José Agostinho de Macedo

O contributo de José Agostinho de Macedo para a crítica ao jornalismo em Portugal

Jorge Pedro Sousa, Carlos Duarte, Nair Silva, Eduardo Zilles Borba, Gabriel Silva, Patrícia Teixeira e Mônica Delicato

Universidade Fernando Pessoa e Centro de Investigação Media e Jornalismo

» Texto publicado integral ou parcialmente em:

Actas das IV Jornadas Internacionais de Jornalismo

Biblioteca On-Line de Ciências da Comunicação (www.bocc.ubi.pt)

» Trabalho apresentado em:

IV Jornadas Internacionais de Jornalismo

VI SBPJor - VI Congresso Brasileiro de Pesquisadores em Jornalismo

Resumo

Nascido em 1761 e falecido em 1831, José Agostinho de Macedo foi um desbragado e truculento polemista português que se distinguiu, entre outros aspectos, pela crítica feroz que, após a Revolução Liberal de 1820, fez ao jornalismo panfletário e “partidário”, à proliferação de periódicos e à liberdade de imprensa. Sendo uma figura controversa, Agostinho de Macedo suscitou o interesse de autores tão insuspeitos como Teófilo Braga e Inocêncio Francisco da Silva (1898), mas até ao momento não foi feita qualquer abordagem específica à actuação de Macedo como crítico do jornalismo. Este trabalho pretende contribuir para o conhecimento da teoria crítica do jornalismo desenvolvida por Macedo, defendendo-se nele a tese de que o referido autor merece ser considerado um dos progenitores portugueses de uma Teoria Crítica do Jornalismo, pois identificou alguns dos problemas que levariam o jornalismo panfletário artesanal a ser substituído pelo jornalismo informativo industrial ainda no decorrer do século XIX.

Palavras-chave: José Agostinho de Macedo; história do jornalismo; Portugal; liberdade de imprensa; crítica da mídia/teoria crítica.

Introdução

Em 1820, estava D. João VI no Brasil, a Revolução Liberal eclodiu em Portugal, no Porto, no dia 24 de Agosto. Esta sublevação, encorajada pelo exemplo espanhol, país onde o Rei, D. Fernando VII, tinha sido obrigado a aceitar uma Constituição liberal, representou o fim do Antigo Regime no País, pese embora o curto período de retoma do Absolutismo, protagonizado por D. Miguel, desde 1828 até à sua derrota, no desfecho da Guerra Civil, em 1834.

Os revolucionários vintistas procederam com cautela em relação às instituições herdadas do Antigo Regime. Afinal, e na sequência das invasões francesas e do domínio britânico, herdavam uma população pobre e esfomeada e um país fracturado entre um povo maioritariamente tradicionalista e católico e uma burguesia maioritariamente racionalista, progressista e liberal (Oliveira Marques, 2006: 448; Labourdette, 2003: 495). A censura prévia aos jornais, por exemplo, manteve-se. No entanto, o Governo Provisório de Lisboa[1] promulgou, a 21 de Setembro de 1820, uma portaria que instituía o princípio da liberdade de imprensa, embora, ao mesmo tempo, regulasse o exercício da censura prévia e nomeasse uma Comissão de Censores. De qualquer modo, por força dessa portaria, passou a ser aceite a publicação de todo o tipo de escritos que não desrespeitassem o catolicismo, o Rei e a Dinastia de Bragança, a futura Constituição, as nações estrangeiras e, de forma geral, os bons costumes.

As novas condições legais permitiram o aparecimento de dezenas de novos jornais políticos e político-noticiosos em poucos meses, maioritariamente de perfil liberal, distinguindo-se, entre eles, o Astro da Lusitânia, de Joaquim Maria Alves Sinval, e O Independente, do patriarca da Revolução de 1820, Manuel Fernandes Tomás, e de José Joaquim Ferreira de Moura. O Mnemosine Constitucional, de Pedro Alexandre Cavroé, não foi tão influente quanto os outros dois, mas deve ser citado porque foi a esse panfletarista que Macedo redigiu várias Cartas referidas neste trabalho.

Os partidários do Antigo Regime absolutista reagiram à proliferação de jornais liberais. Vendo neles uma ameaça à sua ideologia, autores como o padre José Agostinho de Macedo e frei José Machado (apelidado de Batalha) lançaram vários opúsculos virulentos contra eles. Macedo escreveu, comprovadamente, entre outras obras, os opúsculos Cordão da Peste ou Medidas contra o Contágio Periodiqueiro; Reforço ao Cordão da Peste; e Exorcismos contra Periódicos e outros Malefícios, todos de 1821 e de títulos eloquentes; Machado terá escrito, sob anonimato, também em 1821, entre outros, os opúsculos: Novo Mestre Periodiqueiro ou Diálogo de um Sebastianista, um Doutor e um Ermitão sobre o Modo de Ganhar Dinheiro no Tempo Presente; Segunda Parte do Novo Mestre Periodiqueiro ou Segundo Diálogo de um Sebastianista, um Doutor e um Ermitão sobre o Modo de Ganhar Dinheiro no Tempo Presente; e A Forja dos Periódicos ou o Exame de Aprendiz de Periodiqueiro.

Ainda em 1821, e beneficiando do decreto de 4 de Julho, que estabeleceu em Portugal, pela primeira vez, o direito legal à liberdade de imprensa, os absolutistas apostólicos “adeptos do Trono e do Altar” começaram, também eles, timidamente, a lançar jornais políticos, como O Patriota, mas esse movimento intensificou-se em 1822, ano da promulgação da Constituição Liberal[2], com o surgimento de jornais como A Trombeta Lusitana, O Braz Corcunda e, principalmente, a Gazeta Universal, no qual colaborava José Agostinho de Macedo.

Este trabalho tem por objectivo destacar a importância e o pioneirismo de José Agostinho de Macedo como crítico do jornalismo, ponderando, em especial a conjuntura vintista (1820-1823). Defende-se que, para além de ter sido um homem de partido, defensor violento da causa absolutista, Macedo olhou para os jornais panfletários como objectos de crítica, tendo identificado vários dos problemas que, mais tarde, haveriam de promover o fim do jornalismo “de partido”, panfletário e artesanal e a entrada em cena do jornalismo noticioso e industrializado. Serão analisados, especialmente, os textos de Macedo já referidos (Cordão da Peste ou Medidas contra o Contágio Periodiqueiro; Reforço ao Cordão da Peste; Exorcismos contra Periódicos e outros Malefícios; e Cartas a Pedro Cavroé, de 1821), sendo outros escritos do autor convocados para a análise quando ajudarem a recuperar o seu pensamento. Procurar-se-ão identificar, através da análise do discurso dessas obras, quais são os principais eixos de crítica de Macedo ao jornalismo panfletário de então.

1. José Agostinho de Macedo: sinopse biográfica

José Agostinho de Macedo nasceu a 11 de Setembro de 1761, em Beja, no seio de uma família plebeia mas mais abastada do que o comum, já que o pai era ourives. O apelido do pai era Tegueira e o da mãe Freire, desconhecendo-se a razão pela qual o autor passou a assinar Macedo (Silva e Braga, 1898: 11). Foi biografado, entre outros, por Inocêncio Francisco da Silva e Teófilo Braga (1898), Carlos Olavo (1938) e Maria Ivone de Ornelas Andrade e Castro (2001; 2004), autores que publicaram as principais obras que se conhecem sobre o pensamento de Macedo.

Segundo os seus biógrafos, acima citados, José Agostinho foi estudar para Lisboa, ainda menino. Foi na capital que tomou o hábito da Ordem de São Agostinho, em 1778, com 16 anos. Por causa do seu feitio turbulento, rebelde e irreverente, foi transferido para Coimbra, onde foi iniciado na poesia e nos estudos literário por frei José de Santa Rita Durão, ao mesmo tempo que estudava Teologia. Porém, antes e concluir o curso, em 1782, foi transferido para outro convento da Ordem, em Braga, onde chegou a ser encerrado em clausura. Evadiu-se, no entanto, do convento, mas foi capturado e remetido para novo convento, desta vez no Porto, onde foi sujeito a mais um processo. Em 1785, achava-se já em Évora, de onde voltou a Lisboa. Foi, então, acusado de furtar livros da biblioteca do convento e de viver em público concubinato com uma meretriz. Além disso, a sua facção perdeu a eleição para o Provincialato da Ordem, pelo que acabou, novamente, encarcerado e processado. Mas novamente Macedo fugiu, tendo-se escondido em vários lupanares, tabernas e noutros esconderijos. Acabou por ser condenado, à revelia, à expulsão da Ordem, a 22 de Julho de 1788. Porém, beneficiando do apoio do Núncio Apostólico, José Agostinho de Macedo foi readmitido na Ordem dos Agostinhos, em 1789, ano em que foi transferido para o convento de Torres Vedras. No mesmo ano, mais uma vez se evadiu e enveredou por uma vida licenciosa, e mais uma vez os frades o capturaram, remetendo-o novamente para Lisboa, em clausura. Em 1790, foi transferido de novo, por renovada intervenção do Núncio, para um mosteiro da Ordem de São Paulo. No mosteiro dos Paulistas, Agostinho de Macedo teve a possibilidade de conviver com eruditos, literatos e pregadores. Porém, traindo a confiança dos seus hospedeiros, roubava livros da biblioteca do convento, que desavergonhadamente vendia aos alfarrabistas olisiponenses. Em Março de 1791, abandonou o convento dos Paulistas e mais uma vez enveredou por uma vida de licenciosidade, acabando mesmo por ser preso na cadeia do Limoeiro, de onde foi reconduzido ao convento, que novamente abandonou, retomando a vida devassa e delinquente a que se acostumara.

Os frades Paulistas, dando conta do roubo dos livros, fizeram, finalmente, queixa de José Agostinho de Macedo, que acabou preso e recambiado para um mosteiro dos Agostinhos. Evadiu-se com violência, mas foi recapturado e, então, definitivamente expulso da Ordem, em 1792, embora obrigado à observância dos votos professados. Contudo, graças à acção do seu amigo e defensor frei Joaquim de Menezes e Ataíde, que se tornaria Arcebispo de Elvas, Macedo escapou à justiça civil.

