Cerqueira, E. (1952)
CERQUEIRA, Eduardo (1952). O Centenário do “Campeão do Vouga”. Notas de Recordação do Primeiro Jornal Aveirense.
Autor: Cerqueira, Eduardo
Ano de elaboração (caso não coincida com ano de publicação)
Ano de publicação/impressão: 1952
Título completo da obra: O Centenário do Campeão do Vouga
Tema PRINCIPAL: História do Jornalismo
Local de edição: Coimbra
Editora (ou tipografia, caso não exista editora): Oficinas Gráficas da Coimbra Editora, Lda
Número de páginas: 24
Cota na Biblioteca Nacional e noutras bibliotecas públicas
Cota da Biblioteca Pública Municipal do Porto: J – 3 – 1 – 63 (35)
Cota da Biblioteca Nacional: H.G. 18741//13 V
Esboço biográfico sobre o autor ou autores (nascimento, morte, profissão, etc.)
Eduardo Cerqueira nasceu a 5 de Setembro de 1909 na freguesia de Vera-Cruz, em Aveiro. Frequenta, em 1927, sucessivamente as Faculdades de Ciências e de Farmácia, na cidade do Porto, que viria a deixar tempos depois. Em 1933, ingressou no funcionalismo público indo trabalhar para a cidade da Guarda, regressando, em 1936, a Aveiro já casado e com filhos, para aqui se radicar definitivamente, como funcionário da Junta Autónoma das Estradas. Desde cedo começou a dedicar-se ao jornalismo, sendo correspondente de “O Século” e “O Primeiro de Janeiro” e delegado de “O Diário de Notícias” e colaborador, a partir de 1945, da revista “Arquivo do Distrito de Aveiro” e, de 1966, da revista “Aveiro e o seu Distrito”. Escreveu também para os semanários regionais, como o “Correio do Vouga” e o “Jornal de Aveiro”, sendo um dos frequentes e primeiros colaboradores do jornal “O Litoral”, desde o primeiro número surgido em 1954. Sócio de diversas colectividades aveirenses, foi director do Sport Club Beira – Mar e da Associação de Futebol de Aveiro e membro das Comissões Municipais de Cultura e de Toponímia. A 15 de Março de 1971, Eduardo Cerqueira assumiu as funções de Presidente da Junta do Porto de Aveiro, cargo que ocupa até 1977. Um ano depois, afirma-se como “uma débil voz que secunda o coro a favor do património local” e torna-se um dos colaboradores da ADERAV, escrevendo para o “Boletim” desta Associação e participando em várias iniciativas. Por volta do ano de 1982, é agraciado pela Câmara Municipal de Aveiro com a Medalha de Prata da Cidade.
Na madrugada de 5 de Setembro de 1983, falece Eduardo Cerqueira, quando completava precisamente setenta e quatro anos de idade.
Índice da obra
[Não existe índice]
História do Nascimento de um “Campeão”: pp. 5-8
Estrutura e formação dos Quadros do jornal: pp. 9-10
Um periódico de Crenças e Ideias: pp. 11-13
Missão Orientadora e Informativa – A sua mensagem: pp. 14-15
Remodelação dos Quadros: pp. 16-17
Perfil de Manuel Firmino de Almeida Maia – A Afirmação de um Homem: pp. 18-19
A Evolução do “Campeão”: pp. 20-21
Uma Nova Geração e a extinção do “Campeão”: pp. 22-23
Homenagens – “Por detrás de um grande Homem há sempre uma grande Mulher”: pp. 24
Resumo da obra (linhas mestras)
Esta obra é uma homenagem mas sobretudo a comemoração do centenário de um jornal na história da imprensa periódica aveirense, sem dúvida das mais ricas e significativas das pequenas cidades nacionais, ocupando um lugar destacado o Campeão das Províncias, inicialmente chamado Campeão do Vouga. O papel preponderante desse jornal durante largas décadas da vida pública de Aveiro, quer no ponto de vista da doutrinação e acção política, quer na propaganda e defesa dos problemas regionais ou na divulgação dos seus motivos de prestígio e das suas glórias, residiu, segundo o autor, na revelação dos seus valores intelectuais e espirituais ou nas iniciativas que tomou e preconizou. O Campeão foi, segundo o autor um repositório e testemunho dos acontecimentos locais, mas teve ainda, mais acentuada relevância como actor, figurante de primeira plana, directo e activo, na cena pública da cidade e do distrito. Nasceu de gente nova, com os intemeratos entusiasmos e as ilusões generosas próprias da idade, eivada de novas ideias, vogando nas águas do romantismo e do liberalismo.
