Abril de 1974)
Jorge Pedro Sousa (Universidade Fernando Pessoa e Centro de Investigação Media e Jornalismo), Ricardo Jorge Pinto, Patrícia Teixeira, Nair Silva e Eduardo Zilles Borba (Universidade Fernando Pessoa)
O período entre 1958 e 1974 na história portuguesa é marcado, a montante, pela campanha eleitoral de Humberto Delgado, talvez o maior desafio de sempre a Salazar e à ordem política ditatorial do Estado Novo, e, a jusante, pela revolução de Abril de 1974. A periodização aqui tecida é, portanto, de natureza política e não de natureza jornalística. Não é objectivo dos autores estabelecer uma periodização da história do jornalismo português[1] nem sequer da história da teorização do jornalismo em Portugal.
O período entre 1958 e 1974 foi um tempo de transformações. O regime corporativo do Estado Novo dava os últimos passos, bem assinalados pela morte de Salazar e pela ascensão de Marcelo Caetano ao cargo de presidente do Conselho de Ministros (equivalente ao cargo de primeiro-ministro). O país envolveu-se numa guerra colonial, nas universidades grassava a agitação, a emigração atingiu números nunca vistos, mas a economia prosperou, devido a factores como, entre outros: a integração do país na EFTA – Associação Europeia de Comércio Livre; as remessas de dinheiro dos emigrantes; e a instalação de empresas estrangeiras em Portugal, que, embora atraídas pelos baixos salários, introduziram no país regras e rotinas de trabalho contemporâneas. O Governo marcelista pôde, inclusivamente, desenvolver os primeiros mecanismos relevantes de um estado social de matriz europeia. Ocorreu um arejamento das mentalidades, provocada por factores como os progressos na educação, a urbanização, o turismo estrangeiro, a emigração, a intervenção cultural da Fundação Calouste Gulbenkian e a politização de vários sectores da sociedade portuguesa. Muitos hábitos mudaram, sinal dos novos tempos. Mas os sinais de abertura política do regime que pareciam existir no início do consulado de Marcelo Caetano rapidamente se esfumaram e se transformaram em frustração.
Diga-se que, na verdade, Caetano actuou num palco social em que a politização era crescente e em que a mudança de regime se adivinhava. Graças às novas dinâmicas sociais, o recrudescimento do interesse pela política acompanhou uma renovação das mundividências e mundivivências dos portugueses. Às eleições legislativas de 1969, embora sabendo de antemão que o jogo eleitoral estava viciado à partida, concorreram listas alternativas às da União Nacional, casos da CEUD, que agrupava socialistas e monárquicos democratas, da CEM, exclusivamente monárquica, e da CDE, que aglomerava marxistas, maoistas e outros esquerdistas, incluindo alguns dos chamados católicos progressistas.
Compreendendo a crescente politização da sociedade portuguesa, o próprio Marcelo Caetano, não só reflectiu, conforme se verá, sobre a influência da comunicação social na sociedade, como também propiciou ao seu Governo uma atitude comunicacional pró-activa, de que o principal exemplo são as suas célebres Conversas em Família, programa televisivo que teve 16 emissões, entre 8 de Janeiro de 1969 e 28 de Março de 1974[2], e que serviu para o líder do Governo dar conta à população daquilo que o seu Governo estava a fazer e comentar a conjuntura. Além disso, o Governo marcelista também mobilizou os jornalistas para os mais variados eventos e conferências de imprensa, o que fez recrudescer o interesse pelo jornalismo político.
A eleição dos parlamentares da Ala Liberal para a Assembleia Nacional, em 1969, também contribuiu para intensificar o reencontro do jornalismo português com a política, perdido após o colapso da I República. Mais próximos dos jornalistas e adeptos da democratização do regime e da liberdade de imprensa, os deputados da Ala Liberal – entre os quais Sá Carneiro e Pinto Balsemão[3] – obtiveram visibilidade para as suas propostas graças à comunicação social.
No jornalismo, o período entre 1958 e 1974 também foi de transformações. Se por um lado se assistiu à emergência do jornalismo político, por outro também se verificaram extraordinários progressos ao nível da profissionalização da actividade jornalística. Esta abandonou, na quase totalidade, a sua característica de “ocupação” ou “ofício” para ir assumindo a condição de profissão liberal (Correia e Baptista, 2006; 2010; Sobreira, 2003), embora, valha a verdade, esse processo não tenha sido nem fruto do momento (antes foi o resultado de uma germinação consolidada ao longo da história) nem isento de tensões.
Tal como dão conta os factos históricos conhecidos e investigações como as de Correia e Baptista (2006; 2010), baseadas em entrevistas com jornalistas portugueses que exerceram a sua actividade nos anos sessenta e início dos setenta, ou a de Sobreira (2003), ancorada, principalmente, em fontes documentais, entre 1958 e 1974 diminuiu a atitude servil dos jornalistas em relação aos políticos do Estado Novo, o Sindicato Nacional dos Jornalistas assumiu um protagonismo inaudito, lutou-se pela liberdade de imprensa e pela instituição de cursos superiores de Jornalismo[4], desafiaram-se os condicionalismos económicos com imaginação e diminuiu o carácter improvisado e “desenrascado” da actuação dos jornalistas, em favor de uma atitude mais técnica e rotinizada, mais “profissional”, mais ajustada ao ambiente de mudança que se fazia sentir, inclusive no que respeita à introdução de novas tecnologias[5]. A mudança nas práticas profissionais na “grande imprensa” pode ter conduzido, porém, a uma hipotética cristalização dos procedimentos e das fórmulas narrativas que então começaram a usar-se para dar conta “do que há de novo”, em eventual prejuízo de uma eventual maior latitude estilística e retórica que possa ter existido até aí.
Em 1971, começou a funcionar a Escola Superior de Meios de Comunicação Social, estabelecimento de ensino privado lançado pelo Instituto Superior de Línguas e Administração (primeira instituição portuguesa de ensino superior privado, fundada em 1962), um efémero um curso de Jornalismo com três anos de duração, extinto após a Revolução de 1974. Um sinal de que, em Portugal, se começava a ver com outros olhos o Jornalismo, cada vez mais perto da sua plena aceitação universitária.
As redacções também se recompuseram nos anos sessenta, apesar dos constrangimentos económicos obrigarem muitos jornalistas a acumularem empregos – nem sempre relacionados com o jornalismo. Seguindo os pioneiros trabalhos dos já citados Correia e Baptista (2006; 2010) e Sobreira (2003), ingressaram no jornalismo jovens mais qualificados e politizados do que a geração precedente, incluindo várias mulheres, propiciando a adopção relativamente consensual de valores e práticas profissionais mais actuais, em especial nos novos projectos jornalísticos que nessa altura viram a luz do dia (casos, por exemplo, do Diário de Lisboa e do Diário Popular). Por seu turno, a emergência do profissionalismo jornalístico em Portugal incrementou a autonomia deste campo profissional, alicerçando-a em valores comuns, regras e deveres, mas também na pugna por direitos, incluindo, obviamente, o direito à liberdade de pensamento e de expressão desse pensamento através da imprensa. Assim, no estertor do Estado Novo, os “novos” valores profissionais dos jornalistas portugueses geraram uma tensão permanente entre estes e as autoridades da ditadura.
Diga-se, no entanto, que apesar da tentativa de reforço do controlo sobre a comunicação social e a sociedade exercida pelo Governo de Marcelo Caetano após 1971, pondo fim à Primavera Marcelista, a profusão de meios de comunicação social tornou difícil a acção dos serviços de “Exame Prévio”, eufemismo para a designação dos serviços de censura. Na imprensa escrita, e também na rádio, projectos jornalísticos diferenciados, com linhas editoriais politicamente matizadas, eram oferecidos aos públicos, que certamente escolhiam aqueles com os quais mais se identificavam. A televisão, cujas emissões regulares, em Portugal, começaram em 1957, foi pouco inovadora: às notícias lidas por um locutor seguiam-se alguns apontamentos de reportagem audiovisual, que copiavam o estilo das “Actualidades” cinematográficas.
O Rádio Clube Português foi a primeira emissora de rádio a criar uma redacção, em 1957. Essa rádio inovou os noticiários, abandonando a prática até aí comum de se circunscreverem os radiojornais à leitura de resumos ou transcrições das notícias da imprensa. Os radiojornais do RCP passaram a ser elaborados por jornalistas de rádio, que adaptavam a linguagem jornalística às especificidades “orais” do meio.
Por seu turno, jornais como o Diário Popular, o Diário de Lisboa e o efémero Diário Ilustrado e revistas como O Século Ilustrado, a Flama e a Vida Mundial renovaram o panorama da imprensa. O Expresso, surgido em 1973, pela mão de Pinto Balsemão, será, possivelmente, um excelente exemplo do dinamismo empresarial no campo do jornalismo impresso e da aparição de novos títulos no final do Estado Novo. Outros jornais, porém, ficaram pelo caminho, porque, embora dificultada, a censura não deixava de agir. O semanário Actividades Económicas, fundado, em 1973, pelo grupo Torralta, para competir com o Expresso, foi sucessivamente boicotado pela censura, o que não é de admirar, dados os temas que procurou tratar (o primeiro número, por exemplo, seria sobre a carestia de vida e logo na primeira página a manchete era “Vida Cara”). Assim, apesar de ter a redacção em plena laboração e de ter lançado uma campanha de publicidade para anunciar a sua saída, o jornal apenas produziu números zero e acabou por ser encerrado. Foi um exemplo concreto de como a censura emperrava o dinamismo da sociedade civil e do jornalismo e prejudicava a própria economia.
1. A teorização sobre a liberdade de imprensa
A teorização do jornalismo em Portugal entre 1958 e 1974 reflectiu as condições da época em que foi produzida. Nomeadamente, ao cercear a liberdade de imprensa, a ditadura detonou nos meios jornalísticos (e não só) uma grande preocupação pela expressão do pensamento e pela transmissão de informações através da palavra pública. Alguma da discussão sobre liberdade de imprensa foi enquadrada numa reflexão sobre os efeitos sociais do jornalismo, em particular sobre os efeitos do jornalismo sobre a opinião pública.
Parte significativa da produção intelectual produzida sobre liberdade de imprensa em Portugal teve contornos jurídicos e sociológicos. Brochado (1960), Matos e Lemos (1964), Moura, Neves, Fernandes e Zenha (1968), Neves (1968), Azevedo (1969), Rêgo (1969; 1974), Borges Coutinho (1969), Araújo (1969), Carvalho e Cardoso (1971), Osório (1971), Vasconcelos (1972), Carvalho (1973), Magalhães Godinho, (1971 e 1974), Silva e Sousa (1974) e Ventura (1974) teceram considerações jurídicas e de outra natureza sobre os regimes legais da imprensa em Portugal e noutros países, procuraram definir, justificar ou criticar a liberdade de imprensa e a censura, historiografaram os regimes legais a que a imprensa foi sujeita em Portugal e ainda tentaram discutir as imposições jurídicas e as implicações sociais das sucessivas leis que regularam o jornalismo português. Em certos casos, a intenção “pedagógica” e descritiva é notória (por exemplo, Gonçalves, 1965a); noutros casos, é essencialmente a preocupação com as consequências da censura que transparece (por exemplo: Silva, 1968). Entre todos esses trabalhos, talvez seja de destacar o livro de Alberto Arons de Carvalho e de Monteiro Cardoso (1971) intitulado Da Liberdade de Imprensa, pois trata-se de uma ampla (630 páginas!) exposição comparada e objectiva de diversos regimes jurídicos do jornalismo então existentes no mundo (França, como exemplo das democracias políticas; regimes socialistas; regimes autoritários – Espanha, Grécia e Brasil; Portugal), acompanhada pela descrição dos sistemas políticos que os sustentavam. No livro, os autores defendem “a defesa do direito dos povos a serem informados e a discutirem livremente” (Carvalho e Cardoso, 1971: 9).
Uma variante nos trabalhos sobre liberdade de imprensa é a compilação, anotada ou não, de legislação (Gonçalves, 1965a; Prazeres, 1971; Prazeres, 1972).
Recorde-se, a propósito, que Salazar (cit. in Cunha, 1941: 37) justificava assim a censura à imprensa:
“O jornal é o alimento espiritual do povo e deve ser fiscalizado como todos os alimentos. Compreendo que essa fiscalização irrite os jornalistas, porque não é feita por eles, porque se entrega esse policiamento à censura, que também pode ser apaixonada, por ser humana, que significará sempre, para quem escreve, opressão e despotismo.”
Alguns dos escritos sobre liberdade de imprensa resultaram das intervenções sindicais nos debates sobre a legislação reguladora do jornalismo (Sindicato Nacional dos Jornalistas, 1971a; Sindicato Nacional dos Jornalistas, 1971b), até porque, de certa forma, os jornalistas tendem a valorizar “intuitivamente” a liberdade de expressão, já que “exprimirem-se” é a sua principal ferramenta. Existe, também, uma compilação interpretada das discussões parlamentares acerca da liberdade de imprensa no primeiro parlamento português (Dias, 1966).
De realçar que José Júlio Gonçalves (1972c) cruzou a historiografia com o direito e a sociologia para analisar a forma como o desenvolvimento da imprensa portuguesa foi constrangido pelos diferentes instrumentos jurídicos de regulação da actividade jornalística, entre outros factores, pelo que, necessariamente, abordou as questões da censura e da liberdade de imprensa enquanto, respectivamente, travadora e promotora do desenvolvimento do jornalismo.
1.1 Mário Matos e Lemos (1964): a abordagem jurídico-filosófica da liberdade de imprensa
No ensaio Liberdade de Imprensa em Portugal, Mário Matos e Lemos (1964) começa por relembrar que a imprensa periódica “nasceu num meio político e social – e consequentemente jurídico – onde a liberdade de expressão não era possível”. Por isso, salienta o autor, a censura à imprensa aparece codificada desde o século XVI. A censura só foi abolida pela primeira vez no final do século XVII, em Inglaterra, relembra o autor, graças à Revolução de 1688, “que fez triunfar a ideia de que as instituições políticas e sociais – como Hobbes o sugerira – só se justificam na medida em que protegem os interesses e garantem os direitos individuais”. Mário Matos e Lemos (1964: 8) cita, igualmente, John Locke, filósofo político para quem “não há felicidade sem garantias políticas e toda a política deve tender a dar felicidade”. Assim, diz o autor, gradualmente, os Estados liberais ocidentais foram admitindo a liberdade de expressão e de imprensa. Porém, estas liberdades foram suprimidas “de cada vez que a concepção de Estado não se fundava” nos princípios liberais, casos do comunismo, do fascismo e do nazismo.
Em directa oposição às ideias liberais, o direito marxista, salienta Matos e Lemos (1964: 9-11), não reconhece os valores inerentes à personalidade humana, vistos como “simples conceitos de classe” e “manifestações de privilégio da classe capitalista” de que o operariado não beneficia. Os teóricos comunistas, relembra o autor, procuram explicar que, na realidade, a imprensa nos países capitalistas é dominada pelo capital, pelo que o operariado não lhe tem acesso. Nesse sentido, para os teóricos comunistas não existiria real liberdade de imprensa nas democracias liberais. Similarmente, nos estados comunistas não existiria liberdade de imprensa para os “capitalistas derrotados pela revolução”.
Para Matos e Lemos (1964: 11-13), o direito fascista nega, igualmente, aos indivíduos a prossecução dos seus interesses particulares, pois o indivíduo, diluído no Estado, não seria mais do que o meio e não o fim da sociedade. Na concepção fascista, só o Estado é livre e é a ele que compete criar a nação, dando ao povo consciência e vontade unas. A liberdade individual e, consequentemente, a liberdade de imprensa têm, assim, pouco valor para o Estado fascista, totalitário. A imprensa no estado fascista é vista como um “serviço público”, devendo, portanto, nas próprias palavras de Mussolini, servir a causa do regime.
Finalmente, explica Matos e Lemos (1964: 13-15), na concepção nacional-socialista, o Governo e o seu líder emanam da comunidade, fundada no conceito de raça. O indivíduo é somente um membro da comunidade, submetido à ordem estabelecida pelo seu chefe (o füher). Assim, o nazismo também nega os direitos individuais, incluindo o direito à livre expressão e, consequentemente, o direito à liberdade de imprensa.
A conclusão de Mário Matos e Lemos (1964: 15) é a de que em todos os estados totalitários, comunistas, fascistas ou nazis, a imprensa foi ou é considerada como serviço público, estando ao serviço de causas ou interesses supostamente colectivos, posição antiliberal e anti-individualista. Inversamente, para o autor, que evoca o teórico brasileiro Afonso Arinos de Melo Franco, a imprensa nas democracias liberais não é “serviço público, precisamente porque constitui o veículo das liberdades individuais que constituem a própria condição da existência da democracia”.
A derrota do nazismo e do fascismo na II Guerra Mundial teria propiciado, segundo Matos e Lemos (1964: 22-23), uma reformulação das doutrinas sobre a imprensa, que se teriam consubstanciado em três tipos:
1) Liberal tradicional, em crise;
2) Autoritárias, comunistas ou não comunistas, que consideram os meios de informação como um serviço público, com dimensões educativas e orientadoras, situação que a imprensa portuguesa vivia em 1964, apesar de o autor apenas se referir a Espanha, onde se estabelecera o regime franquista;
3) Institucionalistas, que vêem a liberdade de imprensa não como uma liberdade individual mas somente como uma liberdade institucional, ou seja, “uma liberdade concedida com vista ao cumprimento de uma função social” e cujo exercício deve ter presentes os direitos de terceiros. O princípio orientador desta concepção é o da responsabilidade social da imprensa.
Mário Matos e Lemos descreve, igualmente, a evolução das doutrinas jurídicas portuguesas sobre o princípio da liberdade de imprensa desde a lei liberal de 1821 e do articulado da Constituição de 1822, detendo-se, em particular, na conjuntura gerada pela Constituição instituidora do Estado Novo, de 1933, que vigorou até 1974, pesem embora as revisões de 1952 e 1959.
Para o autor, que cita Marcelo Caetano, a Constituição do Estado Novo tinha distintas influências doutrinárias, pelo que, embora enunciando os direitos liberais, remetia o seu exercício para regulamentação específica em lei ordinária, o que implicava o constrangimento desses mesmos direitos, incluindo os direitos à liberdade de expressão e de imprensa. Mário Matos e Lemos (1964: 21) identifica mesmo a doutrina constitucional do Estado Novo sobre a imprensa com os regimes próprios dos estados totalitários, pois quer em Portugal quer nesses estados era cometida à imprensa “uma função de carácter público”. Conforme se explicitava no próprio preâmbulo da Constituição do Estado Novo e nos seus artigos 22º e 23º, em Portugal essa função era a de “defender a opinião pública de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a boa administração e o bem comum”. Assim, tal como vinca o autor, o Estado Novo admitia a censura, apesar de todas as mudanças que o mundo então sofria (aumento do turismo, emigração, impossibilidade de controlo real sobre as emissões de rádio do estrangeiro, incremento da alfabetização...), e das discussões que se travavam sobre a liberdade de imprensa. Aliás, para criticar indirectamente o imobilismo português do Estado Novo face à questão da liberdade de imprensa, Mário Matos e Lemos (1964: 24) cita o espanhol Juan Beneyto, para quem a possibilidade de abuso de liberdade de imprensa não deve tolher à partida o exercício dessa liberdade, antes devendo ser instituídos mecanismos legais que punam o abuso. A sua conclusão é explícita: “a censura prévia está completamente ultrapassada” (Matos e Lemos, 1964: 26), tendo, inclusivamente, efeitos contraproducentes para o próprio regime, já que a população, conhecedora da situação, desconfia da comunicação social e a informação se pode (con)fundir com a propaganda. Para o autor, impunha-se que Portugal, para acompanhar o progresso social do mundo e mesmo o seu, abandonasse a concepção autoritária da imprensa, própria dos regimes totalitários antiliberais, e adoptasse a doutrina da responsabilidade social, própria das democracias ocidentais contemporâneas. Ironicamente, o autor acrescenta: “se se quiser manter o actual sistema, monte-se então uma infra-estrutura que o faça funcionar efectivamente, como funciona, por exemplo, o sistema soviético”.
O último ponto do texto de Mário Matos e Lemos (1964: 30-32) é consagrado à defesa do ensino superior do jornalismo em Portugal, sem o qual seria “pouco menos que inútil introduzir reformas na legislação”.
1.2 Da teorização sobre liberdade de imprensa à teorização sobre opinião pública: A perspectiva de Marcelo Caetano (1965)
A reflexão sobre os efeitos sociais do jornalismo, em grande medida articulada com a discussão académica, política e ideológica sobre liberdade de imprensa, conduziu à teorização sobre opinião pública. Em Portugal, merece particular destaque o trabalho académico do jurista e professor Marcelo Caetano, que três anos depois da publicação do livro se tornaria presidente do Conselho de Ministros, vindo a ser derrubado pelo golpe de Estado de 25 de Abril de 1974.
Em A Opinião Pública no Estado Moderno, Marcelo Caetano defende que a opinião pública desempenha, desde o século XIX, uma função capital na política. Procurando defini-la, Marcelo Caetano recorda um político do século XIX que afirmava, caricaturalmente, que a opinião pública era a “opinião que se publica”. Avança, seguidamente, com a sua própria definição: “a opinião pública é constituída pelos juízos compartilhados por grande número dos componentes de dado grupo social, de tal modo que um indivíduo ao exprimir algum desses juízos perante os seus concidadãos tenha considerável probabilidade de o não ver repelido, mas sim de encontrar um ambiente de receptividade e aprovação. Trata-se de uma opinião, isto é, de um juízo individual; mas que é pública e, portanto, circula entre indivíduos num dado meio social de modo a tornar-se comum e até colectiva” (Caetano, 1965: 12). Além disso, Caetano admite que a opinião pública deve ser considerada em relação a um grupo social e que podem coexistir várias correntes de opinião, pelo que “o indivíduo (...) passando de grupo em grupo, encontrará aqui receptividade para certo juízo que acolá vê repelido” (Caetano, 1965: 13). Algumas opiniões circunscrevem-se ao indivíduo e não chegam ao estatuto de “públicas”, diz o autor, mas outras obtêm a adesão de grupos sociais amplos podendo constituir-se como correntes de opinião dominantes.
As correntes de opinião pública, reflecte também Marcelo Caetano, incidem sobre os mais variados temas e não são imutáveis, formando-se em três níveis: as profundas, as intermédias e as superficiais.
Diz o autor que as correntes profundas formam-se essencialmente através da educação, “que constitui o veículo transmissor da experiência das gerações passadas às gerações presentes” (Caetano, 1965: 19). A transição de experiências de geração em geração torna os novos indivíduos beneficiários de todo o saber acumulado. Mas mesmo as correntes profundas evoluem, explica Marcelo Caetano, exemplificando com as novas opiniões que, graças ao ensino dos avanços nas ciências, nas tecnologias e humanidades, circulavam entre os jovens e as mulheres dos anos Sessenta, bastante diferentes das opiniões profundas dos seus progenitores.
As correntes de opinião intermédias formam-se, de acordo com Marcelo Caetano, na experiência vivida pelos grupos sociais actuais. Assim, muito do que vem do exterior do indivíduo – imprensa, propaganda, arte... – contribui para a modelação dessas correntes de opinião, que retroactivamente alimentam esses mesmos discursos. Aliás, na versão de Marcelo Caetano pode mesmo acontecer que determinados indivíduos adiram a determinadas correntes de opinião intermédias não por força das suas próprias experiências, mas unicamente por força das experiências alheias que são relatadas e disponibilizadas publicamente. No entanto, Caetano afirma que a doutrinação de “ideias puras”, filosóficas, só alcança êxito quando a filosofia se converte numa ideologia atida a interesses e à realidade concreta: “A opinião pública forma-se em parte limitadíssima por elementos racionais e depende sobretudo de reacções de interesses, de sentimentos, de emoções e até de instintos. A propaganda de uma doutrina nos meios populares faz-se, por isso, através da exploração de situações concretas às quais se ajusta um breve comentário tendencioso para mostrar a iniquidade de um sistema ou a bondade de um princípio. A ilusão de que se converte o povo mediante o ensino sistemático de proposições teóricas já não cabe na cabeça de nenhum técnico de propaganda. A própria pregação religiosa é tanto mais fecunda quando cingida ao concreto” (Caetano, 1965: 24-25). Por essa razão, diagnostica Caetano, os jornais estritamente políticos quase se desvaneceram, em favor dos órgãos de informação geral, onde a doutrinação se faz em correlação com as notícias sobre a realidade concreta. De qualquer maneira, o autor admite que a existência de grupos de opinião estáveis “contribui poderosamente para a estabilidade das correntes intermédias de opinião pública” (Caetano, 1965: 27).