José Agostinho de Macedo encontrou, seguidamente, emprego no Jornal Enciclopédico, mensário dedicado às ciências, literatura e ideias, no qual começou a inserir pequenas composições poéticas, começando a atrair a atenção do público. Publicou, igualmente, algumas elegias fúnebres e folhetos similares. Nessa mesma época, ingressou na efémera Academia das Belas Letras de Lisboa, tendo colaborado nos Almanaques das Musas publicados por essa organização, em 1793 e 1794.

Entretanto, chegou da Santa Sé o decreto de secularização de Macedo, por via do qual pôde abandonar a ordem monástica, mantendo, porém, a condição de religioso e sacerdote. No entanto, escandalizou a sociedade da época ao tornar-se amante de actrizes como Maria Inácia da Luz e, mais tarde, da religiosa Joana Tomásia de Brito Lobo, trocada, em 1818, pela também religiosa Maria Cândida do Vale, com quem se manteve amancebado até à sua morte, em 1831. A elas redigiu poemas, peças dramáticas e novelas, que também publicou.

Assim, até à Revolução Liberal de 1820, Agostinho de Macedo distinguiu-se, essencialmente, pela prédica no púlpito, pelo seu controverso labor literário e pela vida licenciosa que levava, apesar de ser sacerdote. Tornou-se um dos melhores oradores de púlpito portugueses do seu tempo. Foi pregador da Capela Real, nomeado por influência de Monsenhor José Rebelo Seabra, do Patriarcado. Nessa qualidade, pregou na Capela de Queluz, em 1798, por ocasião do nascimento de D. Pedro. Foi também ele o escolhido para pregar em várias Igrejas de Lisboa por ocasião da saída das tropas francesas da capital do Reino, em 1808, tendo atribuído essa escolha ao facto de, durante a primeira invasão francesa, ter demonstrado a sua fidelidade e afeição ao Príncipe Regente e futuro D. João VI, o que, segundo ele, lhe teria valido a perseguição por parte dos ocupantes (Silva e Braga, 1898: 58).

Embora padre, José Agostinho de Macedo não deixou de se ver a si mesmo como uma espécie de empresário da prédica capaz de mentir para garantir o seu pão, conforme confessa numa carta em verso a Frei Francisco de Carvalho (cit. in Olavo, 1938: 152), escrita a 21 de Maio de 1808:

Eu vivo, caro amigo, pois não morre

A inumerável turba dos carolas

Encanzinados em louvar os santos

Que lá na glória repimpados jazem,

Zangados, como eu creio, da assuada

Que lhe fazem de cá roucas rabecas

E as mentiras que eu prego, e mais os outros,

Que a pasmada plebécula suspendem

Com frias orações, discursos ocos.

De vinténs basculhados ainda ateimam…

No campo da literatura, José Agostinho de Macedo apegou-se, principalmente, à poesia lírica, assombrando "a presteza vertiginosa com que ele realizava esta obra, constituída por tantas e tão variadas composições" que publicou amiúde (Olavo, 1938: 153). Porém, a sua obra literária está longe do rasgo do génio. Olavo (1938: 158) explica que os seus versos eram "secos, banais, sem ritmo" e acusa-o de "exibicionismo erudito" (Olavo, 1938: 167). Alexandre Herculano (cit. in Olavo, 1938: 158) sugere que Macedo era trivial e sensaborão e os seus versos "protegidos por metrificação severa, por peloticas de língua, por tropos colocados em bateria, por estilo pomposo e estudado, por harmonias vãs e sem pensamento".

Polemista também no campo literário, insurgiu-se contra Camões, cujos Lusíadas considerava uma obra menor, e enfureceu-se contra a "seita camoniana" de defensores do poeta. Disse mesmo que Camões mereceria a forca por ter sido pouco abonatório para o governo do seu tempo (Olavo, 1938: 173). Em 1811, publicou o poema épico Gama, posteriormente rebaptizado Oriente, que ele desejava que viesse a substituir Os Lusíadas na memória colectiva dos portugueses, mas que foi extremamente mal recebido pela crítica, o que teve o condão de intensificar o seu ódio à literatura camoniana. Nessa época, Macedo (1812b) envolveu-se em polémica com os redactores do Investigador Português em Inglaterra, que tinham criticado o seu poema Gama, e com o dramaturgo António Xavier, objecto das suas Cartas de Manuel Mendes Fogaça (Macedo, 1818). Redigiu, também, entre 1816 e 1818, o periódico O Espectador Português, que tinha por finalidade essencial redarguir às diatribes de Pato Moniz e de outros críticos da sua obra literária, mas no qual começou a combater as ideias liberais que Hipólito José da Costa propagava no seu Correio Brasiliense. Acabou por ser a própria censura do regime absolutista a impedi-lo de continuar a publicar O Espectador, tal era o tom insultuoso dos seus textos.

Em 1820, Macedo lançou uma desbragada e colérica, mas também fracassada, Censura aos Lusíadas, que recebeu quase nula atenção, tal como nula atenção tiveram as suas críticas a Bocage, Garrett e outros com quem se cruzou, polemizou e que, decerto adivinhava, brilhariam nas Letras Portuguesas enquanto ele empalideceria.

Macedo também fracassou na produção dramática. A sua peça Zaida, escrita a sua amante da época, foi recebida com ruidosa pateada e escritos irónicos dos seus inimigos. O seu drama D. Luís de Ataíde foi rejeitado pela Academia Real das Ciências, instituição à qual Macedo nunca perdoou, "tanto mais que tendo, por várias vezes, solicitado a sua entrada como sócio da Academia, encontrou sempre, como uma barreira intransponível, a recusa unânime dos seus membros" (Olavo, 1938: 183). Já a sua peça cómica O Sebastianista Desenganado à sua Custa, escrita na sequência do êxito do poema Os Sebastianistas, de 1810, alcançou algum êxito. Nela, tal como no poema, atacava por atacado os jesuítas, um dos seus ódios de estimação, e os sebastianistas que acreditavam que El-Rei D. Sebastião viria, num dia de nevoeiro, restaurar a grandeza de Portugal.

Nessa época, Macedo também se distinguiu como polemista social. O seu poema Os Burros, de 1812, por exemplo, é uma obra difamatória e maledicente que chocou a sociedade da época e obrigou o próprio autor a renegá-la, dizendo que era obra dos seus inimigos, após ser ameaçado com um processo judicial. Mais tarde, porém, Agostinho de Macedo continuará a, insinuantemente, perfilhar Os Burros. É sua, nesse livro, a frase assassina, dirigida ao Geral dos Frades Bernardos, "V. Reverendíssima não só é um pedaço de asno, mas uma conhecida besta", escrita numa dedicatória na qual se procura vingar da expulsão da sua ordem religiosa. Na decadência da idade, porém, Macedo reaproximar-se-á dos religiosos, tendo, em 1824, expurgado o poema de tudo o que lhes era ofensivo.

Em 1818, após o término da publicação de O Espectador Português, Macedo continuou a revelar-se um desregrado polemista social num novo periódico da sua lavra, intitulado O Desaprovador, que manteve até 1819. Nele, “sob capa de censurar os viciosos hábitos e manias do tempo, ia abrindo largas ensanchas aos costumados vitupérios e mordacíssimas sátiras, com que atacava classes e corporações (...), não deixando por isso de envolver amiúde escandalosas personalidades, afectando falar em geral mas dirigindo sempre os seus tiros a indivíduos em particular” (Silva e Braga, 1898: 106).

No início de 1820, José Agostinho de Macedo começou a colaborar no Jornal Enciclopédico de Lisboa, de Joaquim José Pedro Lopes, um periódico mensal de notícias e curiosidades avulsas. Foi aí que, no meio de notícias maioritariamente extraídas de jornais estrangeiros, se iniciou no artigo político, combatendo o constitucionalismo espanhol, a maçonaria e as ideias liberais. A Revolução Liberal de 24 de Agosto de 1820 apanhou Macedo desprevenido. Os revolucionários liberais, naturalmente, não o viam com bons olhos. José Agostinho de Macedo sumiu de circulação durante uns tempos. Porém, pouco a pouco procurou aproximar-se do novo regime, tendo, nomeadamente, aspirado ao cargo de redactor do Diário da Corte (Olavo, 1938: 231), mas somente encontrou uma oposição hostil à sua colaboração. Assim, começou a digladiar-se com o regime liberal, em artigos e panfletos, vários deles anónimos. Iniciou, então, um período de intensa intervenção política, defendendo intransigentemente o Antigo Regime. Foi nessa fase que ergueu mais intensamente a sua voz contra a proliferação de periódicos políticos em Portugal, o que o emparceira no painel dos primeiros críticos do jornalismo. Lançou opúsculos com títulos sugestivos, como os já citados Cordão da Peste ou Medidas contra o Contágio Periodiqueiro; Reforço ao Cordão da Peste; e Exorcismos contra Periódicos e outros Malefícios, Mas também se envolveu, por escrito, em vários ataques pessoais, nos quais também desenvolve os seus raciocínios contrários à liberdade de imprensa, conforme se observa, por exemplo, nas suas Cartas a Pedro Cavroé, um carpinteiro que se tornara um jornalista panfletário liberal.

Em 1822, José Agostinho de Macedo foi julgado por acusar todos os liberais de serem maçons e por incentivar à subversão nos seus artigos na Gazeta Universal, periódico adepto do Antigo Regime que viu a luz do dia em 1820, pela mão de José Joaquim Pedro Lopes. Apesar de tudo, Macedo foi absolvido. Apreensivo, no Manifesto à Nação ou Últimas Palavras Impressas, que publica logo a seguir, o autor chega mesmo a prometer não escrever uma única linha mais e queimar os escritos que tem em casa. No entanto, aproxima-se, novamente, dos liberais e lança O Escudo, periódico em que se defende o constitucionalismo. Mas rapidamente voltou à sua antiga condição de campeão do absolutismo apostólico. Ainda assim, pelo meio, chegou a ser eleito primeiro substituto pelo círculo eleitoral de Portalegre, mas como o lugar de deputado não vagou, não teve oportunidade de tomar assento no Parlamento.