Com o fim do cabralismo novos horizontes abriram-se aos moços irrequietos e inconformistas. Manuel Firmino de Almeida Maia, regressara à sua terra natal, cheio de confiança nas suas pujantes qualidades e decidido a patenteá-las e fazê-las vingar. A imprensa, soltas as peias do malquisto cabralismo, era o campo propício para um jovem, compenetrado dos seus méritos, audaz e voluntarioso, provar e exercitar as faculdades iniludíveis que aguardavam o ensejo e o quadro de acção para se manifestarem e convenceram. O jornal seria o veículo das suas doutrinas, dos seus critérios de julgamento e conduta, do poder de irradiação da sua inteligência e da sua vontade, o instrumento de que se serviria para persuadir das suas verdades e refutar as contrárias, para levar o seu nome a um círculo cada vez mais largo de leitores, quiçá, de admiradores e correligionários. Até então, o país não contava com mais de uma vintena de folhas periódicas, editadas, apenas, e, Lisboa, Porto e Coimbra, e em Aveiro, que é como quem diz, em todo o distrito, só até essa altura se publicara o Boletim de Notícias. Manuel Firmino estava, então, na plenitude dos seus dos seus vinte e sete anos. Apoiado, se não instigado, pelo conselho acalentador da dedicada esposa, lança a ideia a ideia do jornal por meados de 1851. A primeira adesão à iniciativa, porventura a mais decisiva e valiosa, encontrou-a num adolescente que encetava os passo de uma carreira política de contínuos triunfos – o aluno de Direito José Luciano de Castro Pereira Corte Real. Em fins de Agosto distribui-se o prospecto anunciando a saída do Campeão do Vouga – Jornal Literário e Político. O prospecto – circular anunciava o seguinte: “Um novo jornal vai aparecer neste canto de Portugal, um novo soldado vem tomar a cruz, e marchar para a santa cruzada da emancipação do pensamento! (…) O Campeão do Vouga será um jornal literário em cujas colunas terão um honroso lugar a história, biografia, descrições, a poesia, a tradução de alguns trechos mais importantes, etc. (…) A nossa divisa, o n osso timbre será – O Amor da Pátria, a que morreremos abraçados. Conhecemos a arduidade da matéria, mas não trepidamos, não recuamos ante ela. Oxalá que uma estrela propícia nos sirva de farol, na alpestre vereda por onde caminhamos. (…) Publica-se uma vez por semana. Assina-se em Aveiro, no Escritório da Redacção. Preço da assinatura: por ano, 2.000 reis; por semestre, 1.100 reis; por trimestre, 550 reis.” (pp. 5-8).