Por último, o autor descreve as correntes superficiais de opinião, imediatas e reactivas, que dependem, essencialmente, das notícias e comentários que, por acumulação, vão deixando lastro nas correntes intermédias. Assim, Caetano (1965: 29) admite que “Em teoria, o processo ideal de formação da opinião pública consistiria em proporcionar a todos os indivíduos a mais ampla e circunstanciada documentação acerca dos factos e das ideias do seu tempo. Todo o cidadão deveria, pois, ter livre acesso à informação”. Porém, ainda de acordo com ele, a maior parte das pessoas não tem tempo para consumir mais do que alguma informação superficial, como acontece quando alguém folheia o jornal e se fica pela leitura dos títulos e de apenas uma ou outra notícia, mesmo assim nem sempre na totalidade. “Compreende-se, pois, o papel que a imprensa pode ter na formação das correntes superficiais e intermédias da opinião pública, não só através dos artigos e comentários que publica mas mediante a inserção, a disposição e a valorização do próprio noticiário” (Caetano, 1965: 30), sentencia o autor.
A pretensa objectividade jornalística merece o seguinte reparo de Marcelo Caetano (1965: 31): “Repare-se que, apesar da objectividade constituir o lema das agências de informação, dificilmente estas poderão escapar à influência das nações a que pertencem, dos capitais que as apoiam e dos redactores que as servem. Os países que não são produtores desta mercadoria – a notícia (...) – são forçados a receber os serviços de agências internacionais (...) com toda a carga de interesses que cada uma representa. A própria língua nacional fica (...) comprometida (...). Nunca como hoje tantos estrangeirismos se insinuaram por essa via no vocabulário e na sintaxe”. Portanto, segundo Caetano, as influências sobre a produção de notícias, bem como a selecção e valorização de determinadas notícias em prejuízo de outras, retroactivamente afectam a formação de correntes de opinião: “Graças ao relevo dado a certo noticiário, a imprensa de informação pode provocar ondas de emoção ou despertar reacções de interessem que agitem momentânea, mas por vezes violentamente, a opinião” (Caetano, 1965: 31). Por isso, Marcelo Caetano exige honestidade aos responsáveis pela produção e apresentação das notícias, por exemplo, a jornalistas e paginadores, até porque, prossegue, por vezes as notícias se fundam em boatos e rumores que envenenam “situações, atitudes e reputações” (Caetano, 1965: 33), algo que os desmentidos não conseguem combater eficazmente.
Há que dizer, ainda, que em consonância com Marcelo Caetano existem relações ascendentes e descendentes entre os três níveis de correntes de opinião. A adesão a correntes de opinião intermédias, por exemplo, pode resultar das convicções profundas de um indivíduo, tal como o impacto diário dos acontecimentos pode “solidificar ou modificar os comportamentos ao nível intermédio e (...) a longo prazo as próprias atitudes ligadas às correntes profundas” (Caetano, 1965: 36).
Marcelo Caetano distingue a formação da opinião da expressão da opinião, salientando que algumas correntes opinativas têm origem obscura e se desenvolvem na clandestinidade, às vezes por culpa da invisibilidade mediática, da inacessibilidade aos media, dos indivíduos que partilham desses pontos de vista, confrontados com grupos dominantes que monopolizam o espaço nos meios de comunicação. Por isso, só alguns conseguem interpretar os sinais da existência dessas correntes obscuras e oprimidas de opinião, graças a manifestações ocasionais, dispersas e espontâneas das mesmas. Os principais métodos de apuramento sistemático das opiniões são, contudo, revela o autor, os inquéritos por sondagem e os sufrágios, “quando exercidos por eleitores conscientes em condições de autenticidade” (Caetano, 1965: 42).
É possível, ainda, de acordo com o autor, que determinadas correntes de opinião se solidifiquem e expandam graças ao papel da imprensa, que vai dando sucessivamente mais voz a quem com elas se identifica, numa espécie de “reacção em cadeia” (Caetano, 1965: 37). É o que acontece, por exemplo, com determinadas cartas de leitores, que podem suscitar o desenvolvimento de correntes de opinião, isto apesar de Marcelo Caetano reconhecer que, em grande medida, os comentadores regulares monopolizam o espaço opinativo dos jornais, sendo dado pouco relevo às contribuições espontâneas dos cidadãos. Outras vezes, a manifestação pública da opinião pública resulta de um estímulo, como um acontecimento que gere comentários e controvérsia. Outras vezes ainda, minorias activas, ao promoverem sistematicamente as suas opiniões, também causam um efeito “bola de neve” ou até geram a incorporação insinuante dessas opiniões nas correntes maioritárias. Em todo o caso, como adverte Caetano: “O debate (...) só é (...) útil quando traduz o respeito recíproco (...) e decorre em ambiente de cortesia, tolerância e objectividade, raramente conseguido na vida pública. Por via da regra, (...) a controvérsia resvala para a polémica e esta degenera em questão pessoal” (Caetano, 1965: 40).
Segundo Caetano, o Estado moderno tem de agir não apenas como disciplinador da vida social e dador de segurança, mas também como empresário ou fiscal, entre outras funções. O autor afirma que “o Estado se tornou uma máquina tremendamente complexa e, por isso mesmo, cada vez mais pesada de conduzir e difícil de mover” (Caetano, 1965: 46). Uma das causas para isso, segundo Marcelo Caetano, é a opinião pública. Esta “aprova e condena actos e medidas” (Caetano, 1965: 49). Assim, Caetano explica que, num estado moderno, a opinião pública pode, em consequência, ter três funções: função motora, função refreadora e função sancionadora. Além disso, para o autor, a opinião também pode incidir sobre a legitimidade dos governantes e sobre a vigência das concepções da sociedade que eles defendem em vez de outras. O autor dá também exemplos de situações em que os governos, não podendo vencer, se juntam à opinião pública. O diálogo entre os governos e a opinião pública, de acordo com Marcelo Caetano, leva a que haja uma maior intervenção dos cidadãos sobre o Estado, de maneira passiva, quando é pedido esclarecimento, ou de maneira activa, quando envolve representação política.
Marcelo Caetano afirma que é essencialmente através da imprensa, rádio e televisão que, nos estados modernos, os governantes chegam ao público, até porque “não podem dispensar-se de dar contas do que pensam, projectam ou fazem” (Caetano, 1965: 55). Continua o autor, consciente do poder dos media:
“A cena parlamentar, inventada no tempo em que o convívio social decorria em conversas de salão, foi suplantada (...). Os governos acham-se constantemente em contacto com o público, sem necessidade de intermediários. Exposições ou entrevistas na televisão, discursos radiodifundidos, (...) difusão em larga escala de documentos impressos e até essa forma de facilitação da entrevista (...) que é o telefone (...) permitiram aos que governam estar sempre presentes perante os governados e ao alcance destes como nunca. As conferências de imprensa (...) são meios de informação de excepcional amplitude (...). E tudo é televisionado, radiodifundido e publicado (...) de modo a permitir (...) o conhecimento dos projectos e reacções governamentais.” (Caetano, 1965: 55).
O autor relembra, no entanto, que apesar da proximidade entre políticos e meios de comunicação é imprescindível haver representantes eleitos por sufrágio, capazes de diluir e regular a influência dos media sobre as correntes de opinião. É necessário, diz ainda Caetano, discernir a “autêntica” opinião pública de “meros manifestos”, até porque, segundo o raciocínio do autor, a opinião pública “facilmente se torna presa de aventureiros e charlatães”, pois “Se os indivíduos não estão habituados a examinar, discutir e julgar para escolher, qualquer ilusão os seduz” (Caetano, 1965: 63), diz ele, denunciando a sua crença na vulnerabilidade opinativa dos indivíduos em geral. Por isso, para Caetano os políticos não podem alicerçar as suas acções nas correntes de opinião superficiais nem sequer nas médias: “A estatura do governante mede-se mesmo, em muitos casos, pela coragem demonstrada em arrostar com a impopularidade até que os acontecimentos mostrem a razão que lhe assistia. (...) O Estado moderno não pode desprezar a opinião pública, mas também lhe é impossível deixar-se governar por ela.” (Caetano, 1965: 66) Sustenta, aliás, a sua posição socorrendo-se do economista austríaco Schumpeter, que insistia no predomínio de factores irracionais na formação da opinião pública e considerava que os eleitores médios revelavam “falta do sentido das realidades, enfraquecimento da noção de responsabilidade e ausência de espírito volitivo”. Relembra, igualmente, Walter Lippman, que, de acordo com Marcelo Caetano, mostrou quanto “uma pequena minoria actuante, usando de processos publicitários e empregando atrevidas ousadias, pode, no meio da passividade geral, dar a ilusão de que se está perante uma corrente poderosa de opinião, onde não há mais que paixão ideológica, ambições audaciosas, interesses cúpidos ou então despeitos reivindicativos ou explosões de recalques.” (Caetano, 1965: 66)
Marcelo Caetano discorre ainda, no seu livro, sobre a aproximação entre países trazida pelos modernos meios de comunicação. Porém, de um ponto de vista crítico, assinala: “No meio de tamanha abundância de informação, é natural que o leitor se perca e que as suas ideias acerca do que não conhece directamente tomem um carácter fragmentário e difuso.” (Caetano, 1965: 74) A solução para esse problema seria dispensar informação contextual através de crónicas e artigos analíticos e impedir a proliferação de “reportagens-relâmpago, feitas por jornalistas apressados, sem preparação nem reflexão.” (Caetano, 1965: 76)
Finalmente, o autor discorre sobre “Responsabilidades da Informação”. Começa por relembrar que o jornalismo não é apenas técnica, já que influi sobre a moral, a sociedade e a política. Assim sendo, questiona-se sobre a imensa responsabilidade que é decidir dentre as notícias potenciais quais se tornarão efectivamente notícias e sobre os enquadramentos que lhes serão dados. Questiona-se, igualmente, sobre a capacidade dos leitores, maioritariamente impreparados, formarem “um juízo válido sobre os acontecimentos” (Caetano, 1965: 81), sobretudo os que ocorrem em países diferentes dos seus, e tecerem sobre os mesmos opiniões fundadas, devido ao carácter fragmentário e veloz com que a informação lhes chega e à super-abundância informativa.
1.3 António Barbosa (1968) sobre a opinião pública
Barbosa (1968), no livro Relações Entre o Concílio Vaticano II e a Opinião Pública do Seu Tempo, embora pretendesse, essencialmente, descrever o impacto do Concílio do Vaticano II na opinião pública, na primeira parte do seu trabalho faz uma útil revisão sobre vários conceitos de opinião pública.
Sustenta o autor que a opinião pública parte de juízos individuais que se tornam públicos, circulando entre indivíduos num dado meio social, de modo a tornarem-se comuns e até colectivos. Porém, o autor salienta que os juízos de opinião podem não ser certos, embora o homem seja obrigado a opinar sempre que não tem um conhecimento perfeito da realidade. Para ele, a opinião é também um acto de vontade e de orientação para a acção, necessitando de liberdade, “não apenas no sentido de uma liberdade jurídica, mas no sentido de uma liberdade concreta e prática” (Barbosa, 1968: 3).
Barbosa (1968) sustenta que na opinião pública se distinguem dois estados: estado latente e estado de lucidez. Além disso, para ele a intensidade das correntes de opinião pode ser medida, existindo opiniões pacíficas e tranquilas, que agitam levemente a vida social, e opiniões turbulentas, que alteram o ritmo de vida de uma nação. “Uma opinião pública nunca é um ponto imóvel e fixo, mas sim dinâmico que tende a desenvolver-se vitalmente”, explicita Barbosa (1968: 5).
Para Barbosa (1968: 6), a opinião pública não é monolítica, embora seja estruturada, pois produz-se em contextos sociais e culturais definidos, em várias etapas:
“ A opinião pública pode ter origem num acontecimento central ou numa série de pequenos factos simultâneos ou sucessivos (...). Esse acontecimento gerador da opinião pública precisa, para vingar, de um clima social propício. (...) O conteúdo ou mensagem desse acontecimento deve harmonizar-se. (...) A mensagem contida no acontecimento produtor da opinião pública deve ir ao encontro das necessidades confessadas ou inconfessadas de um grande número de indivíduos. (...) A transcendência do acontecimento conhecido num âmbito restrito numa primeira fase é posteriormente amplificada pelos mass media. (...) Por último, esse acontecimento deve encontrar um eco reforçado na intervenção directa dos indivíduos que constituem o todo social.”
A parte final do livro de Barbosa é dedicada exclusivamente à forma como a Igreja Católica se apresentou ao mundo, através da comunicação social, durante o Concílio Vaticano II, concluindo o autor que a acção comunicacional da hierarquia católica nesse sínodo supriu a falta de informação dos media sobre a vida da Igreja e tornou-a presente na opinião pública.
2. A história do jornalismo
No período entre 1958 e 1974, encontram-se várias orientações no tratamento da história do jornalismo em Portugal. Alguns autores publicam obras sobre a história do jornalismo português em geral (sendo a mais relevante a de Tengarrinha, 1965). Entre eles, Nuno Rosado (1966) faz uma história canónica do jornalismo impresso português (com algumas pinceladas sobre o jornalismo estrangeiro), embora, no início da obra, o autor discorra, contextualmente, sobre a “missão da imprensa no mundo”. Em várias passagens da obra de Rosado (1966) nota-se, por outro lado, e a propósito da cobertura internacional da política colonial portuguesa, um discurso justificador e legitimador da acção de Portugal nas colónias e da política salazarista em geral. Salazar é enaltecido. As próprias fotografias inseridas no livro procuram mostrar que Portugal e Salazar não estavam internacionalmente isolados na época. Todas elas mostram Salazar ou Carmona com estadistas estrangeiros, não estando, portanto, minimamente relacionadas com o jornalismo ou com jornalistas.
Outros autores portugueses do mesmo período debruçam-se sobre a imprensa e o jornalismo nas colónias ou em regiões e cidades do país (por exemplo: Oliveira, 1958; Nunes, 1962; Costa, 1963; Teixeira, 1965; Gonçalves, 1964, 1965b, 1966 e 1966/1967; Oliveira, 1969; Codam, 1973); outros ainda restringem-se à história do jornalismo especializado, nomeadamente nas áreas da medicina (por exemplo: Silva, 1974) e da imprensa operária (Oliveira, 1973). Este último trabalho (Imprensa Operária no Portugal Oitocentista: 1825 – 1905, de César Oliveira) é particularmente interessante porque aborda temas sensíveis, como a imprensa socialista e anarquista e o respectivo discurso, numa época em que o regime ditatorial e corporativista censurava tudo o que pudesse soar a subversão. Existem, igualmente, obras sobre a história de determinados jornais (por exemplo: Pacheco, 1964; Baptista, 1966), com especial destaque para o Diário de Notícias e O Comércio do Porto. A obra de Jacinto Baptista (1966) é singularmente interessante por se tratar de uma profunda análise do discurso do número do jornal republicano O Mundo de 5 de Outubro de 1910, data em que a República foi proclamada em Portugal. Aliás, é uma das primeiras análises do discurso encontradas em Portugal.
A história das organizações jornalísticas e das personagens que nelas intervieram não foi esquecida pelos autores portugueses entre 1958 e 1974, sendo abordada, por exemplo, por Boavida Portugal (1959), neste último caso restrita à Casa da Imprensa.
2.1 A grande história do jornalismo português: José Manuel Tengarrinha (1965)
O livro de José Manuel Tengarrinha (1965) História da Imprensa Periódica Portuguesa, reeditado em 1989, é “apenas” a grande obra de referência de todos os que se propõem estudar o jornalismo português durante a Monarquia. De facto, embora as últimas referências do livro digam respeito à I República e ao Estado Novo, o trabalho mais relevante do autor diz respeito ao período monárquico. Apesar de existirem outras histórias do jornalismo português anteriores (em especial a de Cunha, 1941a – que historiografa a imprensa portuguesa até ao vintismo), nenhuma atingiu o detalhe nem o nível de interpretação e contextualização do tema evidenciados por José Tengarrinha.
O livro de Tengarrinha não é um inventário de jornais, opção que o autor recusa desde o início: “Houve especial preocupação em não cair na enumeração excessivamente longa de periódicos (...), que parece ser (...) característica dominante dos trabalhos até agora efectuados” (Tengarrinha, 1965: 24). Assim, o autor, embora dando sempre as necessárias referências hemerográficas e autorais (mencionando, nomeadamente, o nome de vários jornalistas e outros intervenientes no processo jornalístico), tentou contextualizar a génese e desenvolvimento do jornalismo português em função das circunstâncias históricas (culturais, económicas, tecnológicas...) de cada época, merecendo-lhe particular atenção os mecanismos de controlo da imprensa, nomeadamente a censura e o licenciamento, que, no seu juízo, quando aplicados, retardaram não apenas o desenvolvimento do jornalismo nacional mas também o do próprio país:
“Os jornais tornam-se uma máquina cada vez mais complexa. Em contraste com a relativa facilidade com que dantes se fundava um jornal, exigem-se agora, além de outras condições, pesados investimentos de capitais, cujos interesses, depois, é necessário defender. Esta circunstância e os obstáculos de ordem legal (...) (entre os quais avultam a censura prévia, as dificuldades na obtenção de alvarás e o rigor no reconhecimento da “idoneidade intelectual e moral dos responsáveis pela publicação”) e reduzem a liberdade de movimentos da nossa imprensa actual a limites muito estreitos.
Vemos, assim, como a compressão ou a libertação da imprensa é determinada por factores profundos, acompanhando a compreensão ou a libertação da actividade humana nas suas diversas manifestações. E vemos, também, como a evolução do jornalismo se enquadra num amplo conjunto de circunstâncias que, por um lado, o determina e sobre o qual, por outro lado, ele age. A não ser que se queiram fazer meras resenhas jornalísticas ou colecções de factos anedóticos, a história da imprensa portuguesa não poderá ser observada como um fenómeno isolado e sui generis, mas como um dos aspectos – porventura um dos aspectos mais vivos e expressivos – da história da nossa cultura.” (Tengarrinha, 1965: 248)
Tengarrinha divide a história da imprensa portuguesa em três épocas: 1) Os primórdios da imprensa periódica em Portugal (até cerca de 1820); 2) A imprensa romântica ou de opinião (1820 em diante); 3) A organização industrial da imprensa, marcada pela fundação do Diário de Notícias (1865; 1864 caso se considerem os números experimentais).
Sobre a primeira época, o autor relembra que, considerando a periodicidade uma das marcas do jornalismo impresso, então a primeira publicação jornalística portuguesa é a Gazeta”da Restauração”, que propagandeava a causa independentista portuguesa e tinha um carácter noticioso. Diz que as técnicas jornalísticas eram rudimentares e que os autores escreviam, frequentemente, baseados nas crenças, rumores e boatos e não verificavam as informações. Realça que a censura e o licenciamento constituíram travões ao desenvolvimento do jornalismo português. No entanto, descreve a diversificação do panorama jornalístico nacional graças ao aparecimento de publicações literárias, científicas e de ideias no século XVIII, bem como o aparecimento dos primeiros diários, no final dessa primeira época. Evoca, também, a imprensa da primeira emigração, que chegou a circular clandestinamente no país, e a imprensa clandestina autóctone, quer durante as invasões francesas, quer durante o período anterior à Revolução Liberal de 1820.
A segunda época é a do aparecimento e crescimento da imprensa política, permitida pela Revolução Liberal de 1820, acontecimento que fez disparar o ritmo da publicação de periódicos por todo o Portugal. Classicamente, o autor relembra, porém, os constrangimentos à imprensa durante o período miguelista e a emigração liberal, que induziu à publicação de jornais portugueses no estrangeiro. Estes, recorda José Manuel Tengarrinha, entravam e circulavam clandestinamente em Portugal.
As lutas entre cartistas e setembristas durante o período de instabilidade e os constrangimentos à imprensa que daí advieram até à Regeneração e ao Rotativismo também são motivos de reflexão do autor.
A organização do jornal e a situação do jornalista no jornalismo oitocentista também não passam despercebidas a esse historiador da imprensa portuguesa, que as descreve assim:
“(...) um jornal de certa importância era, em geral, constituído por um editor (responsável perante as autoridades), por um redactor-responsável (ou chefe da redacção), por um ou dois noticiaristas encarregados da tradução das folhas estrangeiras e da informação nacional (...) e um folhetinista (...). Uma secção que toma então grande desenvolvimento é a de «cartas ao redactor», através da qual se estabelece uma comunicação íntima e constante entre o jornal e o leitor.
(...)
O chefe da redacção era o verdadeiro espírito e a alma da publicação. O jornal, geralmente, era um homem, mais até do que um partido. (...) Sendo o jornal todo, neles se concentravam não apenas as funções de redacção, mas também (...) as de direcção e administração. (...) Além dos elementos da redacção, o jornal contava com colaboradores eventuais, mais ou menos identificados com a linha política do jornal.” (Tengarrinha, 1965: 153-154)
Ortodoxamente, Tengarrinha refere, ainda, as restrições à liberdade de imprensa do final da Monarquia, sem se esquecer de abordar o aparecimento da imprensa ilustrada, o surgimento da imprensa operária e revolucionária, a evolução da tipografia e a introdução das rotativas, os movimentos reivindicativos dos tipógrafos, as formas de distribuição dos jornais nessa altura (por correio, por caminho-de-ferro, por assinaturas e através dos ardinas) e a sua influência na opinião pública. Sobre esta última temática, escreve Tengarrinha (1965: 174-177):
“(...) qual seria, efectivamente, o grau de influência dos jornais na opinião pública? Eis-nos colocados, assim, no vórtice de um dos mais delicados e complexos problemas que levanta a história da nossa imprensa.
(...)
É claro que a questão não pode ser observada por grosso, e esse grau de influência varia, sem dúvida, de época para época, de acordo com as suas condições específicas e numerosos factores. Tão importante problema só poderá ficar esclarecido depois de se efectuarem bem orientadas sondagens e prospecções que nos elucidem sobre os pontos de contacto profundo entre as doutrinas dos periódicos e a atitude mental e linha política dominante nos diversos estratos sociais.
Do que não resta dúvida, porém, é que foi nesta 2ª época que o jornalismo exerceu mais vincada influência na opinião pública. O âmbito dos leitores alargou-se (...) não apenas às camadas da burguesia, mas até à pequena burguesia, especialmente depois de 1836.
Referindo-se ao peso da imprensa, diz Júlio César Machado, em Lisboa de Ontem (p. 212) (...): «Entendiam uns que, como princípio, a imprensa não tinha direito algum senão o que se lhe concedesse e que os jornalistas usurpavam e exerciam sem mandato um poder exorbitante que fazia com que, pelo facto de ser imprensa, tivesse mais peso nos negócios políticos do que as deliberações das câmaras.»
Os jornais, então, eram como que o centro da vida política e social. Por eles se liam os debates nas câmaras, se conheciam as disposições oficiais, se discutiam as directrizes do partido ou da facção expressas nos artigos de fundo, se sabiam os principais acontecimentos (...), se adquiriam conhecimentos (...), se dispunha de um meio de distracção e divertimento. Essa influência é tanto mais evidente quanto é certo que os leitores se agrupavam em torno dos jornais com que se identificavam ideologicamente, sendo de admitir, portanto, que as opiniões expostas (...) fossem reforçar ou corrigir as suas ideias.
(...)
Também não devem ser esquecidos alguns periódicos humorísticos de conteúdo político que, por esse tempo, alcançaram notável projecção. O facto de serem lidos com avidez (...) prova (...) [que] correspondiam (...) ao gosto do público.
(...)
Não há dúvida, portanto, de que a imprensa teve papel preponderante na formação [da] (...) opinião pública (...). Mas neste ponto da questão não podemos esquecer a esclarecida afirmação de R. Manevy: «A imprensa faz a opinião (...) na medida em que esta se quer deixar fazer» (...).”
O autor evoca, igualmente, ao longo das páginas dedicadas à segunda época do jornalismo português, os grandes nomes de políticos e escritores que se viam a si mesmos como jornalistas e que colaboraram, como folhetinistas e redactores (articulistas), nessa que Tengarrinha denomina de “imprensa romântica”. Tengarrinha (1965: 155) sustenta, no entanto, que se vai dando uma autonomização do jornalismo face à literatura:
“Pode dizer-se que, então [a partir de 1834], todos os grandes nomes das nossas letras e do nosso pensamento colaboravam assiduamente na imprensa periódica (...). Isso faz que o nível geral do jornalismo suba consideravelmente e os periódicos (...) sejam redigidos correctamente e num estilo cada vez mais individualizado.