Após o sucesso do golpe da Vilafrancada, a 29 de Maio de 1923, e da proclamação de D. Miguel como generalíssimo de Portugal, Macedo colocou-se ao lado dos conjurados, que aboliram a Constituição e proclamaram uma Junta de governo, em nome de D. João VI. Para se reaproximar do campo absolutista, publicou, então, A Tripa Virada (1823), no qual afirma que somente defendeu o constitucionalismo por interesse e que enganou os liberais. Passou, nessa altura, a liderar a turba popular que apoiava D. Miguel, período em que se exacerbou nas críticas aos liberais e mações, muitos deles já emigrados. Em 1824, foi um dos apoiantes do golpe miguelista da Abrilada, que pretendia depor D. João VI e elevar D. Miguel ao Trono de Portugal, mas cujo resultado foi o exílio forçado de D. Miguel.

Em 1826, D. João VI morreu, hipoteticamente assassinado. José Agostinho de Macedo acabou por ser escolhido para fazer a oração fúnebre do Monarca, que logo a seguir publicou. Obteve, também, por essa missão, uma pensão anual de trezentos mil reis, que manteve até ao final da vida. Ora, tudo isso foi conseguido para Macedo por alguém que ele tinha vilipendiado num texto de 1821, o Dr. Abrantes, médico da Corte. Esse texto, em que Macedo enxovalha aquele que viria a ser seu benfeitor, foi, por acaso, parar às mãos de José Ferreira Borges, um liberal exilado em Londres, que redigia o Correio Interceptado. No número 6 do periódico, Ferreira Borges, para publicitar as contradições de Macedo, publicou o dito texto, que chegou rapidamente a Lisboa. Para se defender da exposição pública da sua baixeza de carácter, Macedo recorreu, mais uma vez, à mentira, negando ser o autor de tal texto e cumulando de elogios o Dr. Abrantes num opúsculo intitulado Resposta ao Correio Interceptado n.º 6. Mais tarde, porém, voltará a vilipendiar o seu benfeitor.

Com a morte de D. João VI, D. Pedro I, Imperador do Brasil, foi proclamado Rei de Portugal, sob o título de D. Pedro IV. Contrariamente às aspirações dos absolutistas apostólicos mas também dos liberais radicais (apoiantes da Constituição de 1822), o novo Rei outorgou ao país a Carta Constitucional, nova Lei Fundamental. Seguidamente, abdicou do trono em favor da sua filha, D. Maria II, concedendo a regência ao seu irmão, D. Miguel, na condição deste se casar com a sobrinha, a nova Rainha. Nessa conjuntura, Macedo permaneceu calado, mas em 1827 escreveu e publicou 32 cartas ao seu amigo Joaquim José Pedro Lopes, nas quais começou a criticar, insinuantemente, o regime instituído pela Carta com o pretexto de refutar o periódico O Português, que então tinha enorme aceitação nos meios liberais. “Um dos meios por ele empregados para melhor atingir o fim a que se destinava, consistia em desacreditar os actuais deputados, e outros indivíduos (...) trazendo à memória (...) factos, discursos e escritos pelos quais se mostrava que eles mesmos tinham sido (....), no período de 1820 a 1823, os mais extremos campeões (...) do liberalismo exaltado” (Silva e Braga, 1898: 134). As Cartas a Joaquim José Pedro Lopes só pararam quando o autor foi admoestado pelo ministro José Freire de Andrade e sentiu a sua posição perclitante.

Em 1828, D. Miguel regressou a Portugal, para tomar conta da regência do Reino que seu irmão, D. Pedro, lhe conferira, mas, apesar de ter jurado a Carta Constitucional, fez-se proclamar Rei absoluto. Iniciou-se, então, um período de perseguição aos liberais, que provocou uma nova emigração e terminou em guerra civil. Macedo tornou-se, nessa época, o mais intransigente defensor do regime absolutista. Radicalizou o seu ódio aos liberais, aos maçons, aos exilados e mesmo aos homens de Letras seus adversários, pedindo, repetidamente, nos seus jornais A Besta Esfolada (1828-1831) e O Desengano (1830-1831) o castigo de todos eles e a forca para muitos, apesar de a própria censura do novo regime lhe coarctar os exageros (Silva e Braga, 1898: 136).

Diga-se, finalmente, que apesar de ter sido um apoiante do despotismo esclarecido absolutista, Macedo não deixou de ser um plebeu. Amiúde, criticou a nobreza mais tradicionalista e altiva, que, conforme escreve no Desengano, seu derradeiro jornal, não olhava para as gentes comuns.

José Agostinho de Macedo faleceu a 2 de Outubro de 1831, sem ver a derrota do seu campo na Guerra Civil.

2. Crítica ao jornalismo nos textos de José Agostinho de Macedo

Apesar de ter sido, na designação de Hernâni Cidade (1929), um jornalista panfletário, recorrendo, portanto, às armas que criticava nos seus adversários, José Agostinho de Macedo distinguiu-se como crítico do jornalismo polemista e político que emergiu em Portugal a reboque da Revolução Liberal e da instituição constitucional e legal do direito à liberdade de imprensa.

No dizer de Carlos Olavo (1938: 185), são os textos de polémica de José Agostinho de Macedo os que "perduram mais na memória dos homens". Porém, Olavo não poupa nas palavras para caracterizar esses textos: "longos arrazoados, em prosa e verso, em que se traduziam as violentas explosões do seu temperamento plebeu (…), grossa literatura feita de todas as sujidades da língua, de todos os detritos do estilo, de todas as aparas do mau gosto. (…) O seu processo literário era o vomitório." Para Olavo (1938: 188), Macedo "imaginava-se um homem de espírito e não hesitava em comparar-se com os melhores espíritos da humanidade". Aliás, no seu Motim Literário, periódico de 1811 que despudoradamente plagiou da República Literária, do padre espanhol Diogo de Fajardo, o próprio Macedo diz mesmo que escreve com elegância, erudição e jocosidade, embora também com "respeito à religião, (…) ao trono [e] (…) à sociedade."

Oliveira Martins (cit. in Olavo, 1938: 188) também é esclarecedor:

"Nunca houve homem mais plebeiamente popular. Nenhum dos nossos caceteiros da pena lhe deitou a barra adiante na impudência, no descaramento, na desfaçatez. A sua veia (hoje diz-se verve), a sua fecundidade, eram inesgotáveis. Sabia a linguagem das colarejas e rameiras porque as frequentava; e o calão dos cárceres e das enxovias porque passou por lá. O seu estilo era torrente, mas jorro que sai de um cano: um enxurro violento de imundícies. Criou um género, que se nacionalizou português".

O que fez de Macedo um alvo de tantas críticas, muitas delas feitas centenas de anos depois da sua morte? Por um lado, a linguagem violenta e insolente, a petulância e o carácter hipócrita, contraditório e baixo de que deu prova em múltiplas ocasiões. Por outro lado, as suas ideias políticas e, no que a este trabalho diz respeito, a sua oposição à liberdade de imprensa e ao espírito das Luzes.

De facto, os liberais defendiam a liberdade de imprensa como forma de controlo e vigilância do poder, em particular do poder político. Joaquim Maria Alves Sinval, por exemplo, escreveu no Astro da Lusitânia, a 18 de Novembro de 1820: “(...) sem imprensa livre não há liberdade civil; todos conhecem que o exercício de tal liberdade é quem faz conter (...) [o] despotismo, os ministros (...) e os administradores da Fazenda Pública que não desejam dar conta das suas administrações.” Macedo, pelo contrário, era um feroz adversário da liberdade de imprensa, apesar de ele próprio não se ter coibido de, ao longo dos anos, publicar folhetos e periódicos que outra finalidade não tiveram do que insultar determinadas personagens e combater as ideias liberais e maçónicas. Para ele, devia ser combatido tudo o que fosse contrário à livre governação de um Rei absoluto, cuja legitimidade adviria directamente de Deus.

Em 1812, no prólogo da Resposta aos Dois do Investigador Português em Londres, já se nota algum do ódio de José Agostinho de Macedo à imprensa livre, detonado pelas críticas que os redactores do Investigador fizeram ao poema Gama, do autor, que se julgava superior ao próprio Camões:

“Virem dois jornalistas, com duas penadas, derrubar tudo, e dizer com o magistério e a arrogância de um periodista sabe-tudo: – Isto não presta! (...) Deus me não mate sem ver resolvida esta questão: “Por que razão quem faz jornais sabe tudo, e quem não faz jornais é um asno? Outra: Quem deu poder a um (...) jornalista para governar (...) a República das Letras?” (Macedo, 1812a: 4-5)

O pequeno excerto de texto anterior, mais do que identificar uma das fontes do ódio de Macedo à imprensa livre – afinal tratava-se da mesma imprensa que o criticava – é interessante por outro motivo: no alvorecer do século XIX, em Portugal já se apelidavam de “jornalistas” os redactores de jornais.

Ainda nesse ano, na Carta de um Pai para Seu Filho Estudante na Universidade de Coimbra, o autor também se manifestava contra a liberdade de imprensa e o espírito das Luzes, ao salientar que, por paternalismo protector, se deveria tirar “dos olhos do povo quanto lhes puder despertar ideias de novidade, ou inovações” (Macedo, 1812b: 3).

