Bessa, A. (1904)

BESSA, Alberto (1904). O Jornalismo. Esboço Histórico da Sua Origem e Desenvolvimento Até aos Nossos Dias.

Autor: BESSA, Alberto

Ano de elaboração (caso não coincida com ano de publicação)

Ano de publicação/impressão: 1904

Título completo da obra: O Jornalismo. Esboço Histórico da sua Origem e Desenvolvimento Até aos Nossos Dias

Tema principal: História do Jornalismo

Local de edição: Lisboa

Editora (ou tipografia, caso não exista editora): Livraria Editora Viúva Tavares Cardoso

Número de páginas: 365

Cota na Biblioteca Nacional e eventualmente noutras bibliotecas públicas

Cota na Biblioteca Nacional: H.G. 20867 P. P. 6704 P.

Cota na Biblioteca Municipal do Porto: J1-1-2

Esboço biográfico sobre o autor ou autores (nascimento, morte, profissão, etc.)

Alberto Bessa, escritor e jornalista, nasceu no Porto, em 1861, e morreu em Lisboa, em 1938. Iniciou a sua carreira no jornal “O Operário” e depois no “Protesto Operário”. Fundou, dirigiu e colaborou com vários periódicos portuenses, mas a sua carreira profissional ganhou particular impulso a partir do momento em que ingressou no Século”, em Lisboa, em 1896. Em 1902, saiu do “Século” para fundar jornal “Diário”. Em 1906, transferiu-se para o “Diário de Notícias”, como redactor. Em 1910, transferiu-se para o “Jornal do Comércio e das Colónias”, do qual foi redactor principal (1917) e director (1921), cargo que ocupou até 1932. Bessa foi também um grande dinamizador do movimento associativo dos jornalistas, sendo um dos fundadores da Associação da Imprensa Portuguesa. Foi secretário da comissão instaladora da Associação da Imprensa Portuguesa (1897) e membro da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto. Em 1912, enquanto esteve ligado ao “Jornal do Comércio e das Colónias”, escreveu a “Enciclopédia do Comércio e do Industrial”. Prometeu lançar um livro intitulado “Nos Bastidores do Jornalismo”mas, aparentemente, nunca o publicou e, se o tinha em manuscrito, provavelmente este perdeu-se.

Índice da obra

O jornal e o público (artigo-prefácio) p. VII

Ao leitor p. XXI

Synthese da imprensa p. 23

A necessidade da convivência p. 39

Origem da publicidade periódica p. 47

Origem das «folhas» e das «gazetas» p. 53

O jornalismo na Inglaterra p. 59

Jornaes portuguezes impressos em Londres p. 88

O jornalismo em França p. 91

Jornaes portuguezes impressos em Paris p. 140

O jornalismo em Portugal e Hespanha p. 143

Do modo de ser do jornalismo entre nós p. 178

O jornalismo na China p. 187

Jornaes portuguezes impressos na China p. 194

O jornalismo no Japão p. 195

Jornaes portuguezes impressos no Japão p. 205

O jornalismo na América p. 207

Jornaes portuguezes impressos nos Estados Unidos p. 235

O jornalismo no Brasil p. 237

Jornaes portuguezes impressos no Brasil p. 255

Jornaes orientaes e argentinos p. 257

Jornaes portuguezes impressos em Montevideu e Buenos-Ayres p. 259

O jornalismo na Rússia p. 261

O jornalismo na Itália p. 272

Na Áustria – O jornal-telephonico p. 278

O jornal do Oceano e o jornal do Pólo p. 283

O jornalismo no futuro – Conclusão p. 285

Resenha Chronológica e Alphabetica do jornalismo brasileiro p. 287

Addenda relativa ao jornalismo do Estado de S. Paulo p. 355

Errata importante p. 365

Resumo da obra (linhas mestras)

O Jornalismo – Esboço Histórico da Sua Origem e Desenvolvimento Até aos Nossos Dias, de Alberto Bessa, prefaciado por Edmundo d’Amicis, editado em 1904, é o primeiro exemplo de uma verdadeira história (internacional) do jornalismo publicada no país, embora o autor, como outros da mesma época, extravase o seu objecto de estudo para desenvolver, por exemplo, várias considerações sobre o jornalismo nacional e estrangeiro que se praticava na altura.