Adquiriu-se, então, uma larga parcela do material pertencente à modesta tipografia de Joaquim Maria plácido – única que existia além da do Governo Civil e recorrera-se à habilidade do ensamblador José Pereira para executar um imprescindível prelo de madeira, Porém, escasseavam os profissionais gráficos para trabalhos de tamanha monta e responsabilidade; faltavam os recursos financeiros para lançar a publicação e sustentá-la com normalidade. Mas não estava na índole perseverante de Manuel Firmino desistir a meia encosta, nem José Luciano o deixara desacompanhado a enfrentar os contratempos e embaraços, as atitudes negativas dos cépticos. Conseguiram tipógrafos, embora em condições precárias, ganharam a confiança dos irresolutos e dos menos crédulos e, graças à generosidade afectuosa da mãe do segundo, desvanecida com os sucessivos êxitos do filho, em que se revia orgulhosa e com a possibilidade de abrir-lhe nova senda aos caminhos, da glória que lhe ambicionava, também foi solucionada a questão económica. A bondosa senhora cedeu, para as despesas iniciais do jornal, um valioso cordão de oiro, pelo qual um capitalista adiantou as precisas e suficientes quinze moedas. O Campeão do Vouga veio, assim, a publicar o primeiro número a 14 de Fevereiro de 1852 (completou-se um século na altura em que esta obra foi escrita 1952), subintitulando-se de “Jornal Político, Literário e Comercial”. A política e a literatura, ao concretizar-se a iniciativa, trocaram a ordem, dando primazia à primeira, a qual, aliás, seria pelo tempo adiante a razão dominante do periódico, e alargou-se ao âmbito das actividades mercantes. Procurava-se, entretanto, para o cargo de redactor principal um nome mais decisivamente conceituado, com maior prestígio literário e político, e surgiu então o nome do Dr. José Maria de Almeida Teixeira de Queirós.
Como editor figurava o bacharel João Gonçalves Meireles Monteiro, muito conhecido no meio aveirense, o lugar de administrador pertencia a Manuel Firmino. José Luciano e Bernardo de Magalhães não apareciam como redactores efectivos ou responsáveis da publicação, mas conservavam-se fiéis à sua sorte. Seriam colaboradores permanentes. O jornal foi impresso na Tipografia de Manuel Firmino de Almeida Maia. Os preços da assinatura são mais elevados do que o mencionado no prospecto atrás transcrito: por ano, 3.000 reis; por semestre, 1.500 reis; por trimestre, 750 reis. Não houve, porém, propriamente um encarecimento. Pelo contrário, cada número tornou-se mais barato, pois em lugar de se publicar uma vez por semana, como era intenção inicial, saiu como bi – semanário, com uma edição aos domingos e outra às quintas – feiras (pp. 9-10).
A posição que tomava e que era demonstrada no primeiro número do Campeão do Vouga, fixava-se, porém, no campo das ideias liberais que “caminhavam ao passo que a ilustração ia chegando a todas as classes, e que a razão e a inteligência do povo se desenvolve e engrandece”. Vincava resolutamente essa posição: “Pertencemos ao grande partido liberal. Temos uma crença firme no progresso do espírito humano; e é dela que esperamos a aurora da redenção. (…) É necessário que sejamos revolucionários, mas nas ideias, e não nas praças. Têm-nos alcunhado de anarquistas e demagogos, talvez porque não sabem apreciar a sensatez do nosso juízo, a elevação das nossas ideias, a prudência das nossas aspirações; talvez porque querem indispor-nos com a nação, e com a Europa. (…) Não renegamos as nossas crenças, nem encobrimos as cores da nossa bandeira, mas temos bastante prudência para não comprometer o futuro com as nossas leviandades (…)”. O número propunha-se, naturalmente, dar a conhecer o que seria o jornal no futuro: “O Campeão do Vouga é um periódico de tolerância e de independência. Havemos de apresentar os actos da administração pública à sua verdadeira luz, apreciá-los sem ódio, nem afeição de partido. (…) Mas havemos de julgar os actos, e não os homens. E, se porventura uns e outros estiverem de tal modo identificados que na apreciação daqueles possamos ferir algumas susceptibilidades, desde já declaramos sinceramente que nos leva a isso a suprema lei da utilidade pública, que, para nós, é omnipotente, e superior a todas as considerações pessoais” (pp. 11-13).
Foram mitos os nomes que deram o seu contributo ao Campeão, alguns deles como o poético, o nonagenário Francisco Joaquim Bingre, o venerado e desafortunado “Cisne do Vouga”» e Bernardo de Magalhães, que dera o seu apoio nos trabalhos preliminares da fundação do periódico. José Luciano, o mais pronto e prestimoso companheiro do fundador, não podia faltar.