Em 1818, na Carta de Manuel Mendes Fogaça escrita a seu Amigo Transmontano sobre uma Coisa que Observou em Lisboa Chamada O Observador, nota-se, também, alguma animosidade de Macedo contra os jornais, fossem os de ilustração (literários, científicos e de ideias), fossem os políticos. O autor considera-os irrelevantes para o progresso, não só por não se substituírem ao estudo dos livros (recorde-se que uma das polémicas da época se centrou na interrogação sobre se o jornalismo viria a substituir a literatura), mas também por serem feitos por personagens pouco ilustradas que apenas quereriam ganhar dinheiro com eles:

“Nem cuideis (...) que eu me entretenha em ponderar (...) a mentirosa asserção de que na Alemanha, na França, na Inglaterra, o progresso das ciências se deva à proliferação dos jornais. Se há peste que ponha mais peias ao progresso (...) é a praga infinita dos jornais. São diametralmente opostos ao estudo dos livros, fomentam a preguiça, obrigam os homens a se contentarem com magos extractos, feitos por sabichões repentinos, que não querendo curvar o corpo para cavar com uma enxada, e não encontrando na voluntária malandrice, e ociosidade, um recurso para a subsistência, em duas horas se fazem homens de Letras e autores. Junta-os a fome, e para irem à noite à taverna, fazem (...) de dia um jornal (...). E assim (...) os que os escrevem se fazem sábios em uma hora, e num quarto de hora ficam sábios os que os lêem.

(...)

Também (...) não me ocuparei em reflexões que merecia o motivo pelo qual os observadores publicam os seus científicos extractos, que vêm a ser – facilitar ao povo miúdo o conhecimento das ciências, coisa muito interessante para o povo miúdo. (...) E na verdade, que mais é preciso saber (...) que um catálogo exacto das aranhas e das grandes coisas que a química pode tirar das suas engenhosas teias?” (Macedo, 1818: 8-9)

Foi a partir da Revolução Liberal de 1820 que a voz reaccionária de José Agostinho de Macedo se intensificou, clamando contra a proliferação de periódicos desencadeada pela institucionalização legal do direito à liberdade de imprensa. Um ano depois, Macedo tornou-se colaborador da Gazeta Universal, jornal político e panfletário dos partidários do Absolutismo Apostólico. Nesse mesmo periódico, em 1821, vilipendiou a liberdade de imprensa e a proliferação de periódicos, nos seguintes moldes:

"Nenhuma coisa se deve temer tanto (…) como a anarquia. Se a não há, felizmente, no Governo, encontra-se de cara descoberta na tipografia. O estado dos papéis públicos é um estado perfeitamente anárquico. Estão divididos entre si e dividem as opiniões. O seu fim devia ser instruir; o seu fim, por encontrados caminhos, é descompor, insultar, indispor. Não só escandalizam os homens honrados, para quem a virtude tem preço, a religião respeito, a Pátria valia, os legisladores poder e os magistrados autoridade, mas expõem à irrisão dos estrangeiros a totalidade da Nação. Onde quer que chegue o conhecimento da língua portuguesa, que não está tão pouco estendido como se julga, se dirá que os escritores públicos portugueses são todos filhos das regateiras da ribeira e irmãos uterinos dos gaiatos das caixas de açúcar. Assim parece, porque não há discursos, há insultos; não há respostas, há repostadas.”

Observam-se, no excerto de texto anterior, os paradoxos de Macedo. Ele que tanto insultava (aliás, nesse mesmo texto cobre de insultos o liberal Pato Moniz), não se coibia de criticar outros insultadores. Interessante, também, é notar o tipo de enquadramento que então se aplicava ao conceito de jornalista panfletário: era um escritor público, designação que subsistirá ao longo do século XX, em Portugal, sob a forma de "escritor de jornal", como contraponto à noção de “jornalista profissional” (Sousa, 2008: 117).

Não é que Macedo não tivesse razão em algumas das críticas que dirigiu aos periódicos vintistas, tal como explicaram Silva e Braga (1898: 117-118):

“Desde os primeiros dias do novo regime tinha aparecido em Lisboa um aluvião de folhas periódicas, quase todas diárias, mais bem ou mal redigidas, conforme o talento dos seus autores, que eram, na maior parte, indivíduos de (...) acanhadas luzes. Por isso, os tais periódicos não passavam de confusos amontoados de notícias vagas, falsas e contraditórias, a que se juntavam mal alinhavados discursos (...) quase sempre enunciados com frases ruins e pior gramática. Todavia, não deixavam de ser (...) procurados e lidos com avidez pelo povo”.

O mais importante historiador da imprensa periódica portuguesa, José Manuel Tengarrinha (1993: 34-35), passados quase dois séculos, também concorda, em alguns pontos, com José Agostinho de Macedo:

“É certo que o aparecimento de alguns jornais se deve sobretudo a motivos de natureza económica: quem quisesse ganhar a vida (...) não tinha mais que fundar um periódico. Não surpreende, pois, que o nível de muitos jornais fosse baixo, tentassem ganhar público seguindo-lhe o gosto (...), enveredassem com frequência pelo insulto e a chicanice pessoal, abusassem de populismos e expressões vulgares, quase sempre estivessem em doloroso impacto com a sintaxe.

(...)

Esta quase generalizada vulgaridade da imprensa teve uma directa incidência nos critérios da censura: as matrizes ideológicas dos jornais não se apresentavam com nitidez, sendo muitas vezes difícil definir com rigor se eram adversários do regime ou apenas críticos do moderantismo dos governantes. De resto, não se desenvolvia debate sobre os sistemas políticos, havendo acordo, na aparência, sobre as vantagens do constitucionalismo.”

O primeiro opúsculo que José Agostinho de Macedo lançou especificamente contra a liberdade de imprensa e a proliferação de jornais panfletários intitulou-se Exorcismos Contra Periódicos e Outros Malefícios e foi editado em Fevereiro de 1821. Nele, Macedo desenvolve as ideias que já tinha exposto na Gazeta Universal. Volta, em especial, ao tema da profusão de periódicos, cujas posições diferenciadas contribuiriam para instaurar a anarquia e impediriam a necessária obtenção dos consensos e da tranquilidade que a governação exigiria.

“Costuma-se chamar flagelo, ou praga, tudo aquilo que consigo traz calamidades para os Povos (...). Ao século da Política, que outra praga se devia adoptar que não fosse a dos periódicos políticos? (...) Portugal está coberto, alastrado, entulhado de periódicos, como o Egipto e mais que o Egipto, de rãs, de gafanhotos, de moscas, de diabos. Apareceu um Astro maligno [referência ao jornal liberal Astro da Lusitânia] (...) que multiplicou (...) os soltos vendavais dos periódicos, dos flagelos, das pragas que nos apoquentam. Não há forças humanas que se oponham e contrastem os lastimosos estragos desta febre-amarela. Não há cordão que lhes vede a passagem. São precisas forças sobrenaturais, Exorcismos com eles (...) e (...) por virtude do exorcismo (...) diminuirá a praga dos periódicos. Terão ao menos os tristes censores um bocado de tempo para comer, e para dormir?

(...)

Com efeito, é triste a condição das coisas humanas! Não há um bem puro sem a mistura de algum mal! (...) A multidão dos faladores fez parar a majestosa Torre da Babilónia: onde todos falam ninguém se entende. A confusão (...) deitou aquela grande fábrica a perder (...). O falatório era de alto a baixo e como ninguém se entendia, todos desampararam o edifício, até que se abateu de todo (...). Calem-se diabos (...) que se malogra a obra da prometida ventura aos portugueses.

(...)

Quem não conhece o peso desta praga devastadora (...) quando pela manhã (...) uma nuvem de rapazes, ministros executores da praga, levanta as desconcertadas vozes e grita (...): “Quem leva o Astro? Quem vem ao Liberal? (...)”. Isto em todos os becos, em todas as alfurjas, às portas de todas as tabernas. (...) E que dizem estas pragas, estes periodiqueiros? Todos aflige o mesmo, que não haja Frades.

(...)

Mentem, tanto dizem, tanto desdizem, tão mal, tão fora do tempo querem propor coisas, demolindo em lugar de consertar, que o povo alucinado (...) cuida que se obra no Governo e no Congresso, como os periodiqueiros falam, que têm as mesmas ideias incendiárias, subversivas, destampadas, que há impressas nos periódicos (...), revoltam e desorientam a Nação (...). É justo ganhar dinheiro (...), mas três vinténs por parvoíces... “ (Macedo, 1821a: 1-14)

No mesmo opúsculo (Exorcismos), Agostinho de Macedo critica, ainda, os que abandonavam os seus ofícios para se consagrarem a um periodismo de fraca qualidade. Em acréscimo, dá pistas não só para se perceber a origem social e cultural de muitos dos “jornalistas” portugueses das primeiras décadas de oitocentos, mas também para se compreender como funcionavam e eram vendidos (aos incautos) os periódicos de então:

“Mas quem são os periodiqueiros? É preciso conhecer o género, ou a casta de diabos, para se lhes fazer o competente exorcismo. No Evangelho se fala de um género de demónios que não se iam embora senão com o jejum, e eu creio que o jejum, ou a barriga vazia, é quem acarretou sobre as nossas cabeças a nuvem periodiqueira. (...) Sapateiros (...), livreiros, passamaneiros, cabeleireiros (...), (...) a quem se lembraria que no momento em que Portugal mais necessitava de mais luzes, mais ciência, mais conhecimentos, que coadjuvassem a mais árdua e difícil empresa, (...) tudo seria desamparado e (...) os seus cultores se convertiam em periodiqueiros? Parece que para a grande arte de Escritor se não necessita de outra coisa mais que saber formar bem ou mal, tortos ou direitos, os caracteres do alfabeto. (...) Fugi diabos, ide para as vossas oficinas, tornai para a enchó, para o sarrafo. Se podes fazer bem uma cadeira, para que te metes a fazer tão mal um periódico?

(...)