É a partir dessa altura que se poderá dizer haver grande diferença entre estilo literário e estilo jornalístico (...). O que começa a caracterizar o estilo jornalístico[6] é a sua maior agilidade e vibração, a construção fácil, permitindo uma leitura corrente (...), visando um maior poder de comunicabilidade, o sentido agudo da oportunidade, que, não raro, sacrifica a perfeição à rapidez, um estilo mais emocional que raciocinado; por outro lado, a análise não tem a preocupação de ser profundamente exaustiva (...) mas sim de mostrar várias facetas (...) utilizando não o raciocínio lento e pesado, mas o raciocínio agudo e ágil”.
A terceira época, de industrialização da imprensa, de acordo com Tengarrinha, faz esmorecer a imprensa opinativa e promove a imprensa informativa, o noticiário, a reportagem e, consequentemente, a figura do repórter.
“Esta preferência que o público mais largo manifesta pela informação objectiva (e não pela opinião), e até pelo pendor sensacionalista que a informação começa a tomar, só pode compreender-se por uma nova atitude mental da pequena e média burguesia (...) especialmente permeável aos relatos de aventuras ou de histórias de amor, como que buscando uma fuga emocional à estreita rotina do dia a dia.
(...)
Prefere-se cada vez mais a informação objectiva à discussão e à opinião, as notícias sensacionais aos editoriais reflectidos (...). Na necessidade de encontrar um público mais largo, o jornal procura manter uma atitude imparcialmente objectiva, dirigindo-se assim a todos, e não a um mercado específico de leitores ideologicamente afins, mas necessariamente muito mais restrito.
(...)
Nesse período, portanto, os jornais não ficam apenas reservados à classe relativamente pouco numerosa de eleitores censitários, mas pretendem dirigir-se a todos os que sabem ler, cujo número vai crescendo gradualmente. Embora sem esquecer a camada mais instruída, que forma (...) o grosso dos assinantes, dirige-se assim ao novo público, menos abastado e instruído, com gostos menos exigentes e requintados.” (Tengarrinha, 1965: 194)
Que influência passa, então, o jornal informativo a exercer sobre o público nesta terceira época da imprensa periódica portuguesa? José Manuel Tengarrinha (1965: 194-196) tenta responder à questão, embora numa perspectiva extremamente negativa:
“(...) não distribuindo senão uma informação fragmentária, superficial e sem continuidade, a imprensa (...) noticiosa, se é certo que pode esclarecer o leitor acerca de determinado acontecimento, não o ajuda a formar uma posição crítica em face dele. Atendo-se a dados meramente objectivos, não se identifica com o pensamento do leitor nem pretende, pelo menos aparentemente, exercer qualquer influência sobre ele. (...) Agora, as relações entre jornal e leitor são frágeis (...). É chocante verificar o carácter efémero das alterações de opinião provocadas pela imprensa periódica. Segundo um fenómeno que tem vindo a acentuar-se, o jornalismo pode obter resultados notáveis (...), mas não parece apto a orientar a opinião de maneira durável (...). Uma parte considerável dos leitores de jornais de grande tiragem não só não se identificam com a sua posição como até são contrários a ela. Foi esta observação que levou o jornalista Francis William a uma interessante inferência (...): «Quanto maior é a tiragem de um jornal tanto menos sensível aparece a sua influência sobre o leitor.»
O jornal agora é que tem de procurar o público, descer ao seu nível, adivinhar-lhe os gostos e apetites (...), ir ao encontro da sua mentalidade. Perde assim completamente o seu valor formativo. Com efeito, na medida em que os jornais deixavam de apoiar-se em facções políticas para serem mantidos por grupos financeiros, a imprensa transformou-se numa indústria (...). O jornal passa a ser, portanto, uma mercadoria (...) transitória, apenas com valor durante algumas horas.”
A transformação industrial da imprensa, recorda Tengarrinha, trouxe modificações nas redacções. Por um lado, a chefia de redacção passa a ter mais funções de coordenação e supervisão do que de redacção. O secretário de redacção torna-se fulcral para a organização diária do trabalho, numa redacção que pode comportar dezenas de jornalistas. O novo jornalista assalariado da imprensa industrial pode, eventualmente, não se identificar “ideologicamente com o que escreve (...), é apenas o operário de uma mercadoria que é necessário vender o mais possível e com a qual não está ligado nem pelas ideias nem pelos interesses, pois não participa nos lucros e recebe um salário fixo que lhe permite viver exclusivamente dessa actividade.” (Tengarrinha, 1965: 208)
Apesar de tudo, e tal e qual como surgiram jornais noticiosos em plena época de domínio da imprensa partidária, no final da Monarquia, numa época de crescente domínio da imprensa informativa, apareceu, diz Tengarrinha, uma imprensa combativa revolucionária, de cariz republicano, por um lado, ou de cariz anarquista ou socialista, por outro. Aliás, o autor não se esquece de referir, também, os jornais da oposição monárquica durante a República (até ao Estado Novo). Neste ponto do seu livro, Tengarrinha relembra as sucessivas tentativas de controlo da imprensa, que tentavam pôr cobro às dissidências jornalísticas.
3. O jornalismo, os jornalistas e as suas circunstâncias
Variadíssimos textos sobre o jornalismo, os jornalistas e a conjuntura jornalística contribuem para o apuramento da forma como se encarou a actividade entre 1958 e 1974 em Portugal. Foram publicados, por exemplo, catálogos hemerográficos de periódicos (médicos) em circulação (Filho, 1965...), publicações descritivas de jornais preparadas para exposições ou para servirem de suplemento a determinados números comemorativos (Diário Popular, 1962...) e mesmo um livro sobre uma intervenção na gestão e nos conteúdos de um periódico para o salvar da falência e extinção (Matos e Lemos, 1973).
As biografias, memórias e colectâneas de textos de jornalistas, por sua vez, dão pistas para a compreensão do que se entendeu por “jornalismo” e por “jornalista” ao longo dos tempos, para a percepção dos valores profissionais e dos temas que foram sendo discutidos no seio da classe e para o entendimento das rotinas produtivas em cada época histórica. De uma forma geral, pode dizer-se que alguns textos elogiam as competências literárias e a capacidade retórica e persuasiva dos polemistas e políticos que por escreverem em jornais ou por os manterem se intitulavam jornalistas (por exemplo: Daciano, 1958; Pereira, 1960); algumas memórias de jornalistas, por seu turno, acentuavam o seu espírito boémio e mundano, aventureiro e improvisador (o célebre “desenrascanço” português), mas também solidário, dos repórteres (por exemplo: Vieira, 1960); mas o mais importante é que, entre 1958 e 1974, começaram a surgir textos que acentuam o profissionalismo jornalístico (ver, por exemplo, os argumentos para o ensino superior do jornalismo usados no projecto do Sindicato Nacional dos Jornalistas, 1971c).
Embora vários valores profissionais sejam constantemente referidos em todas as épocas históricas (em especial, o apego à verdade, à liberdade e a integridade), observa-se, nos livros atrás referenciados, uma evolução no conceito paradigmático de jornalista que acompanha a marcha dos tempos: em termos simples, o polemista e literato dá lugar ao repórter boémio e este dá lugar ao jornalista profissional. Do mesmo modo, acompanhando um lento mas constante processo de profissionalização dos jornalistas portugueses (ver: Sobreira, 2003; Correia e Baptista, 2006; 2010), transparece dos livros uma mudança na concepção do jornalismo. Se primeiro o jornalismo é visto predominantemente como uma ocupação de “escritores de jornal” e polemistas, que usam as suas capacidades retóricas “inatas” para persuadir um reduzido número de leitores e que, frequentemente, nem sequer auferem qualquer remuneração, progressivamente passa a ser visto como profissão informativa, remunerada, auto-regulada por uma deontologia própria onde se espelham os valores profissionais, com competências profissionais específicas (como o domínio das técnicas da notícia, da entrevista e da reportagem em imprensa, rádio, televisão e cinema) que podem ser ensinadas e aprendidas (o jornalismo como arte liberal).
Numa outra dimensão encontram-se os trabalhos de índole mais académica sobre os pioneiros do jornalismo português. Heitor Martins (1964), por exemplo, biografou Manuel de Galhegos, a quem foi licenciada a edição dos primeiros números da Gazeta “da Restauração”; João Alves das Neves (1969) fala de Pêro Vaz de Caminha como repórter, pois considera a Carta que este cronista escreveu ao Rei de Portugal narrando o descobrimento do Brasil como uma verdadeira reportagem.
3.1 O ensino do jornalismo em questão
A reflexão produzida especificamente sobre o ensino do jornalismo, embora de pequena monta, é outra das facetas da teorização sobre jornalismo em Portugal entre 1958 e 1974. Ela circunscreve-se a duas grandes questões:
1) O jornalismo pode aprender-se? (Um jornalista “faz-se” ou “nasce feito”?)
2) Faz sentido fundarem-se escolas de jornalismo? A serem fundadas, que tipo de escolas deverão e que tipo de cursos deverão possuir?
Um autor que discorda da necessidade de ensino do jornalismo é Marques Gastão (1959). Em A Nobre Condição do Jornalista Diante da Literatura, ele expressa a sua convicção de que os jornalistas comuns, mesmo quando ensinados, não chegam a ser autênticos, pois estes últimos teriam qualidades que os jornalistas comuns não possuem. O autor recorda Pulitzer, que defendia o ensino universitário do jornalismo mas que se questionava sobre se todas as condições necessárias para se ser jornalista podiam ser aprendidas, visto que várias delas tinham de ser qualidades intrínsecas. “O jornalismo não é uma profissão que se aprende como as outras profissões, pois é preciso improvisar, arrojo e audácia”, escreve Marques Gastão. Para o autor, o jornalista não pode ser uma pessoa indiferente ao que se passa à sua volta, “tem de ser dinâmico, extrovertido e apaixonado pelo que faz”. Desta forma, “não se faz um jornalista como se faz um engenheiro ou doutor”. Por isso, o autor questiona: “se o jornalista autêntico tiver todos os requisitos de Pulitzer, para que precisa do ensino?” Marques Gastão relembra, igualmente, que há jornalistas que marcaram o seu lugar no mundo jornalístico sem o ensino universitário. Convictamente, diz que aqueles que estudam e desde cedo não mostram qualquer valor intrínseco para a profissão, irão falhar no futuro. Para o autor, apesar de existirem escolas de jornalismo na América e na Europa, o ensino não passa de um série de exercícios de redacção, faltando muita prática a quem delas sai formado.
Não é de excluir que por trás das posições hiper-conservadoras e de resistência à mudança evidenciadas por autores como Gastão estivesse um certo receio dos jornalistas “instalados” e “feitos” nas redacções à hipótese destas serem “invadidas” por jornalistas formados em escolas específicas ou mesmo em universidades. Mário Matos e Lemos (1964: 28-32 e 39), por exemplo, acusou os jornalistas da “velha guarda” de não quererem uma escola superior de jornalismo por estarem presos “às antigas concepções jornalísticas” e não terem qualquer preparação teórica que lhes permitisse “acompanhar o progresso”. Para ele, era “praticamente impossível explicar a muitos dos velhos profissionais que se nasce tanto jornalista como médico ou advogado. A prática é indispensável, mas o conhecimento teórico é, pelo menos, tão indispensável como aquele.” (Matos e Lemos, 1964: 28) Mário Matos e Lemos, aliás, era extremamente crítico para com os padrões de recrutamento de então, que privilegiavam quem “não quis ou não pode acabar o curso dos liceus ou superior. Surgem, assim, nas redacções um bom número de falhados que enveredam pelo jornalismo porque não sabem fazer mais nada do que escrever, geralmente em mau português, e mais nada.” (Matos e Lemos, 1964: 28) Este último ponto é relevante, pois os autores portugueses que reflectem sobre o ensino do jornalismo, mesmo quando admitem a existência de escolas e jornalismo, também manifestam dúvidas sobre os tipos de escola a fundar, os tipos de cursos a criar, em função dos possíveis destinatários e, em particular, sobre se o ensino do jornalismo deveria ter lugar nas universidades.
Mário Matos e Lemos (1964: 28-32) aborda, igualmente, um outro ponto correlacionado com o ensino do jornalismo. Para ele, seria quase uma perda de tempo mudar a legislação sobre a liberdade de imprensa em Portugal para a adequar ao princípio da responsabilidade social próprio das democracias ocidentais sem se alterar o regime de acesso ao exercício do jornalismo, o que começaria pela institucionalização de cursos superiores para a formação de jornalistas de quatro ou cinco anos de duração e coroados por um estágio, à semelhança do que acontecia em “todos os países do mundo civilizado”.
“A excepção que Portugal constitui – e qualquer reforma da imprensa que se faça deverá começar por aqui – é paga por um nível cada vez mais baixo nas redacções dos jornais. A velha guarda, naturalmente, presa às antigas concepções – a nenhuma preparação teórica impede-lhes, quase sempre, acompanhar o progresso; os novos, incapazes de apresentarem ideias estruturadas. Entre uns e outros, uns tantos novos, conscientes, debatendo-se, uns quantos veteranos já indiferentes. E cada vez menos os tempos permitem amadores seja onde for, portanto também não no jornalismo.” (Matos e Lemos, 1964: 29-30)
Costa Carvalho (1971: 8-10) afirma, por seu turno, que o jornalista “não se faz (...), nasce (...) para ser feito”, pelo que defende a institucionalização do ensino do jornalismo, certo de que se a escola não faz tudo, pelo menos completa e orienta. Mais, para ele “o diletantismo e o autodidactismo” já tiveram a sua época. Diz ele:
“não é raro que o jornalista adventício tenha de suportar, quando movido pelo esforço de valorização profissional, através do estudo sistemático, os motejos dos veteranos que, quantas vezes só na tarimba, chegam à tal “predestinação” de que se proclamam bafejados ab ovo e cujos favores entendem não ser de alcançar enveredando pela qualidade e quantidade das habilitações literárias.”
Costa Carvalho manifesta-se, também, bastante crítico para com as políticas de recrutamento dos jornalistas praticado pelas empresas portuguesas, que “descobrem os valores, recrutados ao acaso e com total confiança nos desígnios da Providência ou dos pedidos de intermediários das relações” (Costa Carvalho, 1971: 10).
A discussão sobre a criação, ou não, de escolas e cursos de jornalismo em Portugal foi animada por uma espécie de curso livre de jornalismo organizado pelo Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, em que vários palestrantes, numa série de conferências, abordaram os seguintes temas: “Técnicas de Edição e Preparação de jornais” (Pedro Correia Martins, director de A Voz), “Órgãos de Opinião e Órgãos de Informação” (Prof. Dr. Jacinto Ferreira, director de O Debate), “Ética e Responsabilidade no Jornalismo” (Barradas de Oliveira, director do Diário da Manhã), “Tendências Actuais da Imprensa” (João Coito, jornalista do Diário de Notícias), “A Imprensa Científica” (Doutor Almerindo Lessa, director da Semana Médica), “Responsabilidade do Jornalismo Infantil” (Adolfo Simões Müller, director dos jornais infantis Zorro e João Ratão), “Métodos e Problemas do Jornalismo Desportivo” (Trabucho Alexandre, chefe de redacção do Diário Ilustrado), “Técnicas do Jornalismo Falado” (Silva Dias, director de programas da Emissora Nacional), “Algumas Considerações sobre o Regime Jurídico da Imprensa” (Monsenhor António Avelino Gonçalves, director do Novidades) e “O Jornalismo e os Modernos Meios Audiovisuais” (Barradas da Silva, director-geral da RTP). Os textos das palestras foram, posteriormente, reunidas num livro, editado, em 1963, pela Junta de Investigações do Ultramar/Centro de Estudos Políticos e Sociais, intitulado sugestivamente Curso de Jornalismo. Nele se verifica que logo o primeiro conferencista fugiu ao tema. Em vez de abordar a edição de jornais, falou da sua vida de jornalista, argumentando que não tinha tido tempo de preparar a conferência. E assim decorreu esse pioneiro “curso de jornalismo” em Portugal, cujos textos serão dissecados adiante.
Em 1964, Mário Matos Lemos, no já referido ensaio sobre liberdade de imprensa, defendia a criação de uma escola universitária de jornalismo, com um curso de quatro ou cinco anos que culminasse num estágio profissional, devendo o número de vagas depender das necessidades do mercado. Dois anos depois, o Diário Popular organizou, com bastante sucesso, um pequeno curso de jornalismo nas suas instalações[7]. Este foi seguido, em 1968, pelo curso de jornalismo do Sindicato Nacional de Jornalistas[8], frequentado por cerca de 385 interessados[9], entre os quais cerca de 200 jornalistas sindicalizados que queriam melhorar a sua formação, e vários alunos por correspondência. Ainda assim, nenhum curso superior com reconhecimento oficial especificamente denominado como sendo de Jornalismo veria a luz do dia em Portugal até à criação da licenciatura em Jornalismo da Universidade de Coimbra, em 1993, apesar do Sindicato Nacional dos Jornalistas (1971c) ter submetido ao ministro da Educação, em 1971, o Projecto de Ensino de Jornalismo em Portugal, delineado por uma comissão constituída por jornalistas[10], alguns deles com formação superior em jornalismo obtida no estrangeiro, no qual se previa a fundação de um curso de Ciências da Informação, com dois níveis (três anos para bacharelato, cinco para licenciatura) que formasse jornalistas multimédia (de jornal, rádio, televisão e cinema) num estabelecimento de ensino específico, cuja denominação proposta era Instituto Superior de Ciências da Informação. Seria, identicamente, possível conferir o grau de doutor em Ciências da Informação.
O projecto admitia que o curso tivesse três domínios: ciências da informação; técnica da informação (as disciplinas desta área seriam leccionadas em laboratórios de imprensa, fotografia, rádio, televisão e cinema); e cultura para a informação. Nada diferente, portanto, da generalidade dos cursos de Jornalismo e Ciências da Comunicação actuais. No projecto, explicava-se que o ensino superior do jornalismo nas universidades lhe daria as mesmas garantias e que já beneficiariam outras profissões intelectuais, até porque “o jornalismo supõe um conhecimento profundo das ciências e técnicas de informação, o que implica (...) uma aprendizagem” (SNJ, 1971c: 9).
No mesmo ano em que o Sindicato apresentou o seu projecto, foi instituída a já Escola Superior de Meios de Comunicação Social, que oferecia, entre outros, um curso de Jornalismo. Porém, a escola seria extinta após a Revolução.
Pode dizer-se, pois, que a reflexão sobre o ensino do jornalismo produzida em Portugal acompanhou não só o processo de gradual profissionalização dos jornalistas como também a tendência de se considerar o jornalismo uma profissão técnica passível de ser ensinada, como outras profissões liberais, e um objecto científico, com fronteiras determinadas, teoria e metodologias próprias, embora estas últimas geralmente importadas, com adaptações, das ciências sociais e humanas.
4. Teoria do jornalismo
Pode dizer-se que vários autores portugueses teorizaram o jornalismo desde diferentes perspectivas. Fraga (1958), por exemplo, debruçou-se sobre as relações entre jornalismo, história e pensamento; Lechner (1971) sobre o boato; Silva Dias (1968) e Beckert d’Assumpção (1970) sobre rádio e jornalismo de rádio; Lúpi (1958) reflectiu sobre os meios de comunicação social e a defesa do regime. Num tom diferente, Nuno Rosado (1966: 121), relembrando as pesquisas de Jacques Kayser, sustenta que o jornalismo influencia o processo de instrução, alimenta debates e intensifica as polémicas.
Por seu turno, Fidelino de Figueiredo (1957: 204), ao referir-se às relações entre história, jornalismo e sociedade, explica que “A paz entre os homens e os povos começa nas aulas de história e nas redacções das agências noticiosas, das emissoras e dos jornais diários”. Beckert d’Assumpção (1971) vai além da história e pretende que no jornalismo se estudem as configurações do futuro.
Gustavo de Fraga (1958) reflecte, genericamente, sobre a performatividade jornalística, assente no domínio das técnicas de informação. Diz ainda que os meios de comunicação “constituem diariamente a teia intersubjectiva da consciência da época”, pelo que “o jornalista é um dos mais categorizados e responsáveis funcionários da humanidade”. Ora, como “o jornalismo será sempre, em grande parte, o que for o jornalista, dependerá em parte essencial da sua maturidade cultural e do seu escrúpulo e sentido de responsabilidade” (Fraga, 1958: 15), então o autor sugere que as responsabilidades cometidas ao jornalista tenham equivalente na formação que lhe é exigida, o que naturalmente significa uma formação superior. Qual é, então, a função do jornalista? É despertar as consciências individuais: “Quer actue na rádio quer na imprensa, sob limitações legais determinadas e sob condições técnicas que limitam e impõem certas formas de expressão, ele está na vanguarda de todos os que mantêm despertas as possibilidades de reacção do humano disperso na massa, se tomar consciência (...) da missão a que é chamado” (Fraga, 1958: 14)
Já sobre radiojornalismo, Beckert d’Assumpção (1970: 37), pretende que a rádio “como transportadora técnica de informações, ao mesmo tempo que cria uniformidades por um lado vai, pelo outro, abrindo mais as brechas da diversidade”. O autor exige, ainda, um maior controlo sobre a ética do radiojornalismo, pois considera que a rádio é um “poderosíssimo meio” de formação de opinião, pois encontra-se “mais perto da comunicação cara-a-cara, de homem para homem, com a preferência de ser omnidireccional, com a vantagem, por vezes, de ser anónima, impessoal, uma voz não deste nem daquele, mas que (...) actua (...) como a voz da consciência” (Beckert d’Assumpção, 1970: 40).
De qualquer modo, pode dizer-se que os livros sobre teoria do jornalismo em geral, em Portugal, tendem a ser desenvolvimentos da crítica ao jornalismo feita no século XIX e assumem, predominantemente, cinco dimensões, como veremos:
1) O estabelecimento do território do jornalismo, da natureza, funções e papéis sociais da actividade, das suas transformações e dos seus principais agentes, os jornalistas;
2) A intenção de moralização e dignificação das práticas profissionais e da própria profissão (para uns) ou ocupação (para outros) dos jornalistas;
3) A crítica aos media;
4) A perspectivação da influência do jornalismo na sociedade;
5) As técnicas e a expressão jornalísticas.
É de referir que de uma teorização de natureza meramente intuitiva, se passará, progressivamente, a uma teorização de natureza mais sociológica, em que são visíveis várias influências estrangeiras, até pela diversidade de fontes citadas.
4.1 O território do jornalismo e os jornalistas
São muitas as descrições sobre o território do jornalismo e dos jornalistas na produção intelectual portuguesa. Talvez a mais interessante dessas descrições seja a do filósofo Gustavo de Fraga (1958: 15): “Mundo de aventura e de novidade que o é, o jornalismo é transmissão e recriação por um meio próprio de expressão”.
Nuno Rosado (1966: 11-13) caracteriza a imprensa como um meio público de difusão de informações. Também chama a atenção para as funções da imprensa, já que considera ser principais deveres do jornalismo “informar com verdade” e, através dos conteúdos opinativos, “esclarecer (...) para orientar”. Para este último autor, é ainda missão da imprensa “exercer uma acção formativa” e moralizadora na sociedade. Rosado (1966: 18) aborda, em consequência, os critérios de noticiabilidade que devem presidir à selecção de notícias, que para ele são o interesse, a oportunidade e a existência de um conteúdo cultural ou moralizador e a actualidade. Sobre este último, Rosado (1966: 122) cita o jornalista Augusto de Castro:
“Actualidade – eis outra palavra que o jornalismo criou e que só o jornalismo explica. A actualidade é um fenómeno colectivo que apenas conheceram o último quartel do século último e o nosso século. O sincronismo da vida e de espírito, que a palavra actualidade exprime, provém do jornal, ou, melhor, da actualidade mental que a palavra jornalismo traduz.”
Para Rosado (1966: 18), porém, também há critérios selectivos relacionado com a elaboração da notícia: o nível literário do texto, ou seja, a sua qualidade intrínseca, mas também a clareza, a simplicidade, o realismo e a brevidade.