Subscreveu uma “Introdução Literária” onde proclama convictamente: “O espírito é rei do futuro, livre e independente levanta a bandeira da ressurreição social, desdenha a ignorância e a superstição sentado no seu trono de diamantes”. Enfeita o estilo com todas as riquezas de expressões de que dispõe, defende com ardor a liberdade do pensamento, num ou outro passo lança afirmações de nítida heterodoxia católica, para terminar: “Fortalecidos com a fé em Deus e no progresso social, e submissos nesse campo glorioso, em que inteligências mais fortes já se têm estreado – nós vimos, com a mão no coração escrever algumas páginas de instrução para esse povo que desfalece á míngua – e que marcha com os olhos vendados pela neblina da ignorância, no caminho das gerações. Se nos enganarmos, oxalá que Deus e o futuro nos perdoem!”. Falava a sinceridade, muito longe ainda das responsabilidades do poder e das contingências da acção. Um último artigo doutrinário – “O Jornal e o Distrito” - vem assinado por Francisco Maria de Sousa Brandão. É um elogio ditirâmbico da imprensa pois “tem formado uma ciência pública que, pela sua força e extensão tem exautorado as ciências antigas das universidades, e democratizado as suas doutrinas mais elevadas”. Aponta com clarividência incontestável a influente acção do jornal na ilustração das diversas classes de leitores, quer expondo as conquistas da ciência ou o decorrer dos factos, pretéritos e presentes, “à lareira do lavrador, na tenda do vendilhão, na loja do operário, como na banca do advogado e no bufete do ministro do Estado”, quer no despertar e incentivar as correntes de opinião: “Quando às nossas mãos chegavam as folhas em que líamos as revoluções de um país vizinho, era como se tocássemos no excitador eléctrico, que nos comunicava o mesmo estremecimento que eles sentiam”. O Campeão do Vouga, como o nome aliás inculcava, vinha com seus assomos de ardoroso defensor de um ideal e de uma região, e vinha para prosseguir intrepidamente, a sua missão orientadora e informativa. Logo a 17 de Abril, apenas decorridos dois meses sobre a saída do periódico, o Dr. Teixeira de Queirós abandona o seu lugar de redactor principal (pp. 14-15).
A direcção política do periódico foi assumida por José Luciano de Castro, que não se conservará na efectividade do lugar por mais de dois meses (19 de Abril a 21 de Junho). O jornal estava no início, desejava singrar e criar raízes, necessitava de usar, para esse fim, de uma cauta moderação, de captar e não desagradar. O jovem estudante, nos seus arrebatamentos moços estaria de algum modo a comprometer-lhe o futuro. Queria antes desagradar do que degradá-la e, assim, despedia-se, aproveitando uma suspensão do jornal, com as susceptibilidades magoadas, mas “fazendo votos pela duração do Campeão do Vouga, cuja existência, se receber alguma animação, pode ainda ser de alguma utilidade para a terra que o viu nascer”. Um suplemento ao n.º 37, de 22 de Junho, anunciava a suspensão a que atrás é referida, sendo justificada da seguinte forma: “os compositores do jornal eram, até agora, cumulativamente empregados do governo civil, já se vê por esta circunstância que nem o jornal podia ser imparcial, como há-se ser infalivelmente, nem ser publicado com a regularidade necessária, visto que aqueles empregados têm no governo civil obrigações diárias a que satisfazer”. Passou a exercer a direcção política do jornal José Maria de Sousa Lobo (pp. 16-17).
Mas já Manuel Firmino, sempre zeloso a velar pelo êxito e pelo futuro do que era fundamentalmente obra sua e em cuja redacção colaborara permanentemente, tomara o comando da táctica política a adoptar e na orientação geral a ministrar-lhe. Em consequência de uma campanha implacável contra o governador civil da altura, Antero da Silveira Pinto, o Campeão (já antes, de 9 a 23 de Agosto, forçado a crismar-se com o nome de Aveirense), sofreu uma suspensão por sentença judicial, acerbamente criticada por diversos órgãos da imprensa. O jornal passara a hostilizar o governo que sustentava o malquisto governador civil e veio a sofrer as consequências da sua intransigência. O cargo de redactor político passara então a ser exercido por José Eduardo de Almeida Vilhena. Todavia, desde Março de 1853, na cabeça do jornal figurava apenas um nome, o de Manuel Firmino de Almeida Maia, na tripla qualidade de proprietário, redactor e responsável, declarando pouco antes o seguinte: “Dispensamos de hoje para o futuro de assinar os nossos artigos. Gerente único, proprietário exclusivo deste jornal, queremos e devemos tomar sobre nós toda a responsabilidade da sua doutrina. Ninguém mais, por conseguinte, a partilhará – caber-nos-á toda”.