Ora se é praga deixar o próprio ofício para ser periodiqueiro, ainda é maior flagelo não ter ofício nenhum, senão o de periodiqueiro. Vivia um ocioso pelos cantos dos botequins (...) e de repente salta ao mundo com um periódico (...). Que quer este diabo com a folha diária ou semanária? Ilustrar a Nação? Como? Copiando muito mal da aluvião dos periódicos castelhanos (...), retalho aqui, fala acolá, reflexão além, mas tudo sem ordem, sem uma ideia dominante, sem um fim, e quando este devia fixar a opinião sobre um objecto único, grande, público, vantajoso à causa, não faz mais que desvairá-la de tal maneira que ninguém se entende (...). O pior é abrir as portas às correspondências, ou reais, ou fantasiosas, e transcrever quantos desaforos lhe enviam, ou fingem que lhe enviam. Que vantagens tem tirado a Nação desta praga periodical (...)? Talvez maiores males, do que bens. Segue-se a uma mal entendida liberdade de falar uma mais mal entendida liberdade de pensar, e obrar.

(...)

É preciso ilustrar a Nação (...), é preciso que o povo conheça o que se faz, para aprovar o que se faz, (...) porém os meios são os periódicos? Basta que qualquer diabo (...) pegue na pena e escreva um periódico (...) e o último diz o mesmo que o primeiro, e todos com uma linguagem avessa (...) e (...) parvoíce em política. Eu os tenho observado (...), são verdadeiros camaleões, tomam a tintura do ar que respiram. Nove meses os vi franceses de gema, nunca falavam em Napoleão que não viesse o trambolho “O Grande” (...). Pois este (...) periodiqueiro apenas aí aportaram os ingleses parecia um cidadão de Londres.” (Macedo, 1821a: 3-8)

Por isso, para finalizar o seu opúsculo Exorcismos Contra Periódicos, José Agostinho de Macedo (1821a: 13-14) pede o confinamento dos periódicos por um cordão sanitário: “ Eu não ataco nenhum em particular (...), falo em geral, exorcismo à praga. Portugueses, fazei um cordão (...) a esta peste (...). Fugi de periódicos (...).”

Os jornais políticos, que apareciam às dezenas, eram, assim, para José Agostinho de Macedo, uma verdadeira “peste”, que causava o pernicioso efeito de confundir as mentes, como escreve, igualmente, no texto O Cordão da Peste ou Medidas Contra o Contágio Periodiqueiro, o segundo que escreveu em 1821 sobre o mesmo tema, e que, tal como o primeiro, teve grande sucesso. Nele, o autor defende que se deveriam impedir os jornais lisboetas de saírem para a província e para outros países, propondo, por isso, um cordão sanitário à volta de Lisboa, que abrangesse o porto.

No texto em causa, Macedo começa por dizer que a “peste” dos periódicos é “coisa mais terrível” do que uma bateria de cem canhões, desenvolvendo, em seguida, outro dos seus temas predilectos: o da ignorância de grande número de redactores de jornais, quer sobre a alma dos portugueses, quer sobre os mecanismos da governação, sobre os quais sentenciavam sem sequer a sua vida saberem gerir:

“Eu não falo daquela ignorância que provém da absoluta carência de luzes, de instrução e conhecimentos, que provém da instituição de alguns nos ofícios braçais, tão úteis à Pátria (...); nem falo daquela ignorância que noutros provém da ociosidade e pobreza (...); falo daquela ignorância em que os (...) da política e publicitismo [outro sinónimo então usado para jornalismo] exibem a respeito da índole, do carácter e dos sentimentos da Nação para quem escrevem e que eles querem, ou dizem que querem, ilustrar. (...) Eis a primeira bostela, a ignorância do carácter geral da Nação (...).

O que estes homens (...) querem é governar. E a si sabem eles governar-se? Alguns conheci eu, antes de rebentar a Peste, e que agora dão grandes planos de economias, de finanças e melhoramentos, que não digo que sabiam governar a sua casa, porque não a tinham, nem eira, nem beira, nem ramo de figueira.” (Macedo, 1821b: 9-15)

Um segundo ponto que merece, novamente, a atenção de José Agostinho de Macedo no Cordão da Peste prende-se com a nefasta influência dos jornais sobre a opinião pública. Para o autor, o público é iludido pelos jornais, “cuidando que os periodiqueiros são os órgãos (...) do Governo e que o Governo quer fazer o que os periodiqueiros dizem. (...) Não só querem ser os mestres da Nação, mas os mestres do Governo” (Macedo, 1821b: 12 - 14). Essas breves frases têm ainda outra leitura. Macedo notava já que a imprensa se tendia a substituir aos mecanismos próprios da democracia representativa – ou seja, ao Parlamento – no processo decisório e que cada jornal se arrogava ser o representante da Nação. Diga-se, contudo, que, paradoxalmente, o próprio Macedo, como se leu acima, não hesitava em auto-propagandear-se como verdadeiro intérprete do sentimento colectivo, tal e qual como faziam a generalidade dos periodistas de então (e, porventura, alguns dos de hoje).

Um outro problema trazido pelos periódicos, segundo Agostinho de Macedo, era o de alarmarem as pessoas, que ficariam a pensar que o Governo se preparava para fazer o que os jornalistas pediam: “Que será de nós? diz a gente das províncias. Isto que está impresso vai executar-se? E o Governo, que consente estes planos, também quererá que se cumpram?” (Macedo, 1821b: 16)

O Cordão da Peste também toca num outro tema caro a Macedo: os periódicos promoveriam o afastamento entre as pessoas e o Catolicismo: “A religião cristã faz o homem bom (...). É a única religião verdadeiramente moral, e podem acreditar isto ao cidadão açoitador, que sabe mais de moral e legislação que todos os tarecos periodiqueiros deste hemisfério” (Macedo, 1821b: 25).

Verifica-se, igualmente, pela leitura do Cordão da Peste, que Macedo considerava os periódicos liberais semelhantes entre si. Pior, procurou desmascarar os redactores que remetiam a si mesmos cartas elogiosas, posteriormente publicadas nos seus próprios jornais, tema a que já tinha, de resto, aludido no opúsculo Exorcismos Contra Periódicos:

“E qual o olhinho que tem reparado bem nestas cartas? Consideremo-las primeiro na sua forma, depois na sua matéria, e logo depois nos seus fins. É tanta a amizade e a intimidade dos correspondentes com os correspondidos, que de todo se identificam, têm os mesmos hábitos, os mesmos sentimentos, as mesmas ideias, e o que é mais milagroso ainda, o mesmo estilo. (...) O correspondente e o correspondido são a mesma coisa, não só nas ideias, mas no estilo. (...) Cartas escritas deles para eles. (...) Isto para quê? Para sustentarem a bazófia de homens ilustrados a quem os outros se dirigem como oráculos do politiquismo.” (Macedo, 1821b: 29-32)

O tema da falsa correspondência publicada nos jornais é, aliás, um filão crítico que José Agostinho de Macedo explora noutros panfletos, como acontece na Carta ao Senhor Redactor do Patriota, escrita sob anonimato, e nas Cartas a Pedro Alexandre Cavroé: “Abro o seu Patriota (...) e leio (...) que não recebe cartas senão assinadas e reconhecidas. (...) Vou olhar para o artigo Correspondência e vejo em baixo – seu Leitor. Não há homem que assim se chame (...).” (Macedo, 1821f: 1).

Macedo sentencia, para terminar o seu Cordão da Peste:

“A Pátria (...) está (...) oprimida com o pestilencial flagelo dos periódicos. (...) Como se pode combinar a estabilidade do Governo, o sossego público, o amor da ordem, a observância das leis do novo regime, com a inquietação que nos ânimos derramam tantas ideias destampadas, tantas notícias falsas, tantos projectos loucos, tanta flutuação de ideias, tanta contrariedade de doutrinas e tão encontrados gritos dos incansáveis periodiqueiros? Quem por eles saberá o que deve pensar e o que deve fazer? A censura olha para os papéis e olha para os rostos dos autores e perdoa a miséria de uns pela fome que descobre nos outros.” (Macedo, 1821b: 43-44)

Embora, no Reforço ao Cordão da Peste, José Agostinho de Macedo ataque vários jornais, referindo-os pelo título, e em especial ataque o Amigo da Ordem, o autor, essencialmente, repisa os temas dos seus textos anteriores, insistindo, por exemplo, ironicamente, no aparente monopólio da sabedoria que os jornalistas liberais gostavam de exibir: “Quanto é grande e terrível o flagelo da peste! (...) mas este é o carácter dos periodiqueiros, fazerem tudo por amizade. Por amizade nos comunicam as luzes que nós não tínhamos, porque as luzes foram exclusivamente depositadas no entendimento dos periodiqueiros” (Macedo, 1821b: 1-6).

Outro tema que José Agostinho de Macedo vinca no Reforço ao Cordão da Peste é o da anarquia gerada pela proliferação de jornais: “Onde está esta desordem? Esta peste periodical, por certo, a vem fazer!” (Macedo, 1821b: 11). No texto, mostra, também, como vários jornais – e em especial O Amigo da Ordem – eram feitos “às três pancadas”, bastando, para os redigir, segundo ele, juntar pedaços de textos de vários autores e algumas coisas que se iam ouvindo aqui e ali.

Na Carta ao Senhor Redactor do Patriota, são mais uma vez os temas dos excessos verbais e da anarquia alegadamente promovida pelos jornais que lhe merecem atenção, embora na obra em causa Macedo também questione o carácter ilustrador dos periódicos:

“Eis aqui de que estão servindo os papéis periódicos: de canais de impropérios, de calúnias, de vilipêndios, acendendo uma guerra entre todos os cidadãos (...), juntam ao crime da maledicência o da venalidade (...). Vem a corte vândala dos periodiqueiros e nos rouba o dinheiro [o autor refere-se ao negócio dos jornais] com o mais pesado de todos os tributos que se tem imposto à Nação. Rouba-nos a paz, pois andam os cidadãos em guerra (...). Rouba-nos a reputação de homens de bem, pois dão a conhecer que existe uma imoralidade pública que nem respeita a coisa mais sagrada que há, o bom nome de um homem (...). E luzes para a Nação? As das velas de sebo que têm os livreiros à noite em cima do balcão para impingirem ao povo os periódicos do dia. Por mais que folheie as páginas da história, não encontro (...) um quadro de corrupção como ao presente nos está oferecendo este recanto da Europa. E esta desgraça só tem por autores os periodiqueiros.” (Macedo, 1821f: 6-7).