Apesar de o jornal sair para a rua todos os dias, conserva, para determinados autores, algo de mistério romântico (o que certamente atraiu para o jornalismo muitos jovens aos longo do tempo):
Uma concepção comum do jornalista nos autores portugueses, na sua luta pela dignificação e justificação da profissão, é a do jornalista paladino, espécie de cavaleiro andante. Alberto Bessa (1904: 26) escrevia, ainda nos alvores do século XX: “O jornalista deve sentir todas as dores, revoltar-se contra todas as injustiças, aplaudir todas as boas acções, opor-se a todas as vilezas (...), só deve ferir combates cuja vitória nobilite e enalteça o vencedor”.
O conceito mais vezes repetido pelos autores portugueses para caracterizar o verdadeiro jornalista é o do jornalista sacerdote. No entanto, Nuno Rosado (1966: 19-23), vê no jornalista um profissional, um repórter, frequentemente especializado, para poder comentar a notícia e orientar os leitores. A distinção entre a figura do repórter profissional e do “escritor de jornal” já é para esse autor, que escreve em 1966, um facto: “O jornalista não é, portanto, o dramaturgo que acidentalmente escreve um artigo, nem o político que de tempos a tempos publica um ensaio. O jornalista desempenha as suas funções quotidianamente, vivendo em pleno as missões de que é incumbido a fim de as poder transmitir, com o maior realismo e brevidade, ao público” (Rosado, 1966: 19). Nuno Rosado (1966: 21-22) pretende, ainda, que uma das principais qualidades do jornalista é o espírito da conquista da notícia, por outras palavras, a capacidade de usar os mais diversos expedientes para obter informações exclusivas em primeira-mão, batendo a concorrência, juízo que, conforme já se observou, é compartilhado pela generalidade dos jornalistas que legaram à posteridade as suas memórias profissionais.
Embora por outras palavras, também Gustavo de Fraga (1958: 5) coloca ênfase no jornalista como selector: “O redactor tem de encontrar a sua coordenada exacta, porque ele pode exercer uma acção permanente sobre a essência do serviço que lhe é entregue, descobrindo a perspectiva objectiva, seleccionando, dando ou evitando notas emocionais e pessoais, servindo ou não interesses e paixões, descobrindo o acidental e o transitório. O repórter pode ou não dominar o acontecimento, vivê-lo tomando, ou não, partido.”
4.2 Moralização e dignificação do jornalismo e dos jornalistas: ética e deontologia
São várias as considerações dos autores portugueses sobre os jornalistas e o jornalismo que enaltecem ou criticam a actividade e os seus agentes com fins de moralização e dignificação da actividade. Essas considerações desembocam, portanto, em grande medida, no campo da ética e da deontologia.
Nuno Rosado (1966: 16-17) é um dos autores que põe a tónica da acção jornalística no respeito pelos valores profissionais atrás referidos e ainda na honestidade, mas acrescenta às funções da imprensa uma acção moralizante:
“A verdade contida em certa notícia deve ser exposta não só com clareza e simplicidade mas também com honestidade (...) A independência que revela no exercício da sua missão mede-se pelos conceitos valorativos que utiliza tendo por ponto de referência os princípios da ética e os superiores interesses da colectividade. A imprensa tem, sobretudo na sua função orientadora, uma função cultural e moralizadora.”
Nuno Rosado (1966: 11-13) explicita, em acréscimo, que “Se a informação for deturpada, o leitor tende a perder a confiança; se os critérios [de noticiabilidade] (...) pecam por ausência de fundamentos, por inconsciência ou má fé, surge a desorientação.” Esse autor é particularmente crítico para com a propagação da mentira e do boato através dos meios jornalísticos e para com o sensacionalismo, que apenas aproveitaria, na sua versão, a “minoria de leitores apreciadora dos escândalos”. Por isso, embora não o diga claramente, o autor procura justificar a censura à imprensa exercida pelas autoridades civis e religiosas.
4.3 A crítica aos media
Entre outras perspectivas já delineadas, a produção intelectual portuguesa sobre jornalismo abordou com grande relevo a pretensa perda de independência dos meios de comunicação social e dos jornalistas pela sua ligação a grupos económicos (Tengarrinha, 1965: 194-196). Nuno Rosado (1966: 90), por exemplo, sustenta que “Os altos interesses financeiros de determinados grupos, detentores (...) de jornais e de outros órgãos de informação, nem sempre se curvaram perante as realidades. Quer dizer: Uma grande parte da imprensa (...) tende a comercializar-se, isto é, em vez de informar objectivamente vende notícias”.
Num registo diferente, João Arnaldo Maia (1974) acusa os meios jornalísticos de então de serem dominados por uma “minoria dominante” sendo usados como uma “arma ao serviço do Governo para envenenar a opinião pública”. O autor exigia, assim, que na eventualidade do regresso à democracia no país se instituísse uma política de controlo democrático dos meios de informação e que um futuro Governo democraticamente eleito viesse a apoiar financeiramente os meios de partidos políticos e sindicatos. Também Miller Guerra (1971) denuncia os alegados perigos da concentração das empresas jornalísticas, pois, de acordo com o autor, os monopólios jornalísticos potenciam a uniformização, a banalização e a mercantilização dos conteúdos informativos, que passam a estar sujeitos às leis do mercado. “O objecto próprio (...) da imprensa que consiste (...) em informar, educar e distrair, decai ou degenera numa espécie de mercadoria em que o divertimento constitui a preocupação principal. As consequências (...) são desastrosas para a cultura dum povo” e para o exercício da crítica, afirma Miller Guerra (1971: 78).
Um outro alvo das críticas dos teóricos portugueses ao jornalismo é a vertiginosa velocidade da informação, que deixa pouco tempo à reflexão, mas também aumenta o poder dos jornais, que ditam a actualidade: “Hoje é-se célebre em vinte e quatro horas”, dizia Augusto de Castro (cit. in Rosado, 1966: 122).
4.4 As técnicas e a expressão jornalísticas
Não foram muitos os livros sobre técnicas jornalísticas publicados em Portugal, por autores portugueses, entre 1958 e 1974. Paradoxalmente, dizem respeito à rádio (Curado Ribeiro, 1964) e à televisão (Caio, 1966), então relativamente recentes no país, e não à multissecular imprensa. Nenhum deles é exclusivamente um livro sobre técnicas jornalísticas, antes as abordam nos contextos mais vastos da produção de programas de rádio e de televisão, respectivamente.
Fernando Curado Ribeiro (1964: 125) demonstra perceber a individualidade do meio “rádio”: “A rádio-informação cumprirá melhor a sua missão se se alhear da ideia da existência de jornais. Deverá, pois, ter presente as características que o meio lhe impõe e utilizar as vantagens que lhe concede”. Como deve ser elaborada, então, a rádio-informação? Em primeiro lugar, o autor diz, e repete, que a voz é o principal instrumento do repórter de rádio e é na sua modulação que assenta o sucesso ou insucesso da locução. As notícias de rádio, prossegue o autor, devem ser redigidas de forma breve e clara e lidas com “boa voz” e “boa dicção”, em “tom neutro” e “íntimo”, evitando os momentos de silêncio, dizendo as coisas e não falando-as (Curado Ribeiro, 1964: 126-127). Além disso, a rádio deve aproveitar-se da sua velocidade para dar as notícias no momento dos acontecimentos ou mal se saiba das mesmas, embora o autor advirta, igualmente, que “a rapidez das informações é uma ameaça permanente à sua veracidade” (Curado Ribeiro, 1964: 126). Fernando Curado Ribeiro distingue, ainda, a reportagem em diferido da reportagem em directo. Para ele, o repórter de rádio deve treinar as suas técnicas de improvisação para o directo, tirando partido dos sons que possam servir de pano de fundo nos locais dos acontecimentos. Para as reportagens em diferido, que podem ser editadas, o repórter de rádio deve, segundo Curado Ribeiro, adestrar-se nas técnicas de edição (sobreposições e justaposições de som, uso de sons de diferente proveniência, como os sons ambiente, os sons de entrevista ou a música).
Horácio Caio (1966) fala dos tipos de imagem, das técnicas de edição de imagens (corte, encadeado e fusão) e dá os seguintes conselhos sobre a escrita de notícias para televisão:
“1º Despertar o interesse no trecho de abertura (...).
2ª Escrever para o ouvido, adoptar um modo coloquial de dizer. Evitar o emprego de lugares-comuns e escolher (...) palavras de fácil compreensão. Decompor a notícia em frases, cada uma delas com um ou dois factos importantes.
3º Escrever no tempo presente (...).
4º Ser objectivo (...).” (Caio, 1966: 66)
A propósito da entrevista, Horácio Caio regista que “a conversa deve ser directa (...). O entrevistador deve tomar o lugar do espectador e procurar que o entrevistado responda a perguntas que estes desejariam fazer”, evitando intimidades e fugas ao tema.
4.5 Gastão (1959): o jornalismo como um ramo da literatura
Em A Nobre Condição do Jornalista Perante a Literatura, Marques Gastão evidencia a forte competição que existe no jornalismo, de onde pode surgir o melhor, mas também o pior, criticando quer “a ânsia das novidades especulativas”, que provocam o aumento das tiragens, quer o industrialismo jornalístico, que se sobrepõe ao idealismo.
Passando, seguidamente, às relações entre jornalismo e literatura, tema que dá mote ao título da obra, Gastão defende que, no essencial, o jornalista precisa de ser capaz de expor ao leitor notícias de forma concisa, clara, veemente, pitoresca e exacta, para serem entendidas e compreendidas sem erros, mas, apesar de tudo, para ele a elaboração do enunciado jornalístico é um acto de criação. O autor cita mesmo o jornalista e escritor brasileiro António Olinto, que afirmava que o jornalismo tem tantas oportunidades como as outras artes para criar obras artísticas, pois a matéria-prima do trabalho do jornalista é a mesma que o poeta e o escritor usam – a palavra. É errado, portanto, dizer-se que o jornalista não pode ser um artista, até porque “nem todos os poetas escrevem poesia”. O jornalismo, para Marques Gastão, é mesmo, pelo menos em potência, uma espécie de literatura diária.
Marques Gastão considera que a única ingratidão para com o jornalista é a falta de permanência da notícia, pois esta, ao longo do tempo, tende a perder a sua força, pelo desvanecimento do seu carácter de novidade: “O que pode torturar o jornalista é a permanência. Ligado ao tempo que flui, à notícia que, um dia depois, é capaz de perder a força, sente-se preso ao imediato, à transitoriedade. É preciso, contudo, que ele compreenda o que é Notícia. No plano mais alto, notícia (...) é tudo o que insuflando-se nas palavras, busca uma comunicação”. Assim, o importante no trabalho jornalístico é, para o autor, que as notícias que um jornalista faz tenham algo de intemporal, para terem sempre a mesma força.
Para Gastão, a grande diferença entre a literatura diária e a literatura de sempre está na reacção do leitor. A literatura diária, própria do jornalismo, dá lugar a uma reacção imediata; a literatura de sempre gera a sedução da posteridade.
Apesar de tudo, Marques Gastão também acredita que as circunstâncias profissionais e os objectivos informativos dos meios jornalísticos limitam artisticamente o jornalista. Ainda assim, diagnostica que determinados jornalistas cultivam a técnica vocabular e um estilo próprio, enquanto outros não o fazem.
O autor cita, mais uma vez, Olinto, que afirmava que “os jornalistas, poetas e escritores colocam a sua arte num lugar pior que numa organização – ao serviço de uma ortodoxia”, mas, para uns e outros, o que importa é a permanência e importância da linguagem.
Marques Gastão defende, assim, em tese, que o trabalho de opinião elaborado por um jornalista pode ser elaborado com arte. Neste caso, o jornalista, enquanto homem com opinião, deve mostrar as coisas como são, mas também deve fazer as pessoas pensarem. Tanto o jornal como os romances são, na versão de Gastão, reflexões sobre a sociedade.
A reportagem, segundo Gastão, também permite a expressão jornalística com arte. A propósito, faz novo paralelo com a literatura. O autor socorre-se, neste ponto, mais uma vez, de Olinto, que no seu livro O Sentido da Reportagem explica que embora uma reportagem ou uma notícia façam reviver momentos do quotidiano, com sentido no imediato, uma obra literária pode também morrer com o tempo. Assim, para Gastão, um verdadeiro jornalista consegue fixar a notícia no tempo, tal como um escritor fixa a sua obra. Foi assim, naturalmente, que surgiram os livros de viagem elaborados por jornalistas, explica o autor.
Marques Gastão considera que o jornalista deve contemplar as situações e senti-las da mesma forma que as pessoas sentem. A partir daí, precisa de transformar essas sensações em palavras de uso diário. No entanto, seguindo as regras, não pode transpor para o seu texto as suas emoções, como o escritor faz, o que não o impede de redigir com arte. Aliás, para Marques Gastão nem todos os jornalistas estão viciados na rotina, pelo que as emoções, muitas vezes, aparecem mais sinceras e profundas no texto jornalístico do que num romance. Marques Gastão afirma, porém, que o jornalismo, para assumir uma forma mais literária, sujeita-se à descrição e narração, mas não pode fugir da realidade, ao contrário da ficção.
De acordo com as regras, o jornalista que escreve tenta colocar o leitor numa posição “visual” para compreender o acontecimento. Tem de questionar: “Que coisa aconteceu? Quem provocou a coisa acontecida? Onde foi? Porquê? Para quê?” São estas, segundo Gastão, citando Olinto, as perguntas que têm de ser respondidas na notícia. Uma obra literária não necessita, relembra Gastão, de responder a estas questões todas.
Para Marques Gastão, a reportagem é também um conto, recolhendo factos e pessoas, incidências boas ou más, para criar o seu próprio enredo, o que a torna próxima da literatura. Todas as reportagens são, para Gastão, contos que o jornalista escreve com dados actuais e factuais. O contorno literário e artístico na reportagem obtém-se, diz Gastão, através da utilização de uma linguagem pessoal pelo jornalista. Inclusivamente, o autor recorda que o hábito da reportagem contribuiu para muitos jornalistas escreverem livros.
Realçando pontos cruciais da teoria do jornalismo (relação entre jornalismo e realidade, valores, ética, pressão do tempo e do espaço, constrangimentos organizacionais, rotinas e “vícios profissionais”, adaptação ao público...), Marques Gastão conclui que devem acabar os preconceitos contra os jornais e os jornalistas capazes de redigirem com arte sem fugirem aos factos, pois “aqueles que negam ao jornalismo a classificação de Obra de Arte, eles que não são Escritores de Jornal” deveriam pensar nos casos de jornalistas-escritores como Jack London, Chersterton, Hemmingway e outros.
4.6 Um “curso de jornalismo”
Em 1963, foi organizado o livro Curso de Jornalismo, que reunia os textos de uma série de conferências realizadas no Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina (ISCSPU), da Universidade Técnica de Lisboa, eufemisticamente apelidadas, precisamente, de “curso de jornalismo”. Através da sua leitura, é possível perceber quais os elementos centrais da teorização do jornalismo para a comunidade académica portuguesa da altura e determinar quanto a conjuntura influenciou a orientação do curso.
Dez textos povoam o livro: “Técnicas de Edição e Preparação de jornais” (Pedro Correia Martins, director de A Voz), “Órgãos de Opinião e Órgãos de Informação” (Prof. Dr. Jacinto Ferreira, director de O Debate), “Ética e Responsabilidade no Jornalismo” (Barradas de Oliveira, director do Diário da Manhã), “Tendências Actuais da Imprensa” (João Coito, jornalista do Diário de Notícias), “A Imprensa Científica” (Doutor Almerindo Lessa, director da Semana Médica), “Responsabilidade do Jornalismo Infantil” (Adolfo Simões Müller, director dos jornais infantis Zorro e João Ratão), “Métodos e Problemas do Jornalismo Desportivo” (Trabucho Alexandre, chefe de redacção do Diário Ilustrado), “Técnicas do Jornalismo Falado” (Silva Dias, director de programas da Emissora Nacional), “Algumas Considerações sobre o Regime Jurídico da Imprensa” (Monsenhor António Avelino Gonçalves, director do Novidades) e “O Jornalismo e os Modernos Meios Audiovisuais” (Barradas da Silva, director-geral da RTP). Essa organização documenta, desde logo, a centralidade da imprensa escrita na sociedade portuguesa da época, pois apenas dois dos textos são dedicados ao jornalismo de rádio e de televisão. Afinal, tal como já fizemos referência ao abrir este texto, o radiojornalismo e o telejornalismo eram incipientes em Portugal.
4.6.1 Técnicas de edição e preparação de jornais, por Pedro Correia Martins
Pedro Correia Martins fala pouco da edição e preparação de jornais. Relembra o autor que “A imprensa tem um grande poder, para o bem e para o mal”, exemplificando com a campanha contra o Rei e a Família Real no final da Monarquia. “Na bala que matou D. Carlos I (...) iam também os comentários insidiosos dos jornais. A campanha jornalística era intensa (...). Quem a movia sabia que as massas (...) se apaixonam não pelas ideias, mas pelas pessoas. As ideias são uma coisa abstracta que pouco interessa ao grane público. As pessoas, sim (...).” Fica assim explicada, segundo o director de A Voz, a relevância da orientação editorial de um jornal, traduzida em pormenores como os títulos das notícias e a forma de tratar a informação. Por isso, cada director, responsável máximo da redacção de um periódico, necessita de escolher com sapiência redactores e colaboradores, já que serão estes a plasmar nos textos a linha editorial do jornal e a ditar o sucesso ou insucesso do mesmo. “A responsabilidade da direcção de um órgão de opinião pública é pois muito grande. Para isso, tem de educar o seu pessoal no aspecto profissional e no aspecto moral (...) para que o periódico não seja ridículo, um amontoado de disparates pretensiosos ou de desmazelos literários”, escreve Correia Martins, colocando o acento tónico num dos problemas do jornalismo português da época – era um feudo de “escritores de jornal” frustrados por não serem reconhecidos como verdadeiros escritores. Outro problema que ecoa da prosa de Correia Martins era o da sobre-informação. Devido ao “excesso” de notícias, cada vez menos se saberia das coisas em profundidade.
4.6.2 Órgãos de opinião e órgãos de informação, por Jacinto Ferreira
Jacinto Ferreira, professor universitário e director de O Debate, reconhece que o conceito de “jornalista” evoluiu, mas está implícita nas suas palavras a ideia de que os “autênticos jornalistas” seriam apenas aqueles que, como ele, eram também “homens de letras”. Por isso, para o autor, “jornalistas completos”, haveria poucos em Portugal, apesar da “legião de pessoas com capacidade e desejo de encher as colunas das gazetas”. Diga-se, aliás, pela voz de Jacinto Ferreira, que certamente aspiraria a ter carteira de jornalista, que os directores de jornais, em alguns casos jornalistas “completos”, não poderiam ter carteira profissional de jornalista, já que o Sindicato Nacional dos Jornalistas, entidade emissora do título profissional, apenas o outorgava a trabalhadores e não a “representantes dos patrões”.
Embora reconhecendo a dificuldade da tarefa, no seu texto Jacinto Ferreira procura distinguir os jornais de informação dos jornais de opinião, elogiando estes últimos (o que não é de espantar, dada a sua condição de director de um órgão de opinião) e denegrindo os primeiros. Começa uma abordagem ao jornalismo de informação dizendo que deve a sua expansão à melhoria das comunicações, que facilitou o acesso fácil e imediato aos acontecimentos. Chama, no entanto, a atenção para a preferência do público pelos acontecimentos negativos, “porque o bem não faz escândalo nem causa admiração”. Salienta que apesar de existirem jornais exclusivamente de opinião, o contrário não acontece: “raros são os que se possam classificar exclusivamente de informação.” Define órgão de opinião como “aquele cuja finalidade fundamental consiste em difundir um conjunto de princípios religiosos, morais, políticos, etc. fazer deles a máxima propaganda possível.”, não o movendo o lucro. Pelo contrário, um órgão de informação seria “aquele que, movido apenas pela intenção do lucro (...), se estabelece como uma indústria, procurando (...) aumentar a sua tiragem.” Refere, também, a existência de órgãos mistos de informação e opinião, fazendo uma reflexão sobre o facto de nestes a opinião ser preterida a favor da informação. Segundo o autor, nesses órgãos o aspecto informativo é mais apelativo, ainda que não tenha a profundidade da opinião. Escreve Jacinto Ferreira:
“Não é (...) caso raro a existência de órgãos mistos de informação e de opinião, embora sacrificando esta àquela, porque a ansiedade pela informação faz com que seja posto de lado o jornal logo que essa ansiedade fique satisfeita, prejudicando-se a assimilação das opiniões que requerem uma leitura mais profunda e mais prolongada. Quase sempre este carácter misto resulta de um enxerto da opinião na informação, quando poderosos meios financeiros, ao serviço de uma determinada ideologia, lançam mão, por compra, de órgãos já existentes de informação, para assim poderem levar junto de uma larga massa de gente indiferente o conhecimento das suas doutrinas.
O autor aponta dois elementos essenciais para a imprensa de informação: “o público e o repórter.” Já a imprensa de opinião necessita do “assinante e [d]o colaborador”. Jacinto Ferreira é muito crítico do público, comparando-o quer a um toxicodependente, quer a uma vítima:
“O público é o grande intoxicado pelo veneno noticioso dos casos de rua e das agências. Muitas pessoas há que devoram com mórbido prazer todo o noticiário dos crimes, das desgraças, dos acidentes, dos desastres, dos incêndios, das desordens e motins (...). E entram numa agitação incontida – como sucede ao fumador, ao alcoólico e ao morfinómano – quando lhes falta o excitante (...).”
Indo mais longe, o autor cita Oliveira Martins para criticar a atitude do público, que privilegiaria a notícia e a reportagem:
“O público, de cujos caprichos vivem as empresas jornalísticas, é (...) o grande doente (...), ou excitado por mil apetites, ou entorpecido pelos cansaços da orgia.
(...)
Devora-te [público] a sede insaciável de notícias. Passas pela vista sôfrega, numa grande agitação, centenas de folhas, e depois, estonteado, apalpas o vazio. Tanto quiseste saber num minuto que ficaste ignorando tudo. Queres os nervos excitados: notícias de sensação e escândalo. Fizeste da reportagem uma necessidade, quase uma instituição, e és vítima do teu invento. Ela explora-te e imbeciliza-te. Queixas-te da imprensa banal e fizeste-a com o teu auxílio constante, com a tua curiosidade sem escrúpulos.”
É esse público que, para o autor, “as empresas dos jornais de informação deseducam e desvirilizam com a sua prosa anónima e neutralista, com receito de lhe serem desagradáveis e de perderem a venda.”
Nesse o contexto, e citando Fialho de Almeida, o repórter não seria mais do que:
“O caixeiro de fora do jornal, um receptador e um transmissor de casos, sem outra missão além de os inquirir imparcialmente nos locais onde eles se produzem e de os trazer ao julgamento perante o critério do corpo da redacção. Pela subalternidade do ofício e pela classe vaga e incompetente de indivíduos donde entre nós o repórter é tirado, pressupõe-se que este funcionário não exceda um nível de cultura abaixo do mediano, nem, na maior parte dos casos, possa gabar-se de um dom de penetração por aí além. Ele não é um homem de letras e, por outro lado, falta-lhe a educação que o transforme num crítico incisivo dos acontecimentos.
(...)
O entrevisteiro é o repórter em diplomata, o homem encarregado de sujeitar a um questionário os heróis do dia e de inferir das respostas obtidas um certo número de requisitos fulgurantes.”
Não satisfeito, Jacinto Ferreira ainda se sente na obrigação de recorrer a Ramalho Ortigão para denegrir ainda mais a figura do jornalista dos órgãos de informação:
“A missão do jornalista português não é ter ideias suas, é transmitir as ideias dos outros. O jornalista nunca se (...) recolhe com o seu problema para o (...) estudar (...). Procura apenas a solução achada pelo público, o público dele (...). Portanto, trabalha na rua (...) informando-se. É o termo técnico. Uma vez informado, o jornalista considera-se instruído (...), tem o jornal feito. O que ele escreve hoje (...) é o que vós lhe dissestes ontem. O jornal é o (...) transporte das ideias em circulação, das soluções previamente recebidas e aprovadas pelo consenso público. O jornalista é o (...) submisso (...) fiel da opinião. Não a dirige, não a corrige, não a modifica, não a tempera. O único serviço que faz é este: transporta-a dos centros públicos aos domicílios particulares.”
O autor retrata, ainda, os assinantes dos órgãos de opinião. Diz que se revêem no periódico que assinam, mas também que têm uma espécie de sentido de posse sobre ela, exigindo, por vezes, contrapartidas que não podem ser satisfeitas, “como o de fazer publicar reportagens e fotografias de casamento das filhas ou das netas, o de influenciar a orientação do jornal (...) e o de ter as colunas à sua disposição para devaneios novelescos e poéticos.” Porém, o autor é muito compreensivo em relação aos assinantes, que consideram o jornal “como seu” porque este “serve a sua opinião, a sua ideologia, e colabora (...) na sua expansão”.