O Campeão, em boa verdade, não era só sua propriedade, mas construção sua, desde os alicerces levantados pelo seu esforço infatigável e pela sua vontade. Deixava de ser partilhado por outras inteligências, ganhava unidade e tomava a feição definitiva. Era e permanecia a tribuna de Manuel Firmino, o seu potente porta – voz. Alargava-se cada vez mais o círculo de influência do já radicado periódico, tornava-se maior a audiência das opiniões que expendia e, o prestígio do seu director. A defesa dos problemas locais e dos mais honrosos títulos da cidade atrai-lhe simpatias entre os conterrâneos. Em 1860, na sua primeira eleição para presidente do município aveirense, obtém uma vitória de forma natural e lógica. Subira o primeiro degrau como regedor de Avança, venceu um segundo (…) Avançava outro, assumindo durante quatro biénios consecutivos a gerência da Câmara Municipal da sua terra. Hábil, sabia ladear obstáculos; inteligente, tinha a visão dos problemas e propunha-lhes as soluções convenientes; contumaz, sabia perseverar nas suas resoluções. E era ilhano e afável, dispunha da capacidade de querer, e saber querer, e de incansável energia. Mostrou, decerto, fraquezas, mas foi essencialmente uma personalidade forte, diligente, operosa e profícua. Teve, sem dúvida defeitos, mas talvez os defeitos necessários para demonstrar as suas qualidades e torná-las benfazejas. Era bondoso e prestável, soube pelo seu espírito empreendedor granjear fortuna e morreu pobre. Um pescador da Beira – Mar, ao entrar pela primeira vez em casa de Manuel Firmino, por ocasião do seu funeral, mirando o recheio da residência do patrício eminente, fizera este significante comentário: “muito rico sério o Sr. Conselheiro Manuel Firmino se não devesse quase tudo quanto tinha!”. Na espontânea sinceridade de um homem rude, brotava o reconhecimento de que, dispondo não só do mando, mas da prosperidade material, não guardara para si só os meios de fortuna que lograra. Os adversários apelidaram-no com irónicos intuitos, de “pai dos pobre”, mas, diria o Dr. Joaquim de Melo Freitas, junto ao seu ataúde, “mal pensavam que lhe faziam desta arte o melhor dos elogios” (pp. 18-19).
Em 12 de Novembro de 1859, o Campeão do Vouga mudou o título para Campeão das Províncias. “Não é um novo atleta da publicidade (…), era o mesmo denodado bi – semanário, ao atingir uma expansão que excedia as regiões compreendidas no «pátrio do Vouga». Esta substituição não personifica vontade individual. É o reflexo da aceitação que esta folha tem granjeado dentro e fora do país”. Quanto ao mais, não havia qualquer mudança: o seu orientador era Manuel Firmino, ele continuava a conduzi-lo e inspirá-lo consoante se lhe afigurava mais conveniente. Em política manteve-se inteiramente como dantes: “O Campeão das Províncias nem é oposição nem governamental. Representa uma ideia; e afervora o empenho em ser útil, ao país, sem se prender como o modo de pensar dos ministros uma vez que os seus actos sejam proveitosos à cauda pública”. A própria numeração seguiu a do Campeão do Vouga e o aniversário do jornal foi sempre assinalado em 14 de Fevereiro e não a 12 de Novembro. O reputado jornal aveirense foi singrando, ano após ano, criando e engrossando a corrente dos adeptos, rumando conforme as inclinações do seu pilar e mentor, ora pró ora contra os ventos dominantes. Em Outubro de 1872, toma uma iniciativa que não pode deixar de se considerar audaciosa, lançando uma edição quinzenal para o Brasil – onde, aliás, já possuía numerosos assinantes – que sustentou durante cinco anos. O propósito da edição consistia, segundo o autor, em levar “ao império do Brasil, duas vezes em cada mês, as notícias mais importantes de Portugal e da Europa, concorrendo quanto pudesse para estreitar cada vez mais os laços que prendem os dois continentes”. Revelava notável rasgo e visão. pp. 20-21
Por morte de Manuel Firmino, em 30 de Julho de 1897, seu filho Firmino de Vilhena de Almeida Maia ocupava a direcção do jornal que, tendo militado por muitos anos no partido progressista, veio a evolucionar no sentido da política republicana e a alinhar nas fileiras “democráticas”.