Numa carta dirigida ao redactor da Gazeta Universal, o seu amigo Joaquim José Pedro Lopes, José Agostinho de Macedo enuncia o que em seu entender seria fazer um jornalismo útil. As suas palavras nessa Carta, publicada sob a forma de opúsculo, provam que Macedo não só tinha noções de “jornalismo” e de “liberdade de imprensa” próximas das actuais, como também percebia qual é o papel do jornalismo em democracia e antevia as transformações que o jornalismo viria a sofrer ainda no seu próprio século. Outro aspecto interessante dessa Carta é, mais uma vez, o recurso ao substantivo “jornalista” para designar os redactores de periódicos, o que permite afirmar que o conceito se ia entranhando e operacionalizando na língua portuguesa, pese embora a coexistência de outras definições ameaçadoras à estabilidade do conceito, como a designação “escritores públicos”, que Macedo também emprega no seu texto. Leia-se, então, o seguinte excerto da Carta ao Redactor da Gazeta Universal:

“(...) Direi somente que o seu papel é honrado (...) porque não sai da esfera da verdade, da sinceridade e da imparcialidade. Os periódicos fizeram-se para anunciar o que vai, não para descompor e insultar o que está. São cânones das novidades políticas, não são veículos de personalidades escandalosas, de infâmias revoltantes, de insultos vergonhosos, de instrumentos de vinganças particulares e que, quando se escudam com a liberdade de imprensa, dão a conhecer que entendem por isto um descarado e absoluto desenfreamento de costumes, chegando a imoralidade neste ponto a tal excesso que metade da Nação está desconfiada da outra metade (...) e insultada por uma troca (...) de escritores venais (...), obrigando homens de bem a retirarem-se da sociedade, temendo (...) em cada jornalista um carrasco. (...) Os indivíduos (...) insultados pelos jornalistas jornaleiros conservam não só a eles um ódio implacável, mas também ao Governo (...), persuadidos de que o consente.

(...)

O estado dos papéis públicos é um estado perfeitamente anárquico. Estão divididos entre si e dividem as opiniões. O seu fim deveria ser instruir; o seu fim (...) é descompor (...). Não só escandalizam os homens honrados (...), mas expõe ao riso dos estrangeiros a totalidade da Nação. Onde quer que chegar o conhecimento da Língua Portuguesa (...) se dirá que os escritores públicos portugueses são todos filhos das regateiras da ribeira.

(...)

Não é novo (...) que um jornalista sirva a um partido político. (...) Nada conheço mais útil nos Governos (...) representativos que um partido de oposição e que deste e do outro partido sejam trombetas os jornalistas. Aclaram-se as questões (...) da política e por estes canais julga (...) o povo do estado dos negócios públicos. (...) Mas conspirarem os jornalistas para a ruína da moral pública com os seus desvairados escritos... só em Portugal.” (Macedo, 1821d: 1-3)

O excerto de texto atrás inserido apela ainda a outra conotação: Macedo tinha uma ideia nítida de que o jornalismo tem efeitos pessoais e sociais, ao nível dos afectos e os comportamentos, e não apenas ao nível das cognições, conforme postula o Modelo da Dependência de Ball-Rokeach e De Fleur (1976). Aliás, mais à frente, nesse mesmo texto, o autor desenvolve esse raciocínio, explicando que o jornalismo intensifica as emoções e impele à acção: “a imoralidade dos escritos jornalísticos passa para os sentimentos, os sentimentos transformam-se em acções” (Macedo, 1821d: 4), escreve.

Noutras pequenas obras, como na Carta ao Senhor Redactor do Diário do Governo e nas sete Cartas a Pedro Alexandre Cavroé, José Agostinho de Macedo, além de voltar repetitivamente aos temas da sua crítica ao jornalismo, zurze a sua pena sobre os jornalistas que inventam informações, publicam nos seus jornais cartas do seu próprio punho como se tivessem sido escritas por leitores e falam de acontecimentos e problemáticas que não conhecem nem dominam como se os conhecessem ou dominassem.

As sete Cartas de José Agostinho de Macedo a Pedro Alexandre Cavroé são documentos relevantes para se entender a conjuntura vintista no que ao jornalismo e à liberdade de imprensa diz respeito.

Antes de mais, é necessário explicitar que as Cartas foram impressas e vendidas como se de um periódico se tratassem, tornando-se, portanto, públicas. Porém, o carácter de discurso público que as mesmas possuem não deve obscurecer o facto de serem respostas aos ataques políticos e pessoais que Pedro Cavroé dirigia a Macedo nas páginas do seu jornal Mnemosine Constitucional e ainda em dois panfletos que publicou autonomamente: Resposta ao Papel Intitulado “Exorcismos Contra Periódicos e Outros Malefícios” com o Responso de Santo António Contra a Descoberta da Malignidade dos Aleijões Solapados (1821) e Resposta à Carta do Reverendo Senhor José Agostinho de Macedo Publicada na Segunda-Feira da Semana Santa 16 de Abril de 1821. Assim sendo, a maioria do texto das referidas Cartas é usado por Macedo para se defender das acusações de Cavroé e, por sua vez, a atacar este último. Porém, em variadíssimos excertos desses documentos transparece o pensamento de José Agostinho de Macedo sobre o jornalismo político de partido que então emergia em Portugal, mesmo quando as ideias do autor se misturam, com muita ironia, com o discurso acusatório ou defensivo em relação aos textos de Cavroé.

Na Resposta aos Colaboradores do Infame Papel Intitulado Correio Interceptado n.º 6 Impresso em Londres (Segundo o Costume), Macedo também se queixa da “tempestade de jornais (...) que se encaminham a perverter a moral, a confundir a política e desorganizar a sociedade, a indispor os povos contra os Reis, a fazer odiosos os Soberanos às suas próprias nações” (Macedo, 1821f: 1-2). No mesmo panfleto, Macedo (1821f: 2) acusa os jornalistas de inventarem títulos para enganarem os incautos.

Em 1823, no ensaio Mania das Constituições, Macedo dirá, aprimorando a sua visão da liberdade de imprensa, que o maior serviço que pode ser feito ao país é o de dirigir a opinião pública para o bem, o que significa, em última instância, dirigi-la bem.

As sete irónicas cartas dirigidas a Pedro Alexandre Cavroé, “mestre examinado do ofício de carpinteiro de móveis”, merecem especial destaque. Nelas, Macedo ataca a proliferação de periódicos e a liberdade de imprensa, que para ele apenas produziam anarquia e alarmismo social e expunham o bom-nome dos cidadãos aos insultos dos jornalistas.

Carta primeira

Na primeira das Cartas (Macedo, 1821e), Macedo atenta num dos temas que mais explora noutros escritos (por exemplo: Macedo, 1821; 1821a; 1821b; 1821c): o da ignorância dos jornalistas, quer em relação ao conhecimento das problemáticas abordadas, por muito que se arreigassem de perseguirem o espírito iluminista, quer mesmo em relação ao domínio da Língua Portuguesa e do Latim. Escreve ele a Pedro Cavroé:

“V. m., pelo que ralha no seu impresso da tradução das Odes de Horácio, parece que entende a língua dos romanos. Mas isto em v. m. é bazófia. Nem v. m. sabe que coisa é ode, quanto mais que coisa é Horácio. Mas para ser escritor público não devia ser tão ignorante. (...) Uma coisa é o nosso mestre Pedro, outra são os escritos com que o nosso mestre Pedro tem engrossado a fama literária de Portugal e servido (...) a Pátria, pelo Oceano de luz que nela tem derramado. (...)V. m. tem alguma luz da Língua Portuguesa, isto é, fala esta língua, como falam (...) os que aqui nasceram.” (pp. 1-6)

É interessante notar no texto acima, e noutros excertos de outras Cartas, que nos tempos de Macedo ainda não existia um conceito estável de “jornalista”. Macedo usa nas Cartas e em vários outros dos seus textos (Macedo, 1821; 1821a; 1821b; 1821c), indistintamente, os termos “jornalista”, “escritor público”, “periodiqueiro”, “gazeteiro”, “publicista” e outros.

O segundo tema forte na primeira Carta é o da intemperança verbal dos jornalistas, que gera processos judiciais e afecta o bom-nome dos cidadãos em colisão com o espírito que deveria presidir ao usufruto do direito constitucional e legal à liberdade de imprensa:

“Como se serve a Pátria na sua crise com escritos que produzem demandas [processos judiciais]? (...) Nos países em que a imprensa é livre, sempre há a expressa restrição dos ataques pessoais (...), a censura é para qualificar os escritos e não para facilitar atentados (...). Porque se a nova ordem de coisas é manter não só a ordem pública como também a segurança individual, como pode o cidadão estar seguro, se há liberdade na censura para se lhe atacar o que é mais precioso do que a vida, quero dizer, a reputação, a fama e o bom conceito em que naturalmente desejamos permanecer entre os nossos semelhantes? (...) Por isso mesmo temos uma Constituição liberal. Devem os cidadãos ser mais respeitados e ter mais força o freio da moral pública, para se não dizer que a bondade (...) das novas leis produz crimes e autoriza desaforos.” (pp. 7-9)

Um terceiro tópico do raciocínio de Macedo tem a ver com o “excesso” de periódicos, até porque todos diriam o mesmo, sendo parcos em novidades:

“(...) só o catálogo exacto de todos os periódicos daria mais volumes do que os que formavam a biblioteca de Ptolomeu (...). O dilúvio dos periódicos tanto atafulha a oficina que não se pode imprimir mais nada (...). Todos os dias chuva de Mnemosine, chuva de Astro, chuva de Patriota, chuva de Constitucional, chuva de Diário, e (...) não trazem mais que as sessões do Congresso (...). Os que v. m. lembra do periodiquíssimo, (...) sempre traziam coisas novas, mas agora Cortes a Mnemosine, Cortes o Patriota, Cortes o Astro (...). Pois se as Cortes são umas, (...) não bastava um [periódico] (...)?” (pp. 17-18)

Finalmente, é interessante notar na primeira Carta que Macedo tinha uma consciência clara da capacidade de amplificação das mensagens trazida pelos jornais: “Um sermão ouvido chega a duzentas ou trezentas pessoas (...), um só periódico impresso (...) chega a todos os habitantes do Reino” (p. 19).