O colaborador, por seu turno, “é a tabuleta do jornal de opinião”, uma vez que tendem a ser recrutados entre um leque de personalidades conhecidas que podem dar prestígio e credibilidade ao jornal.
Jacinto Ferreira acentua, ainda, o carácter constrangedor da censura, que ao limitar a liberdade de expressão e de imprensa coarcta a oposição mas, ao mesmo tempo, dificulta o desenvolvimento da imprensa de opinião, mais susceptível de ser alvo da mesma. Para ele, a censura é uma “instituição anacrónica, pouco inteligente e até contraproducente”.
Outra das diferenças apontadas pelo autor entre imprensa de opinião e imprensa de informação é o facto da primeira estar mais exposta às críticas dos leitores: “que precioso tempo não perde um director de um jornal de opinião a ler cartas que o descompõem e o insultam, a receber senhores que o procuram em atitudes ameaçadoras”. O que origina esse tipo de situações, diz Jacinto Ferreira, é a polémica, que ele considera exclusiva da imprensa de opinião. A imprensa de informação, segundo o autor, é mais neutral, não suscitando, portanto, conflitos.
Jacinto Ferreira termina o texto da sua conferência questionando se um órgão de opinião deve ser diário ou semanal. Considera que apenas conjugando a opinião com muito boa informação é possível obter um bom jornal diário. Caso contrário, o jornal deverá optar por uma periodicidade semanal. Conclui sustentando que, pelos motivos já apontados, a imprensa de opinião é superior à imprensa de informação, sendo, igualmente, a responsabilidade dos dirigentes dos órgãos de opinião maior porque o seu público é mais exigente. O grande perigo que a imprensa de opinião encerra, na sua opinião, é o de fechar-se sobre si mesma, ao filtrar artigos que não se enquadram na respectiva linha editorial, sendo, portanto, “preciso (...) guardar o meio-termo”.
4.6.3 Ética e responsabilidade no jornalismo, por Barradas de Oliveira
Barradas de Oliveira, director do Diário da Manhã, órgão vinculado ao partido único de então, a União Nacional, sustenta que só em abstracto se pode considerar a existência de um jornalismo de opinião e outro de informação, até porque a informação é sempre “marcada pelo critério do jornalista (...) ou (...) da empresa”, enquanto a opinião necessita de ser construída sobre informações. Portanto, o jornalismo, ao relatar acontecimentos e oferecer interpretações sobre os mesmos, participa na orientação da opinião. Assim, ao ter influência sobre o público, necessita, igualmente, de ter uma “atitude moral (...) perante os interesses da comunidade”.
O repórter é, segundo o autor, o elemento central do jornalismo de informação, tanto quanto o editorialista o é no jornalismo de opinião. Porém, segundo Barradas de Oliveira, o repórter é cada vez menos vinculado a um jornal, “para se tornar o homem de uma agência, que serve um grande número de jornais”.
Para Barradas de Oliveira, o jornalismo é condicionado por três factores: “Os meios de comunicação, o chamado direito à liberdade de informação, o direito de defesa invocado pelas sociedades constituídas.” Os primeiros são condicionados pela concentração da propriedade, que mina a concorrência e a pluralidade. Segundo ele, esta é “uma situação trágica: o progresso técnico leva as grandes empresas de informação a concentrar-se sob o poder e ao serviço os magnates da finança.”, o que levanta “dois problemas morais”: “o do jornalista (...) que se apresenta desinteressadamente a expor opiniões que derivam da sua consciência e não de valores materiais; por outro lado, o da comunidade nacional, que visa o bem de todos, e não os interesses de alguns.” O jornalista, nesse quadro, deve ter “boa fé”, o que implica “o respeito à verdade e à justiça e o sentimento do dever de as repor onde quer que tenham sido ofendidas ou afastadas”. É mais uma vez a ideia do jornalista como paladino da verdade que se infere das palavras de Barradas de Oliveira. Mais ainda, segundo o autor, um bom jornalista deve ter “desenvoltura na apreciação dos homens e das circunstâncias, uma rapidez no julgar, um sentido de equilíbrio, de bom senso, de verdade sem fantasia”. A empresa jornalística, porém, é indissociável desse processo: “o conjunto jornalista-empresa” deve ter “plena responsabilidade perante os objectivos: verdade, educação do povo, paz social”. No entanto, o autor reconhece que a missão do jornalista pode ser tolhida pelas restrições ao “direito de informação”, que “para além da liberdade de expressão” implica “a liberdade de ir colher as informações às fontes (...) e a liberdade de as transmitir”.
Para Barradas de Oliveira, devem ser considerados quatro elementos da função jornalística: o público, o jornalista, a empresa e o estado. Refere que o público é ao mesmo tempo o receptor e o fornecedor do produto informativo. Aborda a “chamada opinião pública” dizendo que esta existe apenas como receptáculo da opinião difundida pelos media, já que, segundo afirma, “o público não cria opinião”, o que agudiza a responsabilidade do “conjunto jornalista -empresa” na condução da actividade jornalística. Assim sendo, embora afirmando crer na liberdade de imprensa “por princípio”, até porque se essa liberdade “se restringe, deixa de ser liberdade”, também sustenta que se a mesma “não se condiciona, pode resvalar na licença”. E dá vários exemplos históricos de um mau usufruto da liberdade de imprensa, como o episódio do assassinato de colaboradores da anterior ditadura sidonista no dia 19 de Outubro de 1922, que ele pensa ter sido detonada por uma campanha do jornal Imprensa da Manhã.
De qualquer modo, de acordo com Barradas de Oliveira, fundado num estudo da UNESCO, “cada vez se restringe mais no mundo a liberdade da imprensa”, através da censura, “forma grosseira, declarada, impudente da intervenção do Estado”, pelo controlo dos meios de transmissão, pela recusa de benefícios financeiros às empresas jornalísticas (como tarifas especiais de telecomunicações e correios), etc.
Relembra o autor que na então URSS, o jornalismo deveria estar ao serviço da educação e da organização dos trabalhadores, pelo que a informação objectiva seria “simples hipocrisia liberal”. Mas no mundo Ocidental, o jornalismo estaria, essencialmente, ao serviço do lucro, assistindo-se, até, a “um retorno ao primado da informação que esteve na sua origem (...) e do qual se afastou (...) desde os meados do século XVII até aos princípios do século XX, para dar lugar ao primado da doutrinação política e da polémica.” Assim sendo, Barradas de Oliveira explica:
“É evidente, porém, que nenhuma indústria pode existir desligada de um condicionalismo moral, nem de condicionalismos legais adequados à especificidade do seu labor. (...) Quer dizer: a intenção de realizar lucros não pode ser exclusiva, porque então seria ilegítima. Ao lucro industrial deve corresponder um benefício do público: o benefício de ser informado, de ser esclarecido, de ser orientado (...) sem a pressão das paixões.”
Ora, se bem que a Constituição Portuguesa de então definisse a opinião pública (“na qual o jornalismo influi de modo particular”) como “elemento fundamental da política e da administração do país”, incumbindo ao Estado “defendê-la de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a boa administração e o bem comum”, o certo é que, para Barradas de Oliveira, “não está certo” que o Estado “seja, ao mesmo tempo, o criticado e o juiz da crítica”. Haveria, isso sim, de encontrar um “ponto de equilíbrio (...) entre o direito da liberdade fundamental do jornalista, o direito dos povos a conhecerem a verdade, os interesses legítimos dos industriais e os deveres que têm os estados de defender a saúde moral das populações”.
4.6.4 Tendências actuais da imprensa, por João Coito
Quais as grandes tendências da imprensa? João Coito aborda o problema de uma forma abrangente. Desde logo, evoca a “flagrante necessidade de uma escola de jornalismo”: “Se ao jornalista se exige vocação, não pode deixar de se lhe exigir uma certa formação, formação que lhe advém da prática rotineira da reportagem e das redacções, mas que não pode prescindir de um mínimo de cultura geral”. A necessidade de dar formação específica e escolar aos jornalistas seria, assim, uma primeira tendência do jornalismo contemporâneo.
O autor diz também que “o primeiro cuidado de um jornalista é o de ser amável com o leitor”. Por outras palavras, o jornalista, ao elaborar uma peça, tem de ter o público a que a mesma se destina em mente. Esta seria outra das tendências da imprensa, que se traduz na necessidade de a informação ser breve, contida e objectiva. “Longe vão os tempos em que a informação era emoldurada em estilo pretensioso, pintada e repintada, de modo que o trágico se diluísse em cores de romantismo e o imoral quase se desculpasse (...). O público de hoje não tem tempo de ler”, escreve João Coito. Ainda assim, para o autor, jornalismo e literatura são parentes próximos:
“As qualidades que se impõem ao estilo jornalístico: clareza, simplicidade, concisão e objectividade, são comuns ao estilo literário. Ambos os estilos se confundem (...). Seria impossível traçar com nitidez a linha de demarcação entre o mundo jornalístico e o literário. Essa linha (...) marcará (...) a diferença de ângulo em que se colocam o repórter e o romancista, e editorialista e o ensaísta: um, voltado para as exigências imediatas e transitórias do grande público; outro, debruçado sobre os temas universais e permanentes (...).”
Uma terceira tendência da imprensa seria a da intensificação da pressão do tempo sobre o jornalista. A “falta de tempo” seria causa não apenas de incorrecções e de omissões (“esta ânsia de levar mais depressa a notícia ao leitor do que o jornal vizinho é responsável por muitos erros”) mas também de problemas ao nível do próprio estilo. “Muitas vezes não temos tempo de ser breves”, justifica o jornalista.
Uma quarta tendência assentaria na necessidade de se encontrar um ponto de equilíbrio no noticiário, acolhendo no seu seio informações de índole diversa, incluindo os casos de polícia:
“vai mal uma (...) comunidade cuja imprensa não acolha nas suas colunas o homicídio, o roubo, o rapto (...). Ou os habitantes convenciam os seus conterrâneos de que eram todos santos, ou começavam a dar ouvidos ao boato, cancro maligno que só não resiste (...) à (..) informação. Portanto, nem oito, nem oitenta. Nem uma sociedade apresentada como um covil de ladrões e assassinos, nem uma sociedade constituída por anjos e querubins. O pecado é a excepção, mas a excepção é notícia.”
Não sendo propriamente uma tendência, a censura – quer a do Estado quer a das empresas – seria um constrangimento à informação: “assim espartilhada, a informação terá de ver a luz do dia (...) deformada (...), raras vezes consegue escapar intacta às mãos de todos os cozinheiros”. O autor vai mais longe, evidenciando quanto o processo de fabrico da informação – e não apenas a censura – ocasiona distorções, por vezes involuntárias, nessa mesma informação: “a liberdade de imprensa, no sentido absoluto, é inatingível. A fonte que colhe a informação mistura-lhe algo de si própria. O jornalista (...) transmite-lhe algo da sua personalidade. E se a censura, a oficial e a particular, se mete a talhar-lhe os vestidos, a informação tanto pode ficar nua e chocante, como muito bem enfarpelada, mas sem poder de convicção.”
João Coito conclui o seu texto chamando a atenção para a importância da informação e de estar informado. “Primeiro o homem informa-se, depois age”. Daí o papel importante desempenhado pelos meios de informação e do jornalista, que deve colocar o homem e a notícia à frente de tudo. Refere-se à profissão como apaixonante e absorvente, mas dura. Termina dizendo que nem sempre o trabalho do jornalista é devidamente reconhecido que é muitas vezes injustamente criticado.
4.6.5 Métodos e problemas do jornalismo desportivo, por Trabucho Alexandre
Trabucho Alexandre parte da ideia de que todos os indivíduos têm um pouco de jornalistas ou repórteres, já que o jornalismo, na sua essência, consiste, para ele, num trabalho de observação e de narração comum no quotidiano de todas as pessoas. Mas apesar de parecer simples, o jornalismo não o é: “ a profissão de jornalista, embora pareça ao imediato alcance de quantos saibam ler e escrever, é bem mais difícil do que possa parecer.” Porém, segundo o autor:
“não há (...) um curso susceptível de fazer de qualquer pessoa um jornalista, se essa pessoa não for animada pela vocação e não reunir aquelas qualidades que a podem conduzir ao exercício da profissão, dando-se-lhe inteiramente (...); vivendo a vida do seu jornal como se da sua própria vida se tratasse – quase resumindo nele e no seu êxito todas as suas ambições.”
Sobre o caso concreto do jornalismo desportivo, a tarefa do jornalista é complicada porque o desporto – e o futebol, em particular – é uma área onde as pessoas têm sempre algo a dizer, sendo frequentemente críticas quando as matérias não vão de encontro às suas preferências clubísticas: “os jornalistas desportivos (...) são frequentemente tão alvejados e tão mimoseados pelo público que os lê como...árbitros!”. Queixa-se também da distorção das matérias por parte de entidades e dirigentes, que procuram interpretá-las da forma mais vantajosa para os seus interesses. Quando é o jornalista a errar, Trabucho Alexandre é peremptório: “a rectificação faz-se”.
Para o autor, o jornalismo desportivo é feito de dedicação, “procurando-se sempre acompanhar a informação de artigos que visam a conquista de novos adeptos e a mentalização das massas sobre os verdadeiros objectivos do desporto.” Foi um tipo de jornalismo que custou a singrar, pois houve “tempos em que a prática desportiva era coisa que feria o pudor e em que os jornais mal se atreviam a falar do sport, não se fosse dar o caso de desagradarem ou ferirem a moral”.
Segundo o jornalista, os leitores só querem ver reflectida no jornal a própria opinião. Por isso, frequentemente os críticos desportivos são “injustamente” acusados de não partilharem todos a mesma opinião sobre os mesmos eventos desportivos, apesar de se lhes dever reconhecer o direito de não pensarem todos por igual: “Se toda a gente formula a sua opinião, porque se não há-de reconhecer ao crítico o mesmo direito?” Dá, em consequência, um conselho a quem queira seguir a profissão: “não transijam com o público, na ânsia e na ilusão de lhes agradar, pois teriam de ser tão volúveis e tão insensatos como a multidão”. Para ele, a “honestidade” e a “isenção” são elementos fundamentais para o trabalho do jornalista e do crítico desportivo.
Trabucho Alexandre conclui o seu texto dizendo que o jornalismo desportivo português está ao nível dos melhores: “Lá fora pode haver jornais desportivos de maiores tiragens (...) mas não existem melhores, nem mais sérios, nem mais honestos, nem mais imparciais” jornalistas desportivos.
4.6.6 Técnicas do jornalismo falado, por Silva Dias
Para Silva Dias, o progresso técnico, económico e comunicacional conduziu a uma “civilização audiovisual” à escala do mundo, tendo sido a rádio a primeira responsável por esse processo. O autor antevê, até, o tempo [que estava, realmente, próximo] da audição individual da rádio, graças à revolução do transístor e à consequente miniaturização e embaratecimento dos receptores de rádio. Graças à rádio, “aparece, então, como meio de informação, o jornalismo falado”, cujas técnicas “visam os processos de comunicação de informações aos diferentes públicos (...) nacionais e transnacionais”.
A questão da internacionalização das trocas de informação preocupa o autor, até porque, na época em que ele escreveu o seu texto, os fluxos de informação eram dominados pelas grandes agências noticiosas internacionais, “que não podem deixar de retratar a realidade consoante os interesses e ideologias predominantes nos países originários” e fazem alguma “propaganda”. Aliás, segundo o autor, embora a informação seja “fabricada a partir dos acontecimentos”, é-o por indivíduos também eles “sujeitos a erros (...) e a desvios”. “Daí, os seus benefícios e os seus perigos”, escreve.
Relembra Silva Dias, ancorado em vários estudos, que “cada grupo de ouvintes selecciona, apreende e fixa o que confirma as respectivas tendências, ideologias ou paixões”, pelo que uma mensagem poderá ter efeitos contrários aos esperados. Apesar disso, o autor alerta para a forma como a rádio e o jornalismo falado podem ser usados para fins de propaganda: “as técnicas do jornalismo falado, impregnadas e desvirtuadas pelas técnicas da propaganda, subordinar-se-ão ao objectivo principal de desmoralizar o adversário, abalar os hesitantes, dominar os indiferentes e amedrontar os tímidos.” Ao tratar dessa matéria, o objectivo de Silva Dias parece ser acentuar a mensagem do regime, que classificava os ataques externos à sua anacrónica política colonial e à manutenção da ditadura como mera propaganda:
“Procurar-se-á (...) conhecer as dificuldades (...) do povo que se pretende abater, as ideologias que o dividem, as utopias dos grupos opositores, menos convencer a razão do que agitar o subconsciente das massas, pela excitação dos instintos, ambições e vaidades, mas sobretudo pela exploração sistemática dos ressentimentos latentes. A verdade dos acontecimentos será desmontada, deformada e recomposta nesse sentido, conforme as técnicas de condução de massas (...). Estas técnicas de propaganda, entre as quais avulta (...) o jornalismo falado (...) utilizado pelas emissoras da URSS e países satélites, podem encontrar terreno fértil para vingar nas populações primitivas em processo de destribalização e nos países civilizados em que as massas (...) não alcançaram ainda uma estrutura equilibrada e onde o espírito de lutas ideológicas predomina sobre a ideia e o sentimento de comunidade.”
Assim, para o conferencista, é preciso contra-atacar a propaganda através de processos que, com “respeito pela pessoa humana”, visem “informar e formar a opinião pública e (...) a defendê-la de qualquer malefício (...) pelo acatamento de uma hierarquia de valores, onde o Bem (...) realça as virtualidades do Justo, do Belo, do Bom, do Agradável e do Útil” e também pelo “respeito pela pessoa humana”.
São vários os factores que o autor refere para destacar os meios audiovisuais dos restantes:
“instantaneidade ou imediaticidade, isto é, a realidade da transmissão e percepção simultâneas; continuidade, marcada pela possibilidade de inúmeras emissões diárias de noticiários (...); participação directa,por meio de reportagens, no desenrolar dos acontecimentos, e universalidade, que alarga o auditório à escala do mundo.”
Para além disso, a rádio, para Silva Dias, distinguir-se-ia da imprensa porque procuraria um “público indiferenciado”, enquanto os jornais seriam procurados por um público segmentado que constituiria a sua “clientela”. Disto resulta, desde logo, “como técnica do jornalismo falado, a tendência à homogeneização da matéria informativa e à sincretização das respectivas ideologias.” Porém, o mesmo não impede que cada emissora procure ajustar os conteúdos às preferências dos ouvintes, “mediante sondagens, inquéritos, etc.”
Silva Dias aborda, seguidamente, as técnicas do jornalismo falado propriamente dito, referindo que a informação deve ser vasta e diversificada, mas “os métodos de selecção (...) devem subordinar-se à melhor e mais vasta aceitação do público”. As notícias devem, segundo ele, obedecer aos princípios da retórica jornalística: responder a questões como “O quê?”, “Quem?”, “Quando?”, “Onde?” e “Porquê?”[11]. Aconselha ainda o autor, para a construção de notícias de rádio: utilizar palavras correntes, que não criem confusão nos ouvintes; evitar cacofonias e dissonâncias; usar frases simples, claras e de apreensão imediata, seguindo a ordem directa sujeito-predicado-complemento; e procurar colar os períodos uns aos outros com musicalidade.
O autor faz também recomendações quanto à extensão e tipologia dos textos a usar em rádio:
“Desde que o propósito é informar sem fatigar ou confundir, parece contra-indicada a transmissão, nas revistas da imprensa, de extensos recortes de artigos, porque estes foram escritos para serem lidos, e não ouvidos, e nos processos da radiodifusão, verifica-se que, perante o ritmo de leitura dos extos pelo locutor, os ritmos de apreensão não coincidem em muitos casos com aquele e variam com os indivíduos. Ao passo que cada pessoa pode adaptar o ritmo de leitura à respectiva capacidade de compreensão e voltar atrás, quando necessário, em referência a muitos dos textos ouvidos, é grande a probabilidade de se perder o fio ao discurso.
Quanto às reportagens, o autor também aconselha prudência, pois “convém seleccionar apenas para transmissão aqueles acontecimentos que, de facto, sejam susceptíveis de satisfazer a curiosidade dos ouvintes e na medida em que não transformem o agradável em maçada.” Desaconselha, nomeadamente, talvez criticando uma prática comum na rádio portuguesa de então, a “transmissão de discursos ou conferências na íntegra ou longos passos dos mesmos, porque além de muitos não reflectirem o respeito pelas normas da retórica, só satisfazem a vaidade dos interessados sem proveito de maior”. Conclui fazendo alusão às capacidades técnicas dos locutores. Para ele, estes “devem possuir recursos artísticos para iluminar os conceitos nas palavras e fazer brilhar as diferentes tonalidades de pensamento”, já que a apreensão das mensagens depende da forma como é lida a notícia.
4.6.7 Algumas considerações sobre o regime jurídico da imprensa, por António Avelino Gonçalves
António Avelino Gonçalves justifica a produção de legislação sobre a imprensa pelo enorme poder que esta teria nas pessoas e sociedades: “Basta atentar nos milhões de pessoas que a lêem, na influência que exerce (...) na política, nos costumes, na cultura, no desporto, na educação, na opinião pública.” E vai mais longe:
“trata-se de uma importante indústria (...), e uma arte difícil (...), de um factor de progresso, como a história demonstra, e não raro de servidão, como os factos põem em evidência, de uma grande escola, já que todos pensam, desejam, esperam, agem de acordo com o seu jornal, de um elemento muito importante tanto na vida individual como na social, pois ambas se deixam influenciar por ele, de uma fábrica de opinião pública, de um agente poderoso sobre a vida económica, os grandes negócios, os grandes interesses, a política, a bolsa, de uma influência decisiva sobre a mentalidade, os costumes dos nossos contemporâneos os a própria civilização”.
O regime jurídico da imprensa teve, assim, de cobrir os vários territórios da mesma: “Aí não poderiam faltar problemas como o da liberdade de manifestação do pensamento e de imprensa e seus limites, a imprensa como elemento de manifestação do pensamento, os crimes de imprensa, a ordenação profissional dos jornalistas”.
Em matéria de legislação, o autor refere, em primeiro lugar, a Constituição Política da República Portuguesa, onde estava consagrado o direito à liberdade de expressão do pensamento, devendo leis especiais “regular o seu exercício, impedir preventiva ou repressivamente a perversão da opinião pública, na sua função de forma social, e salvaguardar a integridade moral dos cidadãos”, aos quais era reconhecido o direito de rectificação de informações incorrectas a seu respeito dadas pela imprensa e de defesa contra injúrias e difamações propagadas pela comunicação social. Para ele, a importância que a Constituição de então dava à opinião pública e à sua defesa contra “todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a boa administração e o bem comum” era “bem justificada” porque a imprensa, ao exercer uma “função de carácter público”, deveria colaborar “na boa e segura orientação da opinião pública” e publicar as notas oficiais ou oficiosas emanadas do Governo “em assuntos de interesse nacional”.
Seguidamente, refere outros documentos legais que se ocupavam da imprensa, com destaque para o Decreto nº12008, de Agosto de 1926. Este, segundo afirma, poderia ser considerado “a lei de imprensa” de então. Embora o normativo assegurasse a todos “manifestar livremente o seu pensamento” por meio dos jornais e revistas, não deixava de impor limites a esse direito, incluindo, por exemplo, a impossibilidade de criticar “a integridade (...) da Pátria”, o que na prática impossibilitava, por exemplo, que se atacasse política ultramarina portuguesa. Sobre o Código Civil, explicita que também este articulado legal estabelecia o direito de liberdade de “pensamento, expressão e acção”. De qualquer modo, após a enumeração das leis, o autor tenta justificar, usando o argumentário típico do Estado Novo, as razões para a própria lei impor constrangimentos à liberdade de imprensa:
“na sociedade portuguesa, entre os direitos, liberdades e garantias individuais dos cidadãos, está a liberdade de expressão de pensamento (...). Esta liberdade, porém, é concedida ao indivíduo (...), não ao objecto do pensamento. O homem é dotado de liberdade (...). Mas o mal, o erro, a ofensa, a injustiça não podem ter o mesmo direito e, portanto, a mesma liberdade que o bem, a verdade, o respeito e a justiça. Daí não existir liberdade sem responsabilidade; daí o mérito ou o demérito, o lícito e o ilícito, tanto na ordem doutrinal ou moral como na civil, na humana. (...) Há uma grande diferença entre a liberdade que o indivíduo tem de pensar (...) e a liberdade de difundir o próprio pensamento. A primeira só tem influência no agente, a segunda pode tê-la na formação mental e na vida prática dos outros. Daqui a necessidade de evitar que o uso de tal liberdade individual (...), (...) direito natural (...), degenere em abuso, com prejuízo da liberdade de outrem e da própria sociedade. Esta limitação, como aliás a garantia da liberdade, só podem ser dadas pelo Estado (...). Não pode, portanto, existir norma jurídica que reconheça situação de privilégio ou esfera de imunidade para quem se serve da imprensa para maus fins. (...) Além disso, a liberdade de imprensa tem de coincidir com o lícito jurídico, e este varia (...) segundo cada momento histórico.”