O artigo-prefácio de Edmundo d’Amicis incluído no livro de Bessa demonstra não só que os autores portugueses conheciam e colaboravam com autores estrangeiros que teorizavam sobre jornalismo mas também que muitas das preocupações dos teóricos contemporâneos eram também as preocupações dos teóricos que os antecederam.

Edmundo de Amicis, ao prefaciar o livro de Alberto Bessa (1904: VII) escreve que o jornal é “um livro impresso sobre uma folha (…), um livro volante” que coloca os leitores a par dos grandes e pequenos acontecimentos do quotidiano, aconselha nos negócios, anuncia produtos e serviços e oferece empregos, oferece passatempos e folhetins e entretenimento para as crianças, mas que “na manhã seguinte está sepultado e esquecido” (Amicis, in Bessa, 2004: VIII). Numa abstracção destas descrições concretas chegaríamos, assim, a algumas das funções sociais do jornalismo: informar; orientar; entreter.

Para Edmundo d’Amicis (in Bessa, 1904: XI), apesar de o jornal sair para a rua todos os dias, conserva os seus românticos mistérios:

“Dos milhões de homens que lêem diários (…), uma grande parte não faz ideia da vasta complexidade do trabalho de que o jornal é a resultante, da grande variedade de cooperadores, da rigorosa economia do tempo, da admirável complicação de auxílios mecânicos que ele requer. (…) A folha sai, segundo eles pensam, de uma oficina misteriosa (…).” (Amicis, in Bessa, 1904: XI)

A citação anterior mostra, por outro lado, que Edmundo de Amicis já tinha, no advento do século XX, uma noção clara da pressão do tempo sobre a complexa actividade jornalística.

Amicis (in Bessa, 1904: IX) descreve os efeitos do jornalismo de forma concreta, ao dizer que o jornal, além de colocar as pessoas a par do que acontece, pode ajudar o criminoso a fugir, o negociante a fechar um negócio, um cidadão a decidir; pode convocar o ódio ou o amor dos atingidos pelas suas notícias, provocar discussões e originar desmentidos, etc., mas, caminhando-se no sentido da abstracção, verifica-se que as ideias principais, sistemáticas e contemporâneas sobre os efeitos pessoais e sociais do jornalismo estão presentes no texto desse autor. Os jornais têm efeitos:

a) Cognitivos: Os jornais fazem as pessoas conhecer o que acontece e alimentam as conversas, ou seja, agendam temas. Amicis (in Bessa, 1904: XVI) diz mesmo: “Suprimi o jornal e suprimireis entre milhões de homens a discussão dos negócios públicos”!

b) Comportamentais: Uma notícia pode, por exemplo, originar desmentidos.

c) Afectivos: Os conteúdos podem gerar ódios e rancores, mas também paixões.

Interessantemente, Amicis (in Bessa, 1904: XI) também explica que os “ingénuos (…) formam um conceito quase fabuloso da força do periódico”. As palavras do autor documentam que alguns teóricos já no início do século XX tinham a percepção nítida de que certas pessoas, nomeadamente ao nível do senso-comum, têm tendência para exagerar os efeitos (perversos?) da comunicação social, ideia relevante da hipótese actual do third person effect. Porém, esse autor também estava consciente da capacidade de, a médio e longo prazo, o jornal, como diríamos contemporaneamente, não apenas agendar temas na agenda pública, mas também agendar os enquadramentos propostos para esses temas (ou seja, a comunicação social, junto de certas pessoas e em determinadas circunstâncias, pode ter idêntico êxito em não só levar as pessoas a pensar sobre certos assuntos mas também em fazê-las pensar de determinada maneira acerca desses mesmos assuntos): “Que interessante estudo poderia fazer-se sobre a lenta infiltração de ideias, sobre a gradual modificação de juízos e de convicções que realiza o jornal em grande número de homens, os quais, a pouco e pouco, acabam por não raciocinar senão com o raciocínio daquele” (Amicis, in Bessa, 1904: XIII).