Carta segunda

No que à teorização do jornalismo diz respeito, o tema forte da segunda Carta de Macedo a Cavroé, também presente noutros textos do autor[3] (por exemplo: Macedo, 1821; 1821a; 1821b; 1821c), é o da anarquia gerada pelos jornais:

“Ser inimigo dos periódicos não é ser inimigo da Constituição, antes é ser mais seu amigo, porque (...) os periódicos dividem e a Constituição une. Os periódicos confundem, a Constituição ilustra. Os periódicos são obra sua e dos seus colegas, e isto basta, e a Constituição é (...) o resultado das mais eminentes cabeças (...). Os periódicos são (...) uma salgalhada, a Constituição é a ordem (...). Os periódicos são os filhos, ou os pais, da mentira, a Constituição atenta sobre bases de eterna verdade e sobre firmíssimos princípios de eterna justiça. Logo, quem é inimigo dos periódicos, é o amigo nato da Constituição. Os periódicos têm por fim apanhar dinheiro, e a Constituição tem por fim a felicidade pública.(...). Quando os Exorcismos anatematizam os periódicos fazem um grande serviço à Constituição, porque [nela] não estando, como andam nos periódicos, as opiniões divididas, conservam-se os cidadãos na unidade” (pp. 9-10).

A falta de humildade intelectual dos jornalistas, que se considerariam donos da verdade, constitui o segundo tema forte da Carta Segunda a Pedro Alexandre Cavroé, Mestre Examinado do Ofício de Carpinteiro de Móveis. Sobre isso, interroga-se Macedo: “será possível que para tudo se julgue autorizado um homem unicamente porque faz periódicos para vender ao povo todos os dias?” (p. 11)

Carta terceira

A terceira das Cartas de Macedo a Cavroé pouco ajuda a traçar o pensamento macedístico sobre jornalismo, pois o autor perde-se a retorquir aos ataques de Cavroé. Uma única passagem do texto é relevante, embora o tema a que alude, o do excesso de jornais e a falta de qualidade dos mesmos, seja recorrente em Macedo: “tem prosperado (...) o ramo da indústria que se chama escrever e imprimir a torto e a direito” (p. 6).

Carta quarta

A quarta Carta também é parca em ideias que contribuam para a teorização do jornalismo em Portugal. Porém, uma acusação de Macedo a Cavroé sobre desenhos de edifícios de Lisboa que este último tinha feito para publicar no Mnemosine Lusitana, seu primeiro jornal, merece alguma atenção:

“Fez-se V. m. desenhador e escritor público, mas (...) a benefício seu ou a benefício da Pátria? Fez a sua especulação comercial, buscou os seus assinantes, meteu mãos à obra, tinha papel daqui, papel d’além, imprimiu, vendeu, guardou o seu dinheiro. Nós ficámos vendo em maus desenhos os edifícios que vemos sempre como eles são, pois ainda daqui se não foram”. (p. 6)

Conforme se observa na frase acima, para Macedo os jornalistas panfletários vintistas eram interesseiros, uma vez que o que quereriam era ganhar dinheiro com os periódicos que redigiam e publicavam, por muito que se reclamassem do espírito das Luzes e publicitassem o desejo de ilustrar a Nação. Para além disso, segundo Agostinho de Macedo, os jornalistas panfletários do vintismo também eram incompetentes e fariam jornais de má qualidade.

Carta quinta

No texto da quinta Carta ao “carpinteiro de móveis” Cavroé, José Agostinho de Macedo faz uma crítica irónica e mordaz ao liberalismo em geral e a Cavroé, auto-proclamado “publicista”, em particular, já que o considera um símbolo daquilo que combate: periódicos mal escritos, incontidos e irreflectidos, feitos por pessoas sem preparação para o ofício e ignorantes.

A maior parte do texto é consumida em ataques meramente pessoais do autor a Pedro Cavroé, sendo reduzido o espaço dedicado a reflexões sobre o jornalismo. De qualquer maneira, numa passagem em que ironiza com uma inábil utilização da palavra “requerer”, o autor, mostrando o seu desprezo pelos periódicos artesanais mal escritos por pessoas mal preparadas e ignorantes, diz:

"Com efeito, se aqueles homens ilustrados de que tanto abunda a nossa amada, e idolatrada Pátria, que tem encanecido no estudo, e porfiadas aplicações e que tanto se distinguem em conhecimentos políticos, se atrevessem a requerer para redigir um Periódico, não nos causaria admiração, porque neles não seria um atrevimento, mas um acto de justiça, que se fariam a si mesmos, e até a nós, para merecerem a nossa aprovação, à vista do emprego a que se davam, cujo desempenho nos ficava afiançado nos próprios e conhecidos talentos. Mas vermos que se abalançam a este ofício um Mestre Pedro, ainda que examinado no ofício de móveis, um mestre artista, o desdichado! (...) V.m. tem razão em dizer: - Atrevi-me a requerer - porque se para fazer uma cadeira, e um assentosinho para um Bidé, é preciso dar cinco e mais anos de ofício, quantos serão preciso de estudo para escrever dignamente para o público?" (pp. 10-11).

O autor ironiza, seguidamente, com a fama e riquezas imediatas que podem provir da publicação de um periódico, mas também com a semelhança de conteúdos entre eles e com a falta de notícias (novas) que todos denotariam:

"Faço um Periódico a trinta reis, fica-me a algibeira pejada, e a fama estabelecida; assim o disse, e assim o tem feito. Resulta daqui mesmo uma questão importante, que por si se resolve. Convém a saber: Se com a notícia da navalhada do Frade de Aranzazí fica a Pátria ilustrada, os cidadãos conhecedores dos seus deveres para com o Governo, para consigo mesmos, e para com os seus semelhantes? Até aqui, Mestre Pedro, vamos nós concordes e amigos. Basta isto para redigir magistralmente um Periódico. Porque os outros pouco mais adiantam e os que estão mais aliançados com as Potências estrangeiras apenas trazem alguma coisa da folha que vem fora da mala, e que adianta meio-dia. Outros dizem que não vem na folha ou o contrário do que vem na folha. Ponha v.m. ponham eles o que quiserem, ilustrem a Nação, e sirvam a Pátria como bem lhes parecer, eu não o hei-de sentir, porque real não mo levam!" (pp. 11-12)

Após estas considerações, José Agostinho de Macedo interroga o visado, Pedro Alexandre Cavroé, carpinteiro convertido ao jornalismo que se teria em maior conta do que era, intitulando-se de “publicista” apesar de o seu periódico trazer notícias irrelevantes, como o caso da “navalhada de Aranzazú”:

"Diga-me, assim o nosso senhor lhe dê boa venda aos tamboretes, diga-me Gazeteiro, e ser Publicista é a mesma coisa? Por isso o Couto dizia: Ui! Naquelas grosas de palmotoadas, tão bem merecidas, e tão bem dadas! É v.m. João Jaques, é v.m. Mably, é v.m. Algernon Sidney? É v.m. Grocio, Cumberlan, Pufferdorfio, Humberto Ulrico? Não, v.m. é Mestre Pedro, e estes são Publicistas, uns mais antigos, outros mais modernos. Será v.m. Bonald? Nem Bemjamim Constant v.m. é. Só se v.m. julga que eles redigiram Mnemosines com a navalhada de Aranzazú, e não aquelas obras imortais de Jurisprudências, Legislação, e alta Politica, que foram sempre a honra e o assombro do engenho humano. Pois porque, se há-de v.m. chamar Publicista, se v.m. apenas existe na ínfima relé dos Gazeteiros Portugueses! Porque v.m. saberá o que é no ofício, muito honrado, e louvável, o que é uma junteira, um rebote, uma goiva, e uma enchó. Mas o Publicista não sabe o que é, porque não é o seu ofício, e não lhe está mal esta ignorância. Cuidou que ser publicista era escrever diariamente para o Publico. Não é, Mestre Pedro! Isto é uma ciência nova, apenas entrevista na Antiguidade por Aristóteles nos seus livros de Política, por Platão na sua Republica ideal, e por Marco Túlio nos livros até agora sumidos, e agora achados no Vaticano pelo Abade Mayo, que se dizem também De Republica. Gazeteiro, Mestre Pedro, é outra coisa. Isto é, não ciência, mas ofício, que tem o berço mais miserável que podemos imaginar." (pp.12-13).

O autor dá também uma explicação sobre a origem do termo “gazeta”, realçando com o seu suposto saber[4] a ignorância do “periodiqueiro” Pedro Alexandre Cavroé, que o que pretendia seria unicamente enriquecer (“apanhar gazeta”) à custa dos incautos compradores do seu jornal:

"Havia um homem pobre em Veneza no tempo das Guerras do Doge Morosini com os Turcos: O que fez este homem falto de pão, e de macarrão? Escrevia um papel por semana, ou Diário, porque a História é nisto obscura, e o enchia das notícias que traziam aos galés da Senhoria das proezas dos Morosinis. Este papel era vendido (oh Tempora, oh! Mores!) pela moeda mais baixa que havia na República, como v.g. entre nós agora a moeda de três reis, e que a língua Veneziana chamava Gazzéta – como Basaruco em Goa, Chavo em Espanha e Quatrini na florescente Itália. Os livreiros de Veneza que tinham seu balcão à porta (não tão cheios de periódicos como os nosso, porque já ali não têm ferramentas, têm papéis), quando chegavam os Fregueses a buscar papelinhos de notícias por carta do ofício, os tais livreiros de Veneza, creio que os mais seguros nas encadernações que os nossos, pegavam em papelinho e antes de o entregarem ao freguês, ou ao gondoleiro, que o ia buscar, diziam – Gazzétta, Gazzeta! – e sem tinir no balcão a Gazzétta, não ia o papelinho. A especulação foi boa, porque pegaram as bichas, ou a tinha, pois quando em França os franceses pelejavam por Luís XIV contra o Cardeal Mazzarini, que sendo de Palermo não o era, outro podre também se lembrou de fazer papelinhos por carta de oficio como se haviam começado a fazer em Veneza, e se lhe havia de dar outro título, deu-lhe o mesmo porque já eram conhecidos na Itália – Gazzétta. A Portugal, como já era moda francesa, passou a mesma mania, ou comichão de noticias, e um grande homem por certo, chamado António de Sousa de Macedo, que foi secretário de Estado e primeiro enviado em Londres, foi o primeiro entre nós que nas porfiadas guerras da Aclamação fez também – Gazzéta – os curiosos as conservam. Ora se fazer papelinhos para apanhar – Gazzéta – baixa moeda de cobre, é ser publicista… Ah! Mestre Pedro, v. m. enganou-se, quis dizer novelista." (pp. 13-14)

De notar, também, no texto, a instabilidade do conceito de “jornalista”. Cavroé intitulava-se “publicista”, mas Macedo recusava-lhe essa denominação, propondo, ironicamente, a de “novelista”.