Para o autor, a ordem jurídica teria, assim, de garantir um equilíbrio entre o direito à livre expressão do pensamento traduzido no comentário à informação, em particular, na crónica jornalística, e a salvaguarda dos direitos de defesa da sociedade contra o abuso da liberdade de imprensa. Caberia ao Estado assegurar a defesa desse direito da sociedade em nome do bem comum.
No final, o autor entra num tema que classifica de delicado: a censura. Recorda que foram vários os governos e países que a ela recorreram ao longo do tempo e que a própria Igreja também o fez. O autor considera que a censura, se for para servir o bem comum, é admissível. Faz, no entanto, uma distinção entre censura prévia e censura repressiva, havendo, na sua visão, vantagens e inconvenientes para cada uma delas.
“A prévia pode prestar-se a abusos e gerar um perigo de despotismo (...); a repressiva, limitada à simples apreensão, mereceu a Raimundo Poincaré a classificação de insuficiente e ineficaz; e, levada até à intervenção do poder judicial, pode não vir a tempo, não ser (...) justa. (...) Quanto a vantagens, a prévia é mais eficaz, sobretudo em tempo de guerra (...), nas horas de grandes crises (...). Muitos benefícios dela têm resultado (...). A simplesmente repressiva tem o condão de estar mais de acordo com o conceito de liberdade de imprensa que muitos professam. (...) O problema essencial está (...) em conciliar a liberdade com a autoridade, os direitos dos jornalistas, das empresas, do próprio Estado, entre si, e o de todos estes com o bem comum.””
O autor, a propósito do mau uso da imprensa, dá como exemplos negativos as notícias negativas para Portugal que tinham saído a público nalguns órgãos de informação estrangeiros, menos positivas para Portugal. Considera, assim, que a censura é “em muitos casos (...) mais um castigo bem merecido do que uma violência injusta”.
Conclui fazendo uma reflexão acerca da necessidade de alterar o regime de censura prévia que vigorava em Portugal para um regime de transição que admitisse a censura prévia só nalgumas situações. Esse novo regime deveria ser conjugado com uma nova lei de imprensa que previsse a criação de um tribunal especial para crimes de abuso de liberdade de imprensa e, curiosamente, formação específica para jornalistas, pois “o tempo do amadorismo em imprensa tende a acabar”. Salienta, no entanto, que mais do que de uma nova lei de imprensa, seria necessário um código de ética dos jornalistas e das empresas para qual estes trabalham.
4.6.8 O jornalismo e os meios audiovisuais, por Barradas da Silva
Para Barradas da Silva, “Falar sobre informação, entre nós, acarreta dificuldades e suscita melindres, sobretudo para aqueles que (...) não concordam com a maneira como a informação é condicionada”.
Seguidamente, o autor questiona a utilização da palavra jornalismo no quadro da informação televisiva, explicitando que a desejaria reservar para a imprensa escrita, pois mesmo considerando que há afinidades entre esta última e os meios audiovisuais, haveria, ainda assim, algumas diferenças.
A primeira componente substantiva da comunicação do autor, que tem evidente interesse enquanto registo de valor historiográfico, diz respeito à organização da RTP nos primeiros anos da sua actividade. Fica-se a saber que o Departamento de Noticiário (assim se chamava ao sector de telejornalismo dentro da RTP) constituía um sector diferenciado da Produção, já que, ao contrário deste último, vivia com base na “imediatez” – “Todas as intervenções directas ou indirectas que limitem a rapidez constituem um ataque prejudicial à essência dum serviço informativo de televisão”, escreve Barradas da Silva. O Departamento de Noticiário era responsável, nomeadamente, pelos telejornais, pelos programas sobre assuntos políticos, pelas entrevistas, crónicas e magazines; pelo desporto; e ainda por programas informativos “de interesse geral”, nomeadamente documentários. À informação, porém, não eram dedicados nem um estúdio nem uma régie próprios. Por vezes, as entrevistas eram realizadas no estúdio principal, mas isso implicava “dificuldades operacionais” e “desdobramento de pessoal”.
A segunda parte do texto incide numa dissecação dos telejornais, cujo objectivo seria, na visão do autor, “fornecer (...) um noticiário (...) ilustrado e verbal dos acontecimentos”. As imagens, às quais seria reservada uma função meramente ilustrativa do texto-off, eram, assim, secundarizadas por Barradas da Silva.
A rapidez, na óptica de Barradas da Silva, seria fundamental em televisão, embora os problemas técnicos e logísticos por vezes emperrassem a máquina.
Os “locutores” (pela expressão usada, verifica-se que no início dos anos sessenta os telejornalistas eram vistos como meros “locutores”) têm, de acordo com o autor, uma importância fundamental no telejornalismo, como apresentadores e comentadores da informação:
“Eles constituem o último elo de uma cadeia que pode ver os seus esforços coroados de êxito ou afectados pelo fracasso conforme decorrer a sua actuação perante as câmaras e os microfones. Num telejornal, o homem que lê as notícias ou que as comenta, seja à vista do público (...) ou fora da imagem (...), tem uma importância central. Ele deve transmitir ao público a ideia de que está dentro dos assuntos, de que os vive e acompanha, e de que não é apenas um mero executor. Digamos que deve transmitir ao público o entusiasmo do acontecimento, (...) segurança das (...) afirmações, uma impressão de sinceridade. A câmara de televisão é inexorável e se o comentador está a expender ideias nas quais não acredita, isso ressalta imediatamente. Não se pode esquecer que (...) em grande plano (...) todos os gestos e expressões são (...) apresentados à atenção do espectador.”
Para Barradas da Silva, não existia ainda em Portugal, no início dos anos sessenta, um pivot (o “homem do telejornal”) com o nível existente noutros países. Os telejornais da televisão portuguesa também se afastariam do modelo existente no estrangeiro. Primeiro, os telejornais portugueses teriam uma duração excessiva: “vê-se obrigado a fornecer, em extensão, noticiário lido e filmado, que deveria ocupar apenas alguns segundos em cada edição”, quando se deveriam limitar aos “cabeçalhos”. Pode ler-se, aqui, uma crítica às ordens políticas que mandavam cobrir extensiva e pormenorizada, e não selectiva e sinteticamente, a actividade governamental. Segundo, a RTP, única emissora televisiva de então, não teria a parafernália técnica e humana nem o arcaboiço financeiro para fornecer serviços informativos de melhor qualidade.
Apesar da longa duração dos telejornais, o autor reconhece que a diversidade temática dos mesmos evitava o aborrecimento do telespectador: “a variedade dos assuntos e a sua actualidade constituem, só por si, atractivo bastante e (...) não é necessário recorrer a expedientes de produção ou apresentação para garantir um auditório grande e atento.” Mas o autor não deixa de ser corrosivamente crítico para com as orientações que por vezes provinham do Governo: “Só razões de fundo, como, por exemplo, um sentido de doutrina política demasiadamente marcado, podem justificar a fuga desse auditório.”
A terceira parte do texto de Barradas da Silva regista as funções dos intervenientes no processo telejornalístico instituído pela RTP no início da década de sessenta do século passado. O chefe da divisão de noticiário e desportos assegurava a direcção do telejornal; o chefe de redacção planificava e coordenava o serviço informativo, nomeadamente o serviço de agenda; e uma equipa de realização, constituída por um realizador, um redactor principal, três redactores, um tradutor e um assistente, fazia a preparação e apresentação dos programas e orientava a montagem dos filmes disponíveis, cujo off era redigido pelos redactores. O telejornal de então não tinha pivots específicos, sendo o serviço assegurado pelos locutores de programas e por “comentadores”. O alinhamento era “executado em emissão sob a direcção do realizador que actua na régie”, com apoio do assistente e do redactor principal. A sensação que se tem das palavras de Barradas da Silva é de que todo o processo tinha algo de artesanal e improvisado: “O noticiário lido, que é redigido sobre os telegramas do dia, ilustra-se, sempre que é possível, com as imagens de que se pode dispor: filmes, fotografias ou slides.” Em casos excepcionais, a RTP, segundo Barradas da Silva, podia interromper a emissão para divulgar notícias importantes.
De onde provinham as informações difundidas nos telejornais da RTP? Barradas da Silva também o esclarece: agências noticiosas, correspondência, serviços oficiais, informadores particulares (aeroporto, redacções de jornais, delegação da RTP no Porto e correspondentes). As imagens, por seu turno, provinham da produção própria, especialmente em Lisboa e Porto (neste caso, os filmes eram enviados para Lisboa por comboio, pelo que as reportagens podiam ter até 36 horas de desfasamento em relação aos acontecimentos); dos serviços das agências internacionais (seis dias por semana, em formato de filme, dando entrada na RTP até às 20h30); dos serviços “irregulares” dos correspondentes nas então chamadas províncias ultramarinas; e das actualidades filmadas recebidas, ocasionalmente, de organismos estrangeiros. Quando os filmes já chegavam processados, iam para a filmoteca e arquivo, sendo dado conhecimento da sua chegada ao chefe de redacção; quando chegavam em bruto, iam para o laboratório cinematográfico, para montagem. A informação desportiva era assegurada por um departamento especializado constituído por três funcionários, que contavam com a colaboração de apresentadores e comentadores da especialidade e que se servia, para captura de imagens, dos operadores de câmara dos telejornais.
Barradas da Silva deixa ainda, no seu texto, um registo pormenorizado do quadro de pessoal afecto aos telejornais no início dos anos sessenta: sete funcionários para arquivo e expediente; dez redactores; três funcionários do departamento desportivo; quatro repórteres cinematográficos, um deles baseado no Porto; e dois ajudantes para iluminação, num total de 26 pessoas, “a décima parte do que trabalha na RTF (França) para produzir um conjunto de programas cuja duração total é inferior à dos que são apresentados em Portugal”.
O autor refere, igualmente, que os materiais do telejornal, uma vez coligidos, mas antes da emissão, eram submetidos ao Gabinete de Exame e Classificação, que fazia a censura dos mesmos.
Na última parte do seu texto, Barradas da Silva compara o jornalismo impresso com a informação televisiva. Considera que ambos se assemelham na utilização de fontes, como as agências noticiosas. Encontra paralelismos entre a crónica do jornal e a participação dos comentadores na televisão. Considera as crónicas de viagem equivalentes aos documentários audiovisuais. O folhetim teria o seu equivalente nas séries televisivas. As páginas literárias corresponderiam às rubricas televisivas de idêntica índole. Mas os jornais e a televisão também teriam as suas especificidades. Os jornais seriam mais propensos a divulgarem pormenores dos acontecimentos, enquanto a televisão tende a ficar-se pelas linhas gerais. Mais ainda, a televisão teria maior poder de penetração no público e maior audiência e seria mais rápida a dar informações. De qualquer modo, para o autor, “televisão e imprensa são suficientemente diferentes na essência e nas finalidades para que não possam ou não devam tornar-se concorrentes”, apesar de a televisão necessitar das receitas de publicidade que os jornais também desejariam ter. Barradas da Silva expressa ainda o desejo de um dia existirem na televisão rubricas de crítica da imprensa, correspondentes às críticas de televisão que surgem nos jornais, por vezes feitas por pessoas que desconhecem o meio.
A parte final do texto de Barradas da Silva é dedicada à “qualidade da informação”. Para ele, a informação audiovisual é superior à escrita, “por ser dirigida simultaneamente aos dois sentidos que em si próprios, e nos fenómenos mentais (...), são os mais desenvolvidos. Somos essencialmente visuais (...). Portanto, se à imagem juntarmos o som, teremos atingido a melhor forma de expressão”. De qualquer modo, Barradas da Silva as particularidades da televisão recomendam que neta se privilegie a informação em detrimento da opinião, até porque “o valor e (..) o poder potencial de convicção que oferece perdem-se (...) desde que a informação seja demasiadamente orientada ou tendenciosa.” Haveria, pois, “vantagens e inconvenientes” num modelo estatal ou para-estatal para a televisão, tal como o que existia, então, em Portugal.
4.7 Trigueiros (1963): a reflexão sobre o jornalismo audiovisual
Luís Forjaz Trigueiros (1963), jornalista marcado por passagens pela Emissora Nacional e pela RTP (estação televisiva que então dava os primeiros passos), afirma que a relação entre locutor e ouvinte ou apresentador e telespectador é cada vez mais relevante, pois apesar de o contacto entre ambos não ser directo, pode haver diálogo entre os intervenientes. Sendo assim, e chamando-lhe de “observação de um espectador de dentro”, Luís Forjaz Trigueiros afirma que os apresentadores e jornalistas de rádio e televisão têm de abandonar um tom oratório, categórico, recorrendo, ao invés, a um estilo que propicie proximidade com o ouvinte ou telespectador. Como apresentador, Trigueiros diz que aprendeu que os telespectadores e ouvintes estão também à espera de cordialidade.
Dividindo os três meios de comunicação por três épocas de civilização diferente (oral, escrita e visual), o autor constata que, quer na imprensa, quer na rádio, a pessoa pode escolher o seu conteúdo, uma vez que lhe é possível comprar o jornal que quer ou ouvir a rádio que quer. Mas sublinha que com a introdução da rádio, pela sua “imediatitude na transmissão na recepção”, houve uma clara mudança nas formas de transmissão de informação, marcadas por séculos de imprensa. No entanto, para Forjaz Trigueiros, a adaptação do meio televisivo à sociedade terá sido bastante mais fácil do que a adaptação da rádio.
Recorda o autor que, uma vez inserida a rádio na sociedade, foi altura de modelá-la ao seu público (segmentação das audiências), tendo, então, emergido as várias estações, que surgiram para os vários grupos sociais, com vários programas, música e informação. Aliás, segundo Trigueiros, tal não só aconteceu só na rádio mas também na televisão. Porém, a televisão, relembra Trigueiros, tem um dom suplementar à rádio: a imagem. A imagem, segundo o autor, é capaz de captar muito mais a atenção de um telespectador, não importando quanto a oralidade seja boa e cativante.
A rádio tem, continua Forjaz Trigueiros, um “duplo trabalho”, pois precisa de captar a atenção dos seus ouvintes, tornando a notícia apelativa e importante de ouvir, sem cair no ridículo da enfatização excessiva. Já a televisão, continua o autor, tem a tendência de transmitir os acontecimentos em directo, gerando uma mais-valia de importância para os mesmos. Em consequência, antevê Luís Forjaz Trigueiros, as notícias sobre factos passados ou sobre factos que ainda se vão realizar cairão, no que à televisão diz respeito, num campo que apelida de “necrológico”.
A televisão, explica Trigueiros, é importante para mobilizar as pessoas, mas também pode ser usada com fins educativos, desde que com “responsabilidade”. No entanto, argumenta o autor, o poder da televisão levou os estados, um pouco por todo o mundo, a procurar controlá-la, de forma algo “excessiva”e “despropositada”. Trigueiros reconhece, no entanto, que certos programas de televisão e de rádio, mesmo passando por algum tempo de indiferença, podem fanatizar as massas. Luís Forjaz Trigueiros sugere, ademais, que a repetição de palavras, slogans, símbolos, sinais, mitos, pode influenciar directamente o ouvinte. Ainda assim, Trigueiros reconhece que as pessoas, em geral, conseguem manter a sua própria opinião face aos conteúdos que lhes são apresentados. Recusa, pois, atribuir à televisão um poder omnipotente na manipulação das consciências.
Trigueiros diz que a inexistência de imagens na rádio pode ser um trunfo, desde que com o som se fomente a imaginação do ouvinte. Mas a rádio também apresenta problemas, como:
“conseguir vitalizar uma notícia seca, autenticar, tornando-o presente, o relato dum acontecimento sempre frio em seu monótono enunciado, por mais emocional que seja o conteúdo da notícia a transmitir. Até porque se sabe que uma notícia sensacional não pode ser transmitida em tom sensacional, o que correria o grave risco dum ridículo irremediável. Um perfeito equilíbrio de exposição, servido por uma articulação perfeita, uma exacta noção subtil da modulação de voz, que discretamente sublinhe o carácter trágico ou irónico dum texto – eis uma qualidade indispensável ao locutor da rádio.” (Trigueiros, 1963: 17)
Ao contrário do que sucede com a rádio, para o autor a função da TV é, acima de tudo, mostrar. Assim sendo, em matéria de telejornalismo:
“Se (...) o público deseja cada vez mais ser cabalmente informado (...) com amplidão e síntese (...), quer também ser informado com clareza, tanto mais que (...) a instantaneidade dessa informação não deixa grande margem para reflectir sobre ela. Por isso, a reportagem directa do acontecimento (...) continua a ser a página principal – e sê-lo-á cada vez mais – desse jornal vivo que é a televisão. Se na rádio a transmissão duma cerimónia (...) foi já uma aquisição primordial, apenas dependendo a sua possibilidade da comunicação com o ouvinte, (...) da natureza do acontecimento, (...) da sua apresentação (...) e da sua inteligente dosagem, poupando-o à monotonia de longos discursos e interrompendo estes, por exemplo, com o recurso ao resumo intercalado, na televisão a grande reportagem, embora ainda influenciada, conforme os casos, por certo tom jornalístico (quanto à locução) e cinematográfico (quanto à sequência das imagens), tom que naturalmente aos poucos irá perdendo, virá a ser a sua forma superior de informação, e a mais representativa.” (Trigueiros, 1963: 26-27)
Outro dos pontos abrangidos pelo autor prende-se com a problemática da censura. Trigueiros considera “legítima” a luta pela liberdade de imprensa e contra a censura política por parte dos jornalistas, mas relembra que existem outras formas de censura, nomeadamente as “pressões e interesses (...) da própria empresa proprietária [do órgão jornalístico]” e “os interesses comerciais da publicidade” (Trigueiros, 1963: 27).
Sobre a publicidade, o autor também é categórico. Reconhece que ela é necessária porque as empresas jornalísticas lutam pela sua rentabilização.
Forjaz Trigueiros também enaltece o papel da televisão e da rádio na promoção e revitalização cultural. Relembra, inclusivamente, que a televisão e a rádio levam cultura aos letrados e iletrados, mas, para serem bem sucedidos nessa matéria, necessitam de cultivar um estilo adequado a todos os públicos.
Em jeito de conclusão, Trigueiros afirma que os meios de comunicação (principalmente a rádio e a televisão) desempenham um papel que já não passa indiferente à sociedade, pois constituem, crescentemente, uma forma de informação e entretenimento massiva, para todos os segmentos do público. Segundo o autor, os meios de comunicação serão, no futuro, cada vez mais importantes e o mundo, sem eles, tornar-se-ia quase “inabitável”.
4.8 José Júlio Gonçalves: a sociologia da informação
Entre os autores que se debruçaram sobre o jornalismo releva-se o nome de José Júlio Gonçalves, pelos esforços que empreendeu para enquadrar a actividade à luz da sociologia e da antropologia em vários livros, como Técnicas de Propaganda (1961), Sociologia da Informação (1962), Política de Informação (1963), Os Meios de Comunicação Social à Luz da Sociologia (197a2) ou Efeitos dos Modernos Meios de Comunicação nas Sociedades Plurais (1972b).
Em Técnicas de Propaganda (1961), o autor salienta a tendência do homem para viver em sociedade, que o leva a estabelecer relações sociais e a trocar informações, opiniões, etc. Refere, abundantemente, o sociólogo Juan Beneyto, para quem as comunicações que o homem pode estabelecer com os seus semelhantes podem ser: comunicações individuais; comunicações colectivas e comunicações comunitárias. (Gonçalves, 1961: 15-16).
“Esta classificação dos meios de informação humanos corresponde, até certo ponto, à própria evolução da sociedade humana desde o passado remoto (...) até nossos dias, desde o começo da estratificação das sociedades primitivas até às contemporâneas, autênticas sociedades de massas que, não raro, as elites e pseudo-elites arrastam a seu belo talante sob a influência de uma bem norteada propaganda (...) obedecendo a estados emotivos provocados pela anestesia da capacidade de deliberar e de decidir” (Gonçalves, 1961: 16-17).
Gonçalves (1961: 18-19) relembra que a radiodifusão e a televisão permitem “levar informações, ideologias, sugestões e ordens, quase instantaneamente, a grandes distâncias e a todos os públicos (...). Por seu lado, os aperfeiçoamentos introduzidos na imprensa permitem a publicação de grandes diários (...), beneficiando (...) da aceleração dos transportes (...) que lhes asseguram cheguem aos leitores a tempo de não se desactualizarem ante os diários falados, televisados e filmados” (pp. 18-19). Devido a isso, a propaganda contemporânea, de acordo com Gonçalves, usa abundantemente os meios de comunicação social.
Beneyto, citado por José Júlio Gonçalves, explica que a propaganda pode dividir-se em: propaganda política, propaganda comercial e propaganda religiosa. Os meios jornalísticos desempenham, de acordo com Gonçalves, um papel de relevo em todos os tipos de propaganda, mesmo quando não o pretendem e quando não o fazem intencionalmente. O autor relembra, para finalizar o ensaio, várias técnicas de propaganda através dos meios de comunicação social, como sejam a repetição, a simplificação da mensagem, a orquestração, a desfiguração, o sobredimensionamento, a individualização do inimigo, etc.
Em Política de Informação: Ensaios, José Júlio Gonçalves (1963) começa por esclarecer que conceito está por trás da expressão “Política de Informação” tal como a concebe Dovifat, que evidencia o papel que a essa política cabe na formação da opinião pública. Discorrendo sobre as definições de Dovifat, o autor concorda que, em boa parte, elas giram à volta da “ideia de que a Política de Informação é preocupação essencialmente assinada pelos Governos” (Gonçalves, 1963: 17). No entanto, José Júlio Gonçalves explica que o prosseguimento de políticas informativas se verifica também em organizações. Mesmo com indivíduos com determinados estatutos e papéis sociais, salienta Gonçalves, também podem prosseguir políticas de informação, “uma força e, ao mesmo tempo, um instrumento poderoso de penetração psicológica” (Gonçalves, 1963: 18).
Tendo em conta a amplitude da Política de Informação e o peso da notícia na marcha da história, percebe-se, lembra o autor, o interesse por parte dos Estados e respectivos Governos e de outras instituições na intervenção, negativa ou positiva, sobre a informação, condicionando-a, muitas vezes, apenas de acordo com os seus interesses, e percebe-se, também, a preocupação dos estudiosos acerca dos meios de informação e da sua conduta perante a atitude dos Governos.
José Júlio Gonçalves considera, basicamente, a existência de dois tipos de Política de Informação: a capitalista e a comunista, não deixando, no entanto, de tecer algumas considerações sobre a Política de Informação da Igreja Católica. Considera o autor que são três os aspectos essenciais comuns à política informativa dos dois primeiros modelos: (1) a preocupação de informar e de fazer propaganda; (2) a ideia de informar e educar, porque a informação conduz à educação que cada um dos regimes considera útil; e (3) a tendência para informar e “desinformar”. Em qualquer dos casos, a informação, diz o autor, é usada como meio eficaz de difusão de ideias políticas e como arma psicológica.
No seguimento do que anteriormente afirmou, o autor esclarece que as informações transportam uma carga ideológica que se destina a influenciar as populações, provocando mudanças de opinião e atitudes políticas. Salienta, igualmente, que educação e informação estão intimamente ligadas, visto que a primeira é o “mais eficaz obstáculo que pode opor-se à difusão das ideias que se deseja não penetrem no espírito da população” (Gonçalves, 1963: 21-23); finalmente, explica que a “desinformação” desprende os indivíduos da antiga perspectiva ideológica, substituindo ou mesmo eliminando a velha formação. O objectivo da desinformação é, de acordo com Gonçalves, proteger uma ordem política que se considera adequada ou discriminar outra diferente. José Júlio Gonçalves considera, ainda assim, que por muito relevante que a Política de Informação possa ser, esta nunca fica alheia à influência “das correntes interiores, dos grupos de pressão, dos mitos, etc.”.