Já para Alberto Bessa (1904: 29), a imprensa “é um grande bem (…) porque é a palavra organizada em instituição, tornada eco da multidão (…), servindo, com a sua voz, de válvula de segurança”. Estas palavras de Bessa demonstram que em Portugal também já se tinha espalhado, no início do século XIX, o conceito sociológico da imprensa como instituição social, caro aos pioneiros oitocentistas alemães da sociologia.

O cruzamento entre jornalismo e democracia também vem de há muito tempo atrás. Alberto Bessa (1904: 36) escrevia, por exemplo, que o jornalista é o “catedrático de democracia em acção”.

Outras funções atribuídas aos jornalistas por Alberto Bessa (1904: 36) são ser “mestre das primeiras letras” (dimensão pedagógica oculta do jornalismo), “advogado e censor, familiar e magistrado”. Porém, as elegias ao jornalismo e aos jornalistas não são gratuitas. Alberto Bessa (1904: 27), por exemplo, como outros autores, associa o mérito do jornalismo à condição deste respeitar o histórico valor da verdade: “embora as maiores instituições humanas se alienem ou enxovalhem, restará sempre uma nova – a imprensa, capaz, por si só, de reconquistar todas as outras quando associada à (…) verdade” (Bessa, 1904: 27).

Outros valores profissionais realçados por Alberto Bessa (1904: 30-31 e 34-35) são a independência, a coragem, o civismo e a integridade, que asseguram que o público considera um jornal credível:

“O jornal tem de ser um órgão vivo, correspondente a uma actividade necessária, executando um trabalho fecundo e proveitoso, servindo a inteligência (…) dos (…) que o lêem (…). Não deve ter hesitações nem fraquezas (…). No curso dos factos e das ideias entram como elemento de apreciação, de crítica e de estudo, o temperamento, o valor e o mérito do jornalista, que é o factor subjectivo e pessoal, moral e responsável, do exercício da imprensa. Deve ser de coragem, de independência e de civismo formado o seu carácter; de penetração, de lucidez e de imparcialidade formado o seu critério (…) a sua alma votada a todas as concepções mais elevadas (…) na justiça, na verdade e no bem.

O cachet pessoal que o temperamento do jornalista possa dar ao seu trabalho não o prejudica se ele tiver (…) originalidade e mérito. O que é preciso ter em atenção é que não basta a um jornal possuir a admiração dos que o lêem: necessita de ter a confiança daqueles que o procuram, porque o jornal é mais dos seus leitores do que dos seus redactores ou proprietários (…).

A característica da confiança que inspira um jornal está na segurança que possa ter o seu público (…), sendo a independência de opinião de um jornal o único meio de garantia de uma tal segurança.” (Bessa, 1904: 30-31 e 34-35)

Para Bessa, o jornal precisa, para concretizar a sua missão, de respeitar uma espécie de contrato que estabelece com o leitor, assente nos valores profissionais:

“Seja por afinidade de pontos de vista e de sentimentos, ou por comprovadas tradições de seriedade, de escrúpulos, de independência e de hombridade, o leitor acostuma-se a um jornal (…) e quase lhe entrega a direcção do seu espírito, a justificação dos conceitos que emite, dos juízos que forma, das críticas que faz e até, por vezes, das resoluções públicas que toma. Para que este facto se generalize, é necessário que o jornal se tenha identificado com o geral da opinião, já dirigindo-a, já reflectindo-a (…)” (Bessa, 1904: 35).

Uma concepção comum do jornalista nos autores portugueses, na sua luta pela dignificação e justificação da profissão, é a do jornalista paladino, espécie de cavaleiro andante. Alberto Bessa (1904: 26) escreve: “O jornalista deve sentir todas as dores, revoltar-se contra todas as injustiças, aplaudir todas as boas acções, opor-se a todas as vilezas (…), só deve ferir combates cuja vitória nobilite e enalteça o vencedor”. Porém, o conceito mais vezes repetido pelos autores portugueses para caracterizar o verdadeiro jornalista é o do jornalista sacerdote. “O jornalismo é um sacerdócio”, segundo Bessa (1904: 36), é uma frase “velha”, mas “justa, porque o sacerdócio (…) significa (…) o exercício de todas as funções elevadas, de todas as profissões nobres, e aplica-se a todos os misteres que demandam dedicação e desinteresse absolutos” como, para ele, sucedia com o jornalismo.