Carta sexta

Na penúltima das Cartas, um único excerto de texto contribui para a aclaração do pensamento jornalístico de José Agostinho de Macedo:

“Quem se não há-de indignar com a praga periodiqueira? Consenti-la é querer a divisão, a divergência e o desvario da opinião pública. Que temos feito e que temos aproveitado até aqui com os periódicos? Que melhoramento se tem sentido depois do derramamento das luzes periodicais? Todo o homem sensato tem levantado a voz contra o dilúvio incessante (...). Estes denodados campeões que vestem de armas brancas e pretas, quero dizer, papel e tina, apareceram em campo contra o chuveiro do dia, são os verdadeiros amigos da Pátria (...), porque fazer odiosos os periódicos é fazer amável a obra da nossa política de Regeneração.” (p. 8)

Analisando-se o texto anterior, pode dizer-se que Macedo reforça a sua convicção de que o alegado excesso de periódicos, todos eles almejando irradiar Luzes sobre a obscurantista sociedade portuguesa, apenas gerava a anarquia e a divisão dos portugueses.

Carta sétima

Na sua última Carta a Cavroé, Macedo volta ao tema do alegado tom insultuoso e atentatório da dignidade e do bom-nome das pessoas patente em vários jornais, nomeadamente na Mnemosine Constitucional, de Cavroé:

“V. m. Pôs em marcha uma coluna de escandalosas personalidades, mas negou-lhes a passagem pelos territórios da razão e da justiça (...). Inumeráveis papéis insolentes e desaforados têm aparecido nestes últimos tempos, (...) aluvião de injúrias que os desaçaimados periodiqueiros têm dito contra o que havia de mais respeitável em todas as classes de cidadãos” (pp. 4-6)

Para terminar, Macedo relembra que jornalistas como Cavroé se tinham em mais conta do que mereciam, até porque nem sequer saberiam escrever bem em português e davam erros. Por essa razão, apelida, satiricamente, Cavroé de ser, de acordo com os próprios escritos deste último, “Escritor público (...), escritor de alta política, (...) derramador de luzes, (...) luminar do século, (...) um mnemoseiro” (p. 7).

3. Os grandes eixos temáticos da crítica de Macedo ao jornalismo vintista

Em resumo, pode dizer-se que a crítica de José Agostinho de Macedo ao jornalismo português do início do século XIX assentou nos seguintes eixos temáticos, repetidos até à exaustão nas suas diversas obras:

1. Os jornais, opinativamente segmentados, e em cada vez maior número, fomentam a anarquia e a divisão do Povo e da Nação e geram emoção, podendo desencadear acções. O jornalismo tem, portanto, efeitos pessoais e sociais, em especial ao nível da opinião pública.

2. Os jornais providenciam ao Povo apenas o conhecimento de inutilidades e irrelevâncias, e desviavam-no da fé católica e da verdadeira ilustração, que exige daquele que quer conhecer um esforço pró-activo muito maior do que o gesto preguiçoso de ler um jornal em 15 minutos. A ilustração pessoal exige que se leiam mais livros e menos jornais.

3. Os jornalistas são maioritariamente pessoas incultas e impreparadas, muitas delas semi-analfabetas e, frequentemente, desviadas de outros ofícios onde seriam mais úteis, que encontram na publicação de jornais uma fonte de rendimento à custa dos incautos que os compram.

4. Os jornalistas não hesitam em ajuizar e sentenciar em todos os assuntos como se todos os assuntos dominassem por igual. Querem, ilegitimamente, governar a Nação, ou representá-la, quando não sabem sequer governar-se a si mesmos nem têm conhecimentos ou aptidões para o fazerem. Arrogam-se, ilegitimamente, de serem os legítimos intérpretes dos anseios da Nação, quando nem sequer a compreendem.

5. Muitos jornalistas pouco mais fazem do que copiar-se uns aos outros e copiar os jornais estrangeiros julgando que em Portugal ninguém os lê. Por isso, os jornais são semelhantes uns aos outros e quem lê um, lê todos.

6. Defraudando o público e tirando partido da sua ignorância, são os redactores dos periódicos a fabricarem cartas para os seus jornais como se fossem cartas de verdadeiros leitores, o que acentua a sensação de semelhança entre os jornais, mas a sua leitura também gera a sensação de irrealidade. Uma outra fraude cometem os jornalistas quando escrevem sobre assuntos que não conhecem e sobre acontecimentos longínquos como se deles estivessem a par. Inventar notícias e fugir à verdade são pecados maiores do jornalismo.

7. Os jornalistas, maioritariamente, não sabem escrever. Desrespeitam a gramática e a ortografia e não sabem estruturar um texto, dando-lhe um fio condutor.

Bem vistas as coisas, as críticas de Macedo ao jornalismo oitocentista, em vários aspectos, não se afastam muito das críticas que contemporaneamente continuam a ser feitas ao jornalismo. Em suma, é possível afirmar que muitas das críticas que hoje em dia se fazem ao jornalismo têm, afinal, raízes no passado...

De qualquer modo, apesar do intenso e polémico debate sobre o papel da imprensa no Portugal vintista, deve dizer-se que os portugueses entraram na terceira década do século XIX a fazerem a “aprendizagem da cidadania”, como lhe chamou Isabel Vargues (1997), graças aos jornais que transformaram o país ao dar-lhe uma espécie de fórum nacional permanente.

Conclusões

Em matéria de conclusões, deve dizer-se, em primeiro lugar, que José Agostinho de Macedo foi o primeiro autor português a tecer uma crítica estruturada e sistemática ao jornalismo, apresentando, igualmente, alternativas para o desenvolvimento da comunicação social. Nesse sentido, ele pode considerar-se como um precursor da teorização crítica portuguesa do jornalismo.

A crítica de José Agostinho de Macedo ao jornalismo político (e não só) do seu tempo permite, em segundo lugar, perceber que este autor tinha uma ideia clara sobre a influência do jornalismo na formação de correntes de opinião e sobre a repercussão das mesmas na ordem política e na governação. Macedo, sem empregar os conceitos que hoje em dia empregaríamos, percebeu que o espaço público se estava a politizar, não apenas por força dos jornais, mas também pela institucionalização da democracia representativa e pelo alargamento do direito de voto. Percebeu, também, que o jornalismo, ultrapassando o espaço interpessoal da comunicação directa, se tornava no mais importante agente de segmentação das opiniões a nível nacional.

Em terceiro lugar, pode dizer-se que José Agostinho de Macedo percebeu que o jornalismo panfletário não respondia às necessidades informativas da população, apontando a necessidade de se desenvolver um jornalismo de cariz informativo, como aquele que seria protagonizado, em Portugal, pelo Diário de Notícias, 33 anos depois da morte do autor. Paradoxalmente – coisa que não é de admirar em quem viveu uma vida de paradoxos – o próprio Macedo foi um dos mais lídimos praticantes do panfletarismo.

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Outra bibliografia de Macedo referida no texto

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MACEDO, José Agostinho. Motim Literário em Forma de Solilóquios, n.º 1 a n.º 37, 1811.

MACEDO, José Agostinho. O Desaprovador, n.º 1 a n.º 25, 1818 a 1819.

MACEDO, José Agostinho. O Desengano, n.º 1 a n.º 13, 1831.

MACEDO, José Agostinho. O Espectador Português: Jornal de Literatura e Crítica, n.º 1 a n.º 26, 1816 a 1818.

MACEDO, José Agostinho. O Oriente. Lisboa: Impressão Régia, 1814.

MACEDO, José Agostinho. O Sebastianista Desenganado à Sua Custa. Lisboa: Impressão Régia, 1810.

MACEDO, José Agostinho. Os Burros. Lisboa: Impressão Régia, 1812.

MACEDO, José Agostinho. Os Sebastianistas. Lisboa: Impressão Régia, 1810.

[1] Antes mesmo da sua fusão com a Junta do Porto, responsável pelo detonar da Revolução.

[2] Nos seus artigos 7º e 8º, também a Constituição de 1822 consignava o direito à liberdade de expressão, nos seguintes termos:

Art.º 7º A livre comunicação dos pensamentos é um dos mais preciosos direitos do homem. Todo o português poe, por conseguinte, sem dependência de censura prévia, manifestar as suas opiniões em qualquer matéria, conquanto que haja de responder pelo abuso desta liberdade nos casos e pela forma que a lei determinar.

Art.º 8º As Cortes nomearão um tribunal especial para proteger a liberdade de imprensa e coibir os delitos resultantes do seu abuso (...).

[3] Ele refere-se, nomeadamente, ao Exorcismos Contra Periódicos e Outros Malefícios (1821).

[4] Um saber equivocado. No texto, Macedo explica que o primeiro gazeteiro português teria sido António de Sousa de Macedo, ignorando o contributo dos autores da Gazeta “da Restauração”.

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