Analisando o que mais representativamente caracteriza as Políticas de Informação capitalista e comunista, o autor afirma que a primeira se qualifica a si própria como livre, aberta e democrática, sendo a segunda geralmente considerada condicionada, fechada e ditatorial. A indústria cultural nos países capitalistas tende, por outro lado, releva o autor, a ser propriedade de entidades privadas, enquanto nos países comunistas é propriedade do Estado.
Objectivando o assunto em questão, José Júlio Gonçalves adverte que não há, em nenhum lugar, uma Informação isenta de controlo directo ou indirecto, mesmo no estado mais representativo do mundo capitalista, os Estados Unidos. No entanto, o condicionamento legal da informação nas democracias capitalistas é admitido pelos cidadãos, apesar da existência de outros tipos de controlo exercido pelos grupos de pressão e pelo poder económico, à margem do Estado, para satisfação de interesses individuais. O autor explica, ainda, que nas democracias capitalistas, em concreto nos Estados Unidos, não há evidência de que a informação seja um instrumento do Governo, embora alguns meios possam servir os propósitos governamentais. José Júlio Gonçalves também não duvida que a propaganda técnica e cientificamente organizada é, depois da intervenção dos grupos e dos proprietários dos meios de comunicação, o fenómeno que mais alterações causa na objectividade da informação nos EUA. Para ele, a informação pode ser quer um meio de que se servem quer os particulares para atingir o poder, quer um meio do Poder para subsistir, impor-se ou convencer.
O autor sustenta que a propaganda no bloco capitalista nem sempre confunde, domina e orienta as pessoas tornando-as espiritualmente alienadas, uma vez que é impossível impedir os cidadãos de receberem notícias fidedignas e verídicas de outras fontes. Para ele, nas democracias a informação é relativamente livre, aberta e democrática, apesar de o controlo económico e social de natureza privada poder condicioná-la.
Seguidamente, José Júlio Gonçalves passa à análise da informação no bloco comunista, tomando como paradigma a informação na [antiga] URSS, que caracteriza como sendo condicionada, dado que era governamentalizada e partidária e tinha como objectivo principal a “educação” política e cultural do povo. Para Júlio Gonçalves, a informação na [antiga] URSS era fechada e ditatorial, o que decorre do controlo que os órgãos políticos exerciam sobre ela.
Segundo o autor, na URSS informação e propaganda eram fenómenos que se confundiam, uma vez que quem informa promovia “directa ou indirectamente, a doutrinação dos indivíduos” (Gonçalves, 1963: 27-30).
Refere ainda o autor, a propósito do carácter fechado da Informação no bloco comunista, que a imprensa permitiaaos seus colaboradores e leitores ocuparem-se de problemas políticos, possibilitando-lhes pequenas discordâncias. Quando se queria mostrar neutro, o Partido Comunista chegava a fomentar críticas na imprensa aos responsáveis particulares por quaisquer fracassos e deficiências. Isto leva José Júlio Gonçalves a considerar tendenciosos os que afirmavam que a informação da URSS era livre, classificando-a, ele, de “poderosa arma psicológica, que habilmente explora todas as fraquezas do adversário interno e externo” (Gonçalves, 963: 31-32).
O autor explica, também, que um dos mais importantes aspectos da vida e sociedade contemporâneas que a URSS parecia apostada em condicionar, gastando para tal somas astronómicas (objectivo a que se oporia a contrapropaganda anticomunista), era o impacto da Informação-Propaganda comunista no mundo não comunista, e conclui que tanto nos EUA como na URSS a informação parecia exprimir no início dos anos Sessenta uma tendência crescente para o aviltamento da sua essência, da sua estrutura, dos seus objectivos e da ética.
Tecendo considerações sobre as linhas principais da Política de Informação da Igreja Católica, instituição que José Júlio Gonçalves considera ser a maior autoridade moral no Ocidente, o autor afirma que esta igreja, guardiã da expansão do catolicismo, tem vindo a pugnar para devolver à informação a sua função social: ser objectiva, honesta, sem ferir a verdade e a moral. Essas recomendações da Igreja Católica, explica José Júlio Gonçalves, são dirigidas a todos os manipuladores da informação. O autor observa, ainda, que, para a Igreja Católica, o ideal seria a despolitização da informação, pois a mediação ideológica torna subjectivas e imprecisas as notícias que, às vezes, já de si, são um mero produto de mercado, uma mercadoria à venda. No entanto, segundo Júlio Gonçalves, a Igreja Católica está perfeitamente consciente de que a informação não escapa às deformações provocadas por erros humanos e erros de transmissão e circulação alheios a factores humanos.
Em seguida, José Júlio Gonçalves refere alguns aspectos curiosos relacionados com o facto do preço da informação ou a sua simples dádiva constituírem dois obstáculos à propagação e circulação das notícias. Dá como exemplos o facto de terem mais aceitação as notícias que se pagam a uma agência nacional ou mundial especializada do que as que a mesma agência oferece gratuitamente. Este fenómeno, de acordo com Gonçalves, tem diversas explicações, resultando, nomeadamente, dos elevados custos do dispositivo de verificação de notícias das agências, que permite ganhar a confiança dos destinatários, mas dificulta a difusão da informação. Aos obstáculos à difusão e circulação de notícias já indicados, o autor acrescenta, por exemplo, a carência de meios técnicos, a falta de quadros, os entraves burocráticos e o analfabetismo e não duvida que as maiores dificuldades a vencer pela informação autêntica são as inerentes aos aspectos negativos da Política de Informação, aludindo ao recurso à censura e a outros instrumentos eficazes e poderosos, postos em prática por governos com uma política menos aberta, como seria, aliás, o caso do Governo português de então.
José Júlio Gonçalves explica, ainda, que a evolução das mentalidades e das práticas gerou o direito à informação, o direito a informar e a obrigação de informar. Para ele, da informação como dádiva, como privilégio concedido pelos chefes (em que os veículos por excelência das informações eram a “viva voz” e o “boato”), evoluiu-se, com o advento da imprensa e dos modernos meios audiovisuais de comunicação social, para um sentido de responsabilidade perante a informação. Daí decorre a ideia de que todos os elementos que compõem a sociedade têm o direito de serem informados livremente e ao direito à informação segue-se a necessidade de opinar, de comunicar e informar livremente os outros. O autor refere, ainda, que através dos serviços de informação pública, os governos dos estados democráticos levam a cabo uma missão social institucionalizada que se exprime na obrigação de proporcionar informações relevantes aos cidadãos dos vários estratos sociais; porém, nos estados comunistas existem mecanismos de controlo que impedem os cidadãos da receberem informações que não interessam ao poder.
O autor considera que o princípio da liberdade de Informação tem preocupado diversos organismos internacionais, nomeadamente a ONU, que por imposição do artigo 19ª da Declaração Universal dos Direitos do Homem, tem proclamado amplamente a sua adesão a esse princípio com tripla forma – liberdade de informar, de informar-se e de ser informado. José Júlio Gonçalves refere, ainda, que também através da UNESCO se tem procurado obter a cooperação internacional com o fim de melhorar os meios de comunicação, de os tornar mais livres e de alargar as áreas que abrangem, para atingirem um número de pessoas cada vez maior.
Finalmente, no livro Os Meios de Comunicação Social à Luz da Sociologia, José Júlio Gonçalves (1972a), propõe uma análise sociológica aos problemas (étnicos/multiculturais) inerentes aos meios de comunicação social, , em termos genéricos ou recorrendo a um exame da realidade empírica. O memo tema é abordado na obra Efeitos dos Modernos Meios de Comunicação nas Sociedades Plurais (Gonçalves, 1972b), na qual o autor retrata, em especial, os múltiplos problemas que podem surgir devido a uma comunicação intercultural deficiente.
Segundo o autor, há três tipos de sociedades: 1) modernas, 2) tradicionais (também designadas primitivas ou arcaicas) e 3) pluralistas ou plurais. Uma sociedade pluralista resulta da interacção entre as duas primeiras, conjugando características de ambas mas caminhando no sentido de se transformar numa sociedade moderna. A sociedade tradicional é heterogénea, apresenta imobilismo tecnológico e resistência à mudança, bem como solidariedade de tipo tribal. Evolui lentamente. A “moderna”, caracterizada pela “europeidade”, é homogénea e culturalmente coesa e não apresenta entraves à mudança. A sociedade tradicional estaria em “processo de desagregação” (Gonçalves, 1972: 63); a moderna, de figurino ocidental, em expansão.
Na perspectiva de José Júlio Gonçalves, o crescente contacto das sociedades tradicionais com as modernas leva a mais rápidas transformações nas primeiras. Os media são, segundo o autor, uma peça chave nesse fenómeno: “as populações ainda tribalizadas, com o advento da televisão completarão o salto iniciado com a imprensa, o cinema e a radiodifusão sonora, de um sistema de comunicação de base marcadamente biológico-mecânico para, sem completo desaparecimento deste, um outro caracterizado pelo recurso a meios de comunicação de massa convenientemente estruturados e pelo aparecimento de novos líderes formais e informais, em que estes últimos tenderão a ceder o passo àqueles.” (Gonçalves, 1972a: 66)
Para José Júlio Gonçalves, quando “dois ou mais sistemas de comunicação se põem em contacto, o mais avançado tecnologicamente (...) acaba (...) por exercer uma espécie de dominância que produz uma série de efeitos sociológicos que vão desde a concessão e alteração de status até à modificação dos padrões de credibilidade e das pautas sociais, morais ou religiosas, etc., aproximando a cidade do campo, a riqueza da pobreza e, naturalmente, a própria sociedade moderna da sociedade tribal” (Gonçalves, 1972a: 66). A isto acresce que “Em geral, os mass media acumulam-se nas zonas citadinas, permitindo a formação, ali, de uma elite de proximidade, sem que o mesmo aconteça nas áreas rurais, não obstante estas constituírem verdadeiras reservas de valores que os meios de comunicação não revelam com a frequência com que o fazem em relação a quem está mais próximo.” (Gonçalves, 1972a: 66-67). Os valores das sociedades tradicionais, difundidos pelos respectivos sistemas comunicativos (simples, assentes em meios bio-mecânicos), mesmo quando arcaicos, funcionam, porém, explicita o autor, como travões aos processos de socialização e aculturação promovidos pelos media tecnologicamente avançados (sistemas comunicativos complexos) próprios das sociedades modernas. Mesmo assim, defende o autor, devido à acção dos media modernos sobre as sociedades tradicionais notam-se nestas últimas alterações nos estilos de vida, nas hierarquias sociais, nas relações entre as pessoas, nos padrões de conduta e, em suma, nas mentalidades. Mais, a imposição de sistemas mediáticos modernos às sociedades tradicionais, segundo Júlio Gonçalves, põe o domínio sobre os sistemas comunicativos nas mãos de profissionais, quando antes estava nas mãos dos líderes tradicionais.
Segundo José Júlio Gonçalves, as mensagens geram efeitos verticais (entre indivíduos de classe social diferente) e horizontais (entre indivíduos da mesma classe). No entanto, de acordo com o autor, quanto mais complexo e mutável é um sistema social, mais complexos e difíceis de detectar são os efeitos da comunicação social. Para ele, nas sociedades africanas, cada vez mais plurais (no sentido de misturarem traços modernos com traços arcaicos), é também cada vez mais difícil detectar e prever os efeitos dos media, até porque, nelas, o sistema comunicativo moderno coexiste com o sistema comunicativo tradicional. Contudo, o autor admite a existência de fenómenos de resistência cultural aos valores, modos de vida e atitudes propostos pelos media modernos. A resistência cultural seria mais forte nas sociedades plurais, já que estas manteriam sistemas comunicativos tradicionais paralelos aos modernos, enquanto as sociedades modernas seriam marcadas pela complexidade e mudança, estando mais abertas a câmbios culturais.
Nota-se, na obra, que o autor perfilha várias teses do interaccionismo simbólico. Para ele, as instituições e grupos sociais são as mais básicas estruturas que se formam entre indivíduos para a satisfação das mais básicas necessidades. Comunicar, neste contexto, é indispensável. Essas instituições e grupos são responsáveis pela atribuição dos papéis e estatutos sociais, fundamentais para a estabilidade e harmonia da sociedade. Esses estatutos e papéis são, no entanto, afectados pela comunicação. José Júlio Gonçalves afirma, nomeadamente, que os media têm contribuído para a ocorrência de mudanças nas instituições e grupos sociais, ao nível das posições, status, papéis sociais, relacionamentos, comportamentos, sentimentos de vinculação, identificação e participação, algo que se compreende porque as instituições se estruturam ao redor de “padrões, papéis e relações que os indivíduos realizam segundo determinadas formas sancionadas e unificadas com o objectivo de satisfazer necessidades sociais básicas e que os grupos são conjuntos de pessoas em interacção e comunicação obedecendo a normas, valores e interesses para concretizarem certos objectivos” (Gonçalves, 1972: 71). No contexto africano, que o autor tem presente, “os meios de comunicação (...) contribuem para acelerar o processo de destribalização” (Gonçalves, 1972a: 72) ao acelerarem os contractos entre sociedades, ao proporem novas formas de encarar o mundo e de agir e ao facultarem processos de aprendizagem social alternativos aos tradicionais. Um efeito semelhante, aliás, segundo o autor, ocorre em torno das famílias, que estariam, segundo José Júlio Gonçalves, em plena transformação, quer nas sociedades plurais, quer nas modernas, pesem embora os fenómenos de resistência à mudança. “Começa a não se poder ler o presente e menos ainda o futuro dos jovens no passado de seus pais”, salienta Gonçalves (1972a: 76). As mensagens mediáticas podem, aliás, contribuir para o surgimento de conflitos entre gerações, explica o autor.
Os meios audiovisuais, em particular a televisão, são, para José Júlio Gonçalves, os mais influentes nas mudanças sociais e nos processos de mobilidade social, gerando mudanças de padrões comportamentais e promovendo a uniformização de padrões culturais. Ele admite mesmo que a escalada social anda intimamente ligada ao grau de informação e de conhecimentos de cada indivíduo, condicionado pelos meios a que acede. Por outro lado, sustenta o sociólogo, os líderes tradicionais podem ser substituídos por líderes revelados pelos media, pois estes são mecanismos de vedetização e revelação de líderes. Os trabalhadores dos media, de acordo com Gonçalves, também aumentam o seu prestígio social, assegurando a sua própria mobilidade social ascendente. Em consequência, devido aos mass media, as sociedades tribais, prevê o autor, verão o seu sistema hierárquico antigo desaparecer, dando lugar a um sistema de modelo europeu.
O autor tenta também demonstrar que é através dos media que circula e é vinculada a propaganda e contrapropaganda, com vista à manipulação da opinião pública, especialmente de pessoas alheadas da vida politica, que não procuram, ou não têm acesso, aos melhores e mais diversificados meios de comunicação. No entanto, o autor reconhece que as mensagens veiculadas pelos media estão sujeitas a diferentes interpretações e a diversos níveis de aceitação, consoante as crenças, religião valores etc. dos receptores. Em certas situações, o autor admite mesmo a ocorrência do efeito boomerang: as mensagens não só não são aceites como originam efeitos contrários aos pretendidos, voltando-se contra o emissor. Por exemplo, procedimentos que na Europa se consideram correctos, fora dela mostram-se, por vezes, errados.
Assim, ao encarar os meios de comunicação social, em particular a televisão e a rádio, como “veículos de informação e (...) instrumentos de cultura” (Gonçalves, 1972a: 83), o autor atribui-lhes grandes responsabilidades e necessidade de sentido ético na selecção da informação transmitida, pois conseguem afectar os valores fundamentais e geram mudanças de mentalidade. Estes aspectos estão intimamente ligados à problemática da doação cultural (mas também da propaganda e contrapropaganda), pois, segundo o autor, há culturas doadoras e culturas recebedoras. No processo de doação e recepção cultural jogam-se, diz Gonçalves, a aceitação ou recusa de valores, crenças, atitudes, comportamentos, etc.
Questionando-se sobre a influência da comunicação social sobre a segurança interna e externa de um país, o autor relembra que um variado número de informações veiculado pelos media pode ser usado pelos adversários desse país em seu próprio proveito, para além de os meios poderem ser usados como veículos de propaganda e contrapropaganda. Aliás, relembra José Júlio Gonçalves (1972a: 88), “o poder virtual de uma falsa notícia é sensivelmente o mesmo do que uma notícia verídica.” Por outro lado, quando um órgão jornalístico se vê compelido pelas autoridades a emitir desmentidos frequentes, cai no descrédito: “O desmentido (...) pode fazer-se indirectamente. Deixa-se ao público o entendimento da comunicação não-directa sobre a notícia ou boato e evita-se, por vezes, que a dúvida e a desconfiança se ampliem. O desmentido directo alarga a audiência e faz desconfiar. (...) Desmentir e rectificar notícias são, pois, tarefas que requerem certos cuidados” (Gonçalves, 1972: 87).
A partir desse ponto, o autor aborda a questão da objectividade jornalística, reconhecendo que não é possível dar “informação pura”, nem sequer nos meios audiovisuais, mas que é possível pugnar por uma “informação objectiva” que cubra “sectores significativos do assunto, embora mesmo esta deva, na sua óptica, ser “limitada por valores essenciais”, para não conflituar com “os pilares da nossa existência”, pois “objectividade não é sinónimo de verdade” (Gonçalves, 1972a: 88 e 90). De qualquer maneira, o autor reconhece ao receptor uma lata liberdade interpretativa e de aceitação ou rejeição das mensagens, embora temperada pelo grau de sugestibilidade destas últimas, em função de factores como a educação, a cultura, a religião, a ideologia, a localização geográfica, o sexo, a ocupação, a capacidade, etc.
Prosseguindo a sua análise sociológica dos meios de comunicação, José Júlio Gonçalves refere que, tendencialmente, os media escrevem/dizem o que as pessoas querem ouvir/ler, para captar audiências. Os programas televisivos e radiofónicos, as páginas dos jornais e revistas, ressentem-se, de acordo com José Júlio Gonçalves (1972a: 92), da “mediocridade do gosto popular”, dominante.
No que respeita ao jornalismo propriamente dito, o autor relembra a “dissonância resultante de algumas notícias e reportagens (...) serem incompatíveis umas com as outras” e o facto de “nos telejornais a imagem desmentir, por vezes, a palavra ou esta aquela” (Gonçalves, 1972: 92-93). Aliás, salienta: “Este mesmo fenómeno ocorre (...) devido à variedade de meios e suas ideologias, orientações, deficiências, etc., ou, noutra perspectiva, devido a distorções, localizações intencionais ou não das notícias, choque de informações, qual wagon effect, etc.” (Gonçalves, 1972a: 93). E prossegue: “Quando a dissonância ocorre ou a orquestração fica à vista, há tendência para a neutralizar, para reduzir tal dissonância. É uma tentação que envolve o risco de efeito boomerang” (Gonçalves, 1972a: 93), pelo que, inclusivamente, diz o autor, há quem procure reduzir a dissonância de forma implícita e não explícita, recorrendo, por exemplo, não a um desmentido, mas sim a uma nova notícia que passe uma mensagem contrária à que se quer desmentir.
O autor recorda, finalmente, que os meios propõem modelos sociais e projectam, frequentemente, estereótipos. Ora, se “noticiar e fazer reportagem são duas funções primordiais dos meios de comunicação social” (Gonçalves, 1972a: 97), então torna-se necessário que os jornalistas tenham uma profunda preparação, incluindo uma boa formação etnológica, para não cometerem erros graves nem gerarem efeitos de boomerang. Um vocábulo usado sem problemas na Europa, por exemplo, pode ferir susceptibilidades em África, relembra. Contudo, José Júlio Gonçalves, sem desculpabilizar os erros jornalísticos, também reconhece, para finalizar, que “recolher, verificar, seleccionar informações para fazer notícias, elaborar um telejornal, etc. não é tarefa fácil” (Gonçalves, 1972a: 98).
4.9 Uma obra colectiva e multitemática: Imprensa: Informar ou Deformar?
Imprensa: Informar ou Deformar? é uma obra colectiva de vários jornalistas portugueses e estrangeiros, coordenada pelo jornalista Viale Moutinho, na qual se expõem temas que vão da liberdade de imprensa à condição de jornalista.
Viale Moutinho (1971: 7), no prefácio, escreve que a liberdade de imprensa é “uma porta aberta para um amplo e salutar usufruto da verdade”, mas considera que a imprensa portuguesa, no início dos anos Setenta, estava “cercada por todos os lados”, como defendia o Instituto Internacional da Imprensa.
Costa Carvalho reflecte, por seu turno, sobre a condição de jornalista. Em primeiro lugar, este autor parte do princípio de que o jornalista é, antes de mais, “homem de carne e osso” (Costa Carvalho, 1971: 8), havendo que distinguir, portanto, o jornalista como pessoa do jornalista como profissional. O autor defende o ensino do jornalismo como forma mais óbvia de aceder à profissão e a adopção pelos jornalistas portugueses das regras deontológicas dos jornalistas franceses.
Rui Osório, num texto sobre temas diferentes, ainda que interligados, defende a liberdade, a democracia e a acção fortalecedora do jornal sobre as bases da democracia, em especial sobre o “diálogo plural” (Osório, 1971: 42). O autor chega mesmo a citar Dovifat, que dizia que o jornal é um “órgão da democracia”.
Para Osório (1971: 43), “Sem informação não há opinião pública. Ela é o resultado da adesão livre dos receptores dos conteúdos de polarização propostos pelos promotores. Nasce do diálogo plural e contrastante”. Portanto, o autor, recordando, inclusivamente, as palavras do papa Pio XII, afirma, reportando-se à liberdade de expressão e de imprensa, que é uma “desdita” quando “o direito de todos se torna em privilégio de uns poucos” (Osório, 1971: 44). Rui Osório defende, assim, o princípio da liberdade de imprensa, na sua dupla vertente técnico-económica (existência de vários e alternativos meios de informação) e política (garantia legal da liberdade de expressão e de imprensa).
Qual o papel do jornalista numa sociedade livre onde exista jornalismo livre? Rui Osório procura responder a esta questão afirmando que ao jornalista cabe a proposição de “conteúdos de polarização” aos leitores, que, igualmente livres, emitem opiniões sobre os conteúdos que lhes são apresentados. Essas opiniões “postas em contaste, enriquecem e estimulam a boa marcha da sociedade” (Osório, 1971: 46). Assim sendo, ao jornalista, na versão de Osório, exige-se responsabilidade e formação superior universitária, técnica, cultural, ética e humana.
Para finalizar, Osório recorda aquelas que na sua versão são as modernas teses da história do jornalismo, que a dividem em proto-história do jornalismo e três épocas históricas: a do predomínio do jornalismo ideológico; a do predomínio do jornalismo informativo; e finalmente a evolução para o jornalismo de profundidade, em que a imprensa se afirma como concorrente e complemento da rádio e da televisão, já que estas podem adiantar-se aos jornais na divulgação da notícia, mas estes podem interpretá-la.
Para além de textos que já referimos anteriormente, o livro organizado por Viale Moutinho traz uma derradeira contribuição de um autor português: o artigo “Dignidade da imprensa e dignificação da palavra”, de Nuno Teixeira Neves (1971), que o mesmo autor tinha publicado autonomamente em 1969.
Nesse texto, Nuno Teixeira Neves considera o problema da falta de liberdade de imprensa o principal dos problemas dos jornalistas portugueses do final do Estado Novo. Levanta, porém, dois outros problemas: “a ineficácia, por falta de vigor, daquilo que (...) deixam escrever” e “a destruição da palavra na consciência de quem escreve (...), a (...) ineficácia para a verdade ou (...) a (...) castração como seres voluntariosos e inteligentes” (Neves, 1971: 52).
O autor defende que a censura, em Portugal, resultava, em grande medida, da “incapacidade de as elites manejarem a contradição”, sendo necessário, por isso, defender “a legalidade da contradição” (Teixeira , 1971: 52). Por outro lado, a alegada ineficácia do jornalismo na transformação do país resultava, na versão do autor, da censura, que destrói a inteligência e a expressão e limita o debate e o conhecimento, mas também das rotinas profissionais que tornavam as palavras ocas e repetitivas, empobreciam a cultura e diminuíam o estatuto da Língua Portuguesa. Apesar de tudo, Nuno Teixeira acreditava que em Portugal se tinha desenvolvido uma impressionante capacidade de escrever e ler nas entrelinhas, única forma de contornar a censura.