O novo director, formado na escola de seu pai, mas menos propenso à acção, mantém o jornal num elevado nível, a par dos mais conceituados da província. Firmino de Vilhena, além de inúmeros artigos e locais que, deixou no bi – semanário, escreveu e publicou numerosas e apreciáveis produções poéticas e algumas obras teatrais, interessantes e bem tecidas. Entre os seus trabalhos literários citaremos: Crianças, poemeto, 1885; Hespanholas, versos, 1885; Sombrios, versos, 1886; O Beijo, 1886; Perdão, drama em 3 actos, 1886; Ao desamparo, poesia, 1892; Na mi-carême, versos, 1893; Noivos, comédia em verso, 1894 (…). O último período do Campeão, contado a partir do falecimento de Firmino de Vilhena, a 5 de Outubro de 1922, é a fase fugaz da direcção do Dr. Manuel de Vilhena e não ultrapassa o ano seguinte.
Dificuldades ocasionais não permitiram conservar aquela honrosa herança do avô e do pai ao derradeiro director. Quebrado o impulso provindo do seu animoso iniciador, mudadas as circunstâncias e determinantes, o glorioso Campeão veio a extinguir-se com o n.º 6.879, de 26 de Janeiro de 1924. em Manuel Firmino o jornal era uma necessidade, uma forma de se afirmar e de exercer a sua missão de homem público; no Dr. Manuel de Vilhena representava o encargo de manter uma tradição de família que, à margem das suas predilecções jurídicas, manteria por diletantismo. O velho Campeão das Províncias cessou a publicação, mas deixou um nome vincado na imprensa nacional e, particularmente, na história do jornalismo aveirense, onde não ficou apenas como o periódico mais duradouro, mas, incontroversamente, como dos mais notáveis e representativos. O jornal contou, porém, com colaboradores de elevada envergadura intelectual e política (entre os mais notáveis, José Estêvão e Mendes Leite), “fraternos companheiros nas lutas pelos princípios liberais” (pp. 22-23).
Deve assinalar-se, ainda, segundo o autor, o nome de D. Maria Arrábida de Vilhena de Almeida, a já citada esposa de Manuel Firmino. Para o autor, “nenhum amparo e nenhum incentivo influíram mais decisivamente para a publicação do jornal, ninguém com mais carinhoso desvelo o acompanhou nos passos incertos ou nas horas de êxito, nem lhe apeteceu uma carreira de maiores venturas. Delicado espírito de poetisa, dispondo de uma bagagem literária pouco vulgar na sua época, senhora que deixou uma recordação perdurável pela distinção, bondade e infatigável solicitude, foi a fada benfazeja do Campeão das Províncias e destinou-lhe numerosas poesias que caíram em injusto olvido. Foi das mais profícuas a sua discreta interferência e das mais estimáveis a sua efectiva colaboração”.
O autor relembra, finalmente, a história do Campeão das Províncias com as seguintes palavras: “Ao terminar este bosquejo da existência do Campeão das Províncias – que, vai para o meio século, mereceu ao município ser inscrito nas designações toponímicas aveirenses – ocorre lembrar que há muito existe um busto de Manuel Firmino, que se destinava a perpetuar a sua memória numa praça pública” (p. 24).
Nome completo do autor da ficha bibliográfica: João Manuel Gomes Ferreira
E-mail: joaoferreira@gmail.com