Um binómio presente nos escritos dos autores portugueses que se debruçaram sobre o jornalismo é o da máxima liberdade – máxima responsabilidade, como é o caso de Bessa (1904: 36).

A inclusão do artigo-prefácio de Edmundo d’Amicis no livro de Bessa evidencia, por outro lado, que os autores portugueses liam e conheciam obras referenciais dos estudos jornalísticos. Bessa (1904: 31), aliás, cita Tarde e o seu importante livro L’Opinion et la Foule para diferenciar entre público e multidão. Relembra, identicamente, o brasileiro Medeiros e Albuquerque (cit. in Bessa, 1904: 33), segundo o qual cada pessoa “pertence simultaneamente a diversos públicos”. No entanto, de acordo com Bessa (1904: 33), “Esta interpenetração de públicos, sem a imprensa, não seria susceptível de se estender, porque cada um não teria tempo nem meios de procurar todos os que se ocupassem dos mesmos assuntos (…). É por isso que o jornal, grande formador de públicos, se constituiu (…) um verdadeiro dissipador de multidões.”

Também é visível que, conforme tendência geral da imprensa do final do século XIX e princípios do século XX, alguns autores dessa época vêem a imprensa como uma espécie de representante não eleita do público. É o caso de Alberto Bessa (1904: 35), que reflecte o pensamento do teórico brasileiro Rui Barbosa: “(…) [deve] o jornal dirigir a vontade, a resolução e os actos; reflectir a impressão, o sentimento, as emoções; dirigir o protesto, a reclamação, a queixa; reflectir a agressão, a injustiça, o sofrimento; dirigir a iniciativa, o movimento, a liberdade; reflectir a ameaça, a opressão, a tirania.”

Apesar das considerações gerais que o autor faz sobre jornalismo, a história dessa actividade de comunicação em sociedade é o principal assunto abordado no livro. Nele, Alberto Bessa passa em revista a génese e desenvolvimento do jornalismo na Europa, tecendo particular atenção a Inglaterra, Espanha, França, Itália, Rússia e Portugal. Fala, também, do jornalismo nos Estados Unidos, China, Japão, Uruguai e Argentina. O Brasil merece-lhe, igualmente, particular atenção. Surge mesmo no livro uma resenha cronológica e alfabética dos jornais brasileiros com uma adenda sobre os jornais publicados no Estado de São Paulo, coisa que o autor não faz para Portugal. O autor também inclui várias referências aos jornais portugueses publicados nos territórios coloniais e noutros países, como a Inglaterra (em particular durante a emigração liberal), o Uruguai, a Argentina, os Estados Unidos e o Brasil.

Transparece do livro uma certa indistinção entre jornalismo e literatura, jornalista e literato, o que não é de estranhar tendo em conta que o jornalista do tempo era, essencialmente, um “escritor de jornal” e que nos periódicos colaboravam, como folhetinistas e redactores (de artigos de fundo), altos vultos da intelectualidade e da política da época. Por exemplo, para o autor, o jornal L’Echo de Paris, surgido em 1884, conseguiu “democratizar a literatura”, graças às colaborações de grandes nomes das letras francesas. No entanto, o autor também dá repetidamente conta de que existia tensão entre o que o público queria e o que alguns entendiam dever-lhe dar. Por isso, os “pessimistas” diziam, segundo Bessa (1904: 178), que o jornalismo português tinha “falseado a sua missão, descendo a satisfazer o gosto depravado do grande público e esquecendo o seu papel de guia da opinião”. O povo, descreve Bessa (1904: 178-179) quer “a notícia desenvolvida e ridiculamente pormenorizada de uma cena de facadas na rua Suja ou de um caso de adultério na Baixa” e não os artigos dos “escritores consagrados”, “por melhor escrito e melhor pensado”, excepto nos poucos casos em que o artigo se notabilize pela “virulência da linguagem, pela revelação grosseira do escândalo ou pelo ataque descabelado e irrespeitoso a qualquer dos poderes do Estado”.