Para concluir, o autor pedia, na altura, “palavras eficientes (...), que sejam um modo de participar na justiça e na dignidade nacionais, uma das ferramentas com que se construa um país moderno” (Neves, 1971: 59).
4.10 Pinto Balsemão (1971): a informação na sociedade tecnetrónica
Escrito no calor das convulsões que ditaram o fim do Estado Novo e propiciaram a Revolução de 25 de Abril de 1974, Informar ou Depender?, do então deputado à Assembleia Nacional e jornalista Francisco Pinto Balsemão, que futuramente viria a exercer o cargo de primeiro-ministro de Portugal e é hoje um dos “patrões” dos media portugueses, é talvez o livro mais relevante sobre jornalismo, desenvolvimento tecnológico e sociedade publicado em Portugal, por um autor português, no início da década de Setenta do século XX, pois não apenas discute as questões relativas à liberdade de imprensa e à proposta de Lei de Imprensa que o autor tinha elaborado com Sá Carneiro e proposto ao Parlamento, mas também diagnostica o estado do jornalismo e, em tom de grande actualidade, conjectura fundamentadamente sobre o futuro desta actividade de comunicação social no quadro de uma sociedade tecnologicamente avançada e marcada pelo recurso massivo aos computadores. É extremamente interessante notar que mesmo desconhecendo a Internet e a convergência concreta entre informática, televisão e telecomunicações, Pinto Balsemão, suportado pela leitura de variadíssimos trabalhos, já tinha uma percepção muito nítida daquilo que seria a sociedade no início do século XXI, embora, obviamente, não designe os artefactos comuns do nosso quotidiano actual pelos mesmos nomes que nós lhes damos. É um livro com quarenta anos, mas que não perdeu uma certa actualidade, ao discutir muitos dos problemas do Jornalismo que ainda hoje se discutem.
Pinto Balsemão antecipa as características da comunicação na actualidade. Questiona-se, a propósito, sobre a necessidade de uma língua mundial única; o aumento dos contactos pessoais a longa distância; a diminuição das deslocações pessoais; e ainda sobre a (im)praticabilidade da manutenção das barreiras de censura por parte dos estados. A palavra-chave, segundo Francisco Pinto Balsemão, para o sucesso da adaptação dos seres humanos à sociedade informatizada e tecnetrónica é educação.
O autor faz, por outro lado, a distinção entre informação e Informação (com maiúscula). O primeiro conceito reporta-se às informações corriqueiras; o segundo designa o sector dos mass media. O autor considera que a Informação deve ser livre e afirma que a edificação dos alicerces da sociedade do século XXI depende da Informação livre, nos termos colocados pela Escola de Jornalismo da Universidade do Missouri (independência, possibilidade de crítica, propriedade da Informação não concentrada). Repudia, no entanto, a ideia da nacionalização da imprensa para lhe assegurar a liberdade, pois essa solução pode significar perda de independência e qualidade. Em acréscimo, Pinto Balsemão estabelece uma correspondência entre liberdade de informação e desenvolvimento, sendo que a primeira seria indispensável para o segundo. Para ele, “a Informação livre de interferências serve a comunidade e contribui para o seu avanço”. E explica:
“Os mass media serão tanto mais eficazes quanto maior for o avanço tecnológico do país ou do grupo de países onde se produzem. (...) Através deles a cultura perde qualidade, mas ganha em número de pessoas atingidas. Isto significa que a cultura deixa de constituir privilégio de uma elite para ser partilhada pela maioria (...). Porque essa cultura de massas não poderá nunca corresponder à cultura usufruída por aquele escol, os seus objectivos, a sua profundidade, o seu conteúdo, a sua própria natureza terão de ser distintos. (...) Cultura geral (na acepção enciclopédica) é expressão ultrapassada: as pessoas apenas têm capacidade para tomar conhecimento dos princípios genéricos relacionados com os principais problemas do seu tempo (...) e para se especializarem, por gosto ou por necessidade, em alguns assuntos. Para além do verniz geral, a que se acede (e que se mantém) por educação de base (...) e pelos meios de comunicação de massa, a cultura torna-se portanto uma questão de opção (…) por certos assuntos; imediata rejeição por falta de tempo e de memória, de todos os outros”.
O computador, segundo Pinto Balsemão, poderá ser aproveitado em actividades culturais, o que “significará um acréscimo de produção cultural” e maiores possibilidades de apreender a cultura. Mas se o desenvolvimento informático é diferenciado, reflecte Balsemão, se nem todos têm acesso ao computador, então também se poderão formar hiatos culturais; por outro lado, se todos usarem computadores, então caminhar-se-á para uma globalização da própria cultura, acedida através deles. A Revolução Tecnetrónica, nas palavras de Adriano Moreira, citado por Pinto Balsemão, gerará ainda a “progressiva internacionalização da vida privada”. Aos políticos competirá, então, encontrar medidas que permitam adaptar o desenvolvimento tecnetrónico aos valores e cultura próprios de cada povo.
Debruçando-se, especificamente, sobre as transformações do jornalismo numa sociedade tecnetrónica, Pinto Balsemão reserva à Informação grande parte da responsabilidade pela preservação das culturas nacionais, regionais e locais, pela comunicação inter-cultural, pela manutenção das liberdades individuais e ainda pela formação continuada dos indivíduos.
Balsemão antecipa, ainda, a era da Internet e das comunicações globais, antevendo que no futuro seria possível, como veio a acontecer, escolher entre centenas de emissões de rádio e televisão, aceder a jornais por via electrónica, personalizar a recepção dos conteúdos e usufruir de bibliotecas digitais. Adivinha, nomeadamente, a possibilidade de um jornal ter várias edições regionais, impressas em cada região. Diz, conforme veio a acontecer, que jornais, rádios e televisões teriam alcance mundial, por via electrónica. E pondera mesmo sobre apossibilidade de sobrevivência dos jornais em papel, sobre se estes beneficiariam, de alguma maneira, do progresso tecnológico, e sobre se as empresas de imprensa teriam de fabricar um produto diferente do da época em que escreveu o livro para conseguirem sobreviver numa sociedade tecnetrónica.
No que respeita à produção jornalística, Francisco Pinto Balsemão também é bastante apurado na sua antevisão da sociedade tecnetrónica contemporânea, prognosticando a massificação da redacção e investigação assistida por computador, as potencialidades que este traria para o armazenamento e gestão das notícias e das fotografias em bases de dados, a possibilidade de o repórter vir a usar uma “telemáquina de escrever portátil” que lhe permitiria enviar por telefone ou radiotelefone (telemóvel, portanto) o seu texto para a redacção, que poderia ser corrigido de imediato pelas chefias, etc.
O autor reflecte sobre um outro obstáculo à independência da informação: a concentração da propriedade dos media. Para ele, existe a possibilidade de se formarem monopólios mediáticos que dominem o hardware de produção, gestão e distribuição de conteúdos, o que permitiria a uma minoria economicamente poderosa garantir o acesso a informação reservada, perpetuando-se no poder devido ao aumento constante do hiato de conhecimento que a separaria do resto da população, pois “aflitiva é a tendência para a Informação independente deixar de ser a mais bem informada.” Assim, “para que a Informação permaneça na primeira linha do noticiário, para que o poder político e o poder económico não se tornem invulneráveis à actuação da Informação, é indispensável que esta disponha dos meios técnicos que assegurem a livre circulação de todas as notícias e impossibilitem a criação de núcleos de informação só acessível a determinados grupos”, algo a que, segundo Balsemão, só empresas jornalísticas fortes e rentáveis poderão aspirar.
Neste quadro, Pinto Balsemão sugere que a concentração monopolística das empresas mediáticas, em curso no Ocidente, pode contribuir para agravar o problema atrás equacionado, ao eliminar a concorrência em benefício de alguns e ao restringir as vozes públicas, afectando, portanto, a liberdade de expressão e a liberdade de informação (que seguiria os ditames do Governo ou do grupo económico proprietário). Apesar de tudo, diz o autor, “até certo ponto, uma concentração limitada seria aconselhável e desejável em Portugal” para fortalecer as empresas jornalísticas, até porque são necessários vultuosos investimentos para dar resposta às maiores exigências do ouvinte/leitor, às reivindicações sindicais (que aumentam a despesa) e ao investimento constante em novas tecnologias.
Francisco Pinto Balsemão observa, seguidamente, o cenário potencialmente reservado às publicações e emissoras regionais, ameaçadas por vários fenómenos: o desprezo dos particularismos regionais e locais no quadro da cultura de massas fomentada pelos meios de comunicação social de âmbito nacional; os elevados investimentos de que necessitariam para acompanhar a Revolução Tecnetrónica; e a falta de profissionalização dos colaboradores da imprensa regional e local, em especial em Portugal. No entanto, o autor acentua que a imprensa de carácter nacional e a imprensa de carácter regional e local podem conviver desde que respeitem os seus territórios específicos, até porque a proximidade da imprensa regional e local ao seu público-alvo dá-lhe um trunfo que não pode ser desprezado. De qualquer modo, para Pinto Balsemão a imprensa regional e local só conseguiria sobreviver se investisse em tecnologia e na contratação de jornalistas profissionais e na produção de conteúdos de qualidade capazes de vender, o que implicaria a concentração da propriedade e o abandono do amadorismo.
Seguidamente, o autor relembra que, por motivos técnicos, comerciais e de simples bom senso se torna necessário seleccionar e hierarquizar os conteúdos em função do perfil editorial de cada órgão jornalístico, havendo, para ele, a considerar três grandes tipos de jornais: jornais de qualidade, que servem as elites; jornais populares; e jornais meio-termo.
O jornal de qualidade, segundo Balsemão, “dirige-se (...) à inteligência dos leitores. Não recorre às emoções, não apela para o sentido estético do público, nem se serve de grandes fotografias ou de paginações especialmente sugestivas. Limita-se a informar, a interpretar e a valorizar os acontecimentos, a emitir opiniões por intermédio dos seus redactores ou de colaboradores qualificados. Não tem a pretensão de cativar todo o público, mas simplesmente uma elite preparada para o ler e compreender. Publica mais artigos, comentários e críticas do que propriamente reportagens ou entrevistas. Dedica-se à política nacional e internacional, aos problemas técnicos, culturais, financeiros, económico-sociais, em detrimento do fait divers (...), prefere as notícias comentadas (news analysis) (...) aproveitando a oportunidade para a confrontar com outros factos (...) e lança previsões (...). Em certos casos são vendidos a um preço mais elevado.”
O jornal popular ou de sensação, conforme o autor, está nos antípodas do jornal de qualidade, preferindo notícias e temas leves e capazes de interessar a um grande número de pessoas, incluindo notícias sobre a vida privada das celebridades e notícias chocantes, tem um design sugestivo e apelativo e recorre a fotografias chamativas.
O jornal de meio-termo equilibra características dos dois tipos anteriores, para assegurar vendas sem macular o seu prestígio. Distingue-se pela leveza dos conteúdos, mas sem abandonar a seriedade e rigor com que são noticiados e analisados.
Para o autor, a priorização do lado comercial das empresas de Informação afecta a sua independência, pois “Cada vez mais parecem ser os gostos do consumidor que impõem a linha de orientação do meio de comunicação social, em vez de ser este, com autonomia e capacidade, a dirigir e a adiantar-se sobre a evolução da sua comunidade. Exemplo flagrante desta inversão de posições e de valores é o da importância por vezes assustadora que o marketing adquiriu (...) no sector das empresas de Informação”. O autor prossegue dando exemplos de como, com recurso aos computadores, vários jornais um pouco por todo o mundo automatizavam e rotinizavam os processos jornalísticos de maneira a agradar aos leitores, cujas preferências eram diagnosticadas através do recurso intensivo e científico ao marketing. Ora, se para Balsemão o marketing tem o aspecto positivo de obrigar as empresas de Informação, enquanto empreendimentos comerciais que são (e “não instituições de caridade”), a “atentarem nas necessidades da sua clientela” e não somente nas ideias dos proprietários e directores, também não é menos verdade que “a tendência (...) para actuar apenas em função da reacção do consumidor do produto se afigura excessiva e atentatória da independência da Informação.” Impõe-se, então, de acordo com o autor, um equilíbrio, para que sejam “os media a influenciar a massa, e não [apenas] a massa a influenciar os media”.
Na segunda parte do livro, devotada ao estudo da conjuntura informativa nacional, Francisco Pinto Balsemão, citando estatísticas, procura aduzir razões para a Informação portuguesa não cumprir em plenitude a sua missão na comunidade e o seu papel de apoio ao desenvolvimento do país. Encontra motivos do falhanço da Informação nacional na “falta de independência, que provoca a falta de capacidade” e vice-versa. A censura prévia, na sua visão, era então o principal obstáculo à independência dos meios jornalísticos e o principal agente perversor da opinião pública, embora nos meios controlados pelo Governo e pela Igreja também se verificassem fenómenos de auto-censura.
Manifestando-se, porém, apostado em que a nova Lei de Imprensa que Portugal teria a partir de 1972, apesar de quase certamente baseada unicamente na proposta do Governo, pudesse, apesar de tudo, substituir a arbitrariedade da censura por uma certa legalidade, Balsemão considera-a uma “oportunidade única” para o jornalismo português. A reboque desse raciocínio, pega, então, no velho tema da formação de jornalistas, para insistir na instituição de um curso superior de jornalismo “com carácter permanente”, pois, diagnostica, os jornalista portugueses começavam a exercer a sua profissão sem terem adquirido conhecimentos especializados sobre o modo de a exercer. “A questão das vantagens das Escolas de Jornalismo está actualmente ultrapassada. Já ninguém discute que o jornalismo, como qualquer outra profissão, pode e deve aprender-se em cursos para o efeito criados”, escreve Balsemão, admitindo, inclusivamente, uma certa receptividade do Governo para levar a proposta avante.
Para o autor, um bom curso de jornalismo deveria aliar uma sólida formação em ciências sociais e humanas às disciplinas de cariz jornalístico e teria de ser ministrado nas Universidades e não noutra instituição, pois só num contexto de autonomia universitária seria possível evitar que fosse politizado.
O autor recorda que há autores que perfilham a tese de que a censura à imprensa que então vigorava em Portugal seria irrelevante num tempo em que a televisão por satélite e os bancos de dados electrónicos acessíveis por computador a tornariam obsoleta, pelo que não faria grande diferença existir legislação restritiva da liberdade de imprensa. No entanto, a esse raciocínio Pinto Balsemão opõe os seguintes argumentos: 1) A palavra escrita deve ser valorizada por estimular à reflexão e impedir o “homem unidimensional” de que falava Marcuse; 2) A imprensa deve ser independente dos poderes político e económico, nacionais ou internacionais, sendo importante instituir para a mesma condições de vida autónoma; e 3) É à Informação de cada país que cabe combater os efeitos uniformizantes da Informação planetária, influenciada pelos grandes potentados da globalização.
Considerações finais
Entre 1958 e 1974, num tempo em que a contemporaneidade batia à porta de Portugal, sentem-se, entre os diferentes autores portugueses que teorizaram o jornalismo, as tensões entre as formas antigas de pensar e de fazer as coisas e aquelas que os novos tempos prometiam.
I
Os anos entre 1958 e 1974 foram importantes para a afirmação do jornalismo em Portugal, inclusivamente porque este deixou de estar estritamente associado à imprensa – a rádio modernizou-se e introduziu-se a televisão. Foi, portanto, um tempo em que a contemporaneidade bateu à porta do País e em que a revolução tecnológica – tecnetrónica, conforme o termo cunhado por Francisco Pinto Balsemão – transfigurou a paisagem mediática. Prova disso, surgiram trabalhos sobre radiojornalismo e telejornalismo e sobre rádio e televisão em geral, nos quais se nota tanto uma intenção de aprofundamento reflexivo sobre a natureza, funções sociais e efeitos desses meios, como uma manifesta preocupação explicativa e pedagógica acerca dos mesmos, das suas linguagens e das técnicas jornalísticas que neles poderiam ser empregues. Mas a teorização produzida foi mais longe e procurou contribuir para apurar o efeito dos meios jornalísticos, nas pessoas e nas sociedades. Os trabalhos de José Júlio Gonçalves sobre a influência da rádio e da televisão nos processos de destribalização têm, nesse contexto, o apelo especial de se reportarem à realidade colonial portuguesa. Outros autores, como Avelino Gonçalves, atribuem aos meios um poder quase omnipotente na condução das orientações cognitivas e comportamentais das pessoas, pelo que encontram aí uma justificativa para a repressão da liberdade de imprensa.
II
Há também, entre 1958 e 1974, um prolongamento das tensões entre a pulsão jornalística para a liberdade de imprensa e as tentativas de controlo e censura da informação emanadas do regime ditatorial do Estado Novo. De facto, grande parte da reflexão produzida sobre jornalismo em Portugal entre 1958 e 1974, conforme acima se provou, orbita em torno da questão da liberdade de imprensa. Os autores discutiram, principalmente, e com surpreendente frontalidade, qual o grau de liberdade que deveria ser concedido à imprensa, e fizeram-no analisando as leis e até propondo novos ordenamentos jurídicos (caso de Magalhães Godinho, 1971). Carvalho e Cardoso (1971), por exemplo, deram-se ao trabalho de comparar regimes de liberdade de imprensa em vários países do mundo. Algumas questões então discutidas eram as seguintes: A censura teria razão de existir como elemento de defesa das sociedades das opiniões que as possam desestabilizar ou é um instrumento anacrónico que atenta contra a liberdade de expressão do pensamento? As mensagens do exterior contra o regime ditatorial e colonialista do Estado Novo, trazidas, por exemplo, pelas rádios estrangeiras, seriam propaganda que teria de ser combatida? Salvaguardando a Constituição a liberdade de expressão do pensamento, teria a sociedade alegado direito a uma defesa colectiva contra a expressão pública, através da imprensa, de pensamentos “que a desorientem contra a verdade, a justiça, a boa administração e o bem comum”, ainda que fosse reconhecido a cada português o direito de ter convicções pessoais? Mas se o juiz era parte interessada, como assegurar a independência e isenção de quem praticava a censura? Poderia o criticado ser igualmente juiz da crítica? Questões candentes num passado recente do país...
Diga-se que a censura operava também contra as publicações estrangeiras que poderiam penetrar em Portugal. Isto é, não eram autorizadas publicações estrangeiras que trouxessem conteúdos que os meios portugueses fossem impedidos de veicular. Aliás, nota-se na prosa de vários dos autores acima referidos – incluindo o próprio Marcelo Caetano – uma atitude ressabiada contra a imprensa estrangeira e as grandes agências internacionais de notícias, acusadas de estarem ao serviço dos interesses estrangeiros contra o Estado Português. Paradoxalmente, portanto, argumentos “anti-imperialistas” que não desdenhariam aos marxistas eram, afinal, também invocados pelos apoiantes de um regime anti-marxista, de matriz tradicionalista católica, como era a ditadura corporativa do Estado Novo. Neste contexto, deve ser feita uma chamada de atenção para o sentimento anticapitalista notório no Estado Novo – alimentado, certamente, pelo anticapitalismo católico. São vários os autores – como Nuno Rosado – que já então, nos idos de sessenta e início de setenta (e mesmo antes – ver Sousa, 2008b), proclamavam o perigo do jornalismo se colocar ao serviço não da “sociedade”, do “bem comum”, do “interesse público”, mas sim do poder económico por trás das grandes empresas jornalísticas.
III
Um outro foco de tensão entre as formas de ver as coisas do passado e dos anos sessenta e setenta residia na definição do que era ser-se jornalista. O jornalista “nasce feito” ou pode “fazer-se” em escolas de jornalismo? Seriam os dotes pessoais, literários e retórico-persuasivos a fazer um jornalista, ou a sua capacidade de obter, processar e difundir informações nos meios de comunicação social? Seria o jornalismo uma mera manifestação literária, uma forma de expressão humanística? Ou seria uma actividade profissional, uma arte liberal, na qual pontificaria a figura do repórter? Poderia ser o jornalismo aprendido e deveriam, ou não, criar-se escolas de jornalismo, inclusivamente ao nível universitário? Recorde-se que para autores como Jacinto Ferreira ou Marques Gastão “um verdadeiro jornalista” não seria o profissional da reportagem, mas sim o “homem de letras” que, sem necessidade de formação específica em jornalismo, espalhava a sua cultura e erudição pelas páginas dos jornais, cumprindo a sua vocação de “escritor público” ou de “escritor de jornais”. Porém, para outros, como Nuno Rosado e Mário Matos e Lemos, o jornalista é o repórter que lida quotidianamente com a novidade e que necessita de formação específica, superior, para saber obter e processar correctamente a informação, pois a “tarimba” revelava-se insuficiente. É nesse sentido, aliás, que aponta o projecto do Sindicato Nacional dos Jornalistas, de 1971, para a criação de um estabelecimento de ensino superior de jornalismo em Portugal que permitisse a atribuição de graus de licenciado e doutor em Ciências da Informação. Isso mostra que os jornalistas portugueses estavam já suficientemente profissionalizados para exigirem o substrato teórico – e também o legal e deontológico – passível de dar consistência à sua actuação profissional. Portanto, ao contrário do que, por exemplo, pretende Sobreira (2003, p. 168), os constrangimentos à liberdade de imprensa não parecem ter sido relevantes para um alegado atraso na afirmação do jornalismo como profissão em Portugal. Pelo contrário, o caminho em direcção à profissionalidade jornalística no país vem de há muito tempo atrás – por exemplo, o discurso moralizador em torno da imposição do respeito pela verdade aos redactores de periódicos, sinal da congregação de uma comunidade de profissionais em torno de uma ideologia profissional e da disseminação dos princípios fundadores da consciência profissional, já surgia na reflexão seiscentista (Azevedo, 1644) e provém dos valores transmitidos ao jornalismo pela historiografia clássica, até porque, na sua génese, jornalismo e historiografia não se distinguiam (Sousa, 2008a).
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[1] Há várias propostas para a periodização do jornalismo em Portugal no século XX. Tengarrinha (1989: 17) sustenta que o jornalismo nesse século pode todo ele ser inserido na fase de organização industrial da imprensa. Adriano Duarte Rodrigues (1999: 73) sugere que o Estado Novo marca um período específico do jornalismo em Portugal, no que é acompanhado por Matos e Lemos (2006: 30).
[2] No último programa, usou-se pela primeira vez o teleponto na televisão portuguesa. Foi um programa triste em que o presidente do Conselho, a propósito de uma sublevação militar nas Caldas da Rainha, antecedente do 25 de Abril, se queixava do “mundo selvagem”.
[3] Ambos vieram a exercer o cargo de primeiro-ministro após a queda do regime.
[4] Ver abaixo, por exemplo, as referências aos projectos do Sindicato Nacional dos Jornalistas sobre a Lei de Imprensa e sobre a instituição de um curso superior de Jornalismo no país.
[5] Foi o tempo da modernização das redacções, da introdução massiva das máquinas de escrever, dos gravadores, dos telexes, da generalização do recurso ao telefone, até aí parcamente usado. Foi também o tempo da introdução do offset.
[6] Neste ponto, permitimo-nos discordar de Tengarrinha, pois os primeiros jornais portugueses do século XVII já evidenciavam características noticiosas, sendo de fácil leitura. Isto é, no século XVII já se encontra no periodismo nacional um estilo jornalístico bem definido, que Tengarrinha identifica apenas no século XIX.
[7] O curso, teórico-prático, foi ministrado na própria sala de redacção, ao longo de três semanas, a 25 formandos, por pessoal do quadro do Diário Popular. Após provas escritas e orais, os quatro melhores foram convidados para integrarem a redacção do periódico.
[8] O curso decorreu ao longo de quatro meses, com aulas teóricas e práticas em várias áreas (língua, técnicas jornalísticas, cultura para a informação...), com exame final.
[9] Números avançados pela revista Vida Mundial de 30 de Maio de 1969.
[10] Manuel da Silva Costa (presidente do SNJ), Jacinto Baptista, João Gomes, Cáceres Monteiro (secretário), José Lechner (formado pela Escola Superior de Jornalismo de Lille e pelo Instituto Francês da Imprensa da Universidade de Paris, Oliveira Figueiredo (formado pela Escola de Jornalismo da Igreja, de Madrid), Carlos Ponte Leça (formado na Universidade de Navarra) e António dos Reis (formado pela Universidade Internacional Pro Deo, de Roma).
[11] Na realidade, os princípios são os da retórica clássica (acontecimento, sujeito, lugar, tempo, modo, causa), adaptados ao jornalismo... e o autor não refere o “Como?”.