A consideração de Bessa pelo jornalismo norte-americano e por alguns jornais ingleses, como o próprio Times, era ambivalente. Para ele, os jornalistas americanos, sob a pressão exacerbada do tempo [o autor estava perfeitamente consciente dos constrangimentos que o factor tempo provoca na actividade jornalística], tinham de fazer notícias “breves, sérias e secas, a não ser que se trate de casos verdadeiramente sensacionais” (Bessa, 1904: 208), o que obviamente “escandalizava” um autor, como Bessa, habituado ao artigo grave, solene, profundo e sério que constituía uma das imagens de marca de algum jornalismo português. O Times, por seu turno, “dá por uma insignificância a parte que pode chamar-se intelectual” (Bessa, 1904: 71). No entanto, o autor manifesta a sua admiração pelo número, dinamismo, poder, número de páginas, capacidade de cobertura e recursos humanos e tecnológicos (Bessa enfatiza a importância do telégrafo e, em menor grau, do telefone) dos jornais britânicos e americanos, graças à riqueza proporcionada pelas enormes tiragens, muitas vezes alimentadas pelos brindes distribuídos aos assinantes e pelos concursos, e pela massiva inserção de anúncios publicitários. De qualquer maneira, o autor não via o jornalismo português como “inferior ao das restantes nações da Europa”, pelo menos nos jornais politicamente independentes e “pelo que respeita ao seu pessoal que chamarei graduado” (Bessa, 1904: 183).

Em variadíssimas passagens, Bessa mostra também o seu assombro pela capacidade de improviso e “desenrascanço” dos seus colegas estrangeiros para obtenção das melhores informações em primeira-mão, qualidade internacionalmente apreciada em qualquer repórter. A capacidade de envio de correspondentes para várias partes do mundo demonstrada pelos maiores jornais e o engenho por estes revelado para obterem e mandarem exclusivos para os seus jornais, escapando à censura, mesmo em situações de guerra, também são realçados pelo autor.

Outra qualidade que Bessa considera importante nos repórteres é a capacidade de dissimulação quando tomam contacto com uma informação importante, referida indiscreta ou imprevistamente. O repórter, para Bessa, não deve, nessas ocasiões, dar ao seu interlocutor a ideia de que este lhe deu matéria relevante, para que, na sequência da conversa, novas informações possam vir à superfície.

Uma das passagens mais interessantes do livro diz respeito a um jornal telefónico que Bessa diz que existia em Budapeste, que antecipa os radiojornais:

“Chama-se Telefon-Hirmondo e (…) [foi] criado em 1893. A empresa tem uma rede telefónica que distribui um fio e um aparelho auditor a cada assinante.

(…)

Na sala de redacção, os empregados (…) têm o seu serviço perfeitamente detalhado (…). Um tem o artigo de fundo, outro a crítica teatral, a científica, a literária, a secção de modas, a de desporto e assim sucessivamente, uma secção a cargo de cada pessoa. Outros redactores classificam e redigem os telegramas, as notícias políticas, militares ou sociais, as observações meteorológicas (…). O Telefon-Hirmondo substitui os jornais impressos, não tendo leitores mas tendo ouvintes.

A leitura dos manuscritos é feita diante de dois poderosos microfones, colocados a par um do outro e que não oferecem senão pequenas modificações em relação aos aparelhos ordinários. Para a música, os receptores acham-se munidos de pavilhões e a transmissão do canto realiza-se do mesmo modo que a da palavra. A sucessão das diversas secções acha-se perfeitamente determinada e todos os dias se reproduz pela mesma ordem. O jornal telefone funciona para todos os assinantes desde as 8 horas da manhã até às 11 da noite, podendo deste modo os respectivos subscritores, quando se deitam, ter já conhecimento das novidades que os assinantes dos jornais impressos só conseguem conhecer na manhã seguinte. Às tantas horas, ouve-se o artigo de fundo, querendo ouvir-se; porque não querendo é só fechar a comunicação e esperar a hora em que deva ouvir-se a secção que mais agrade ou que mais directamente interesse a cada um dos assinantes.

Se há algum acontecimento de particular alcance (…) não se demora um momento a sua transmissão. Um sinal especial de alarme repercute nas campainhas e o assinante fica logo sabendo, sem se incomodar, que faleceu a rainha Vitória, que foi eleito enfim um novo papa ou que rebentaram as hostilidades entre a Rússia e o Japão.

A assinatura do jornal-telefone, que tem sobre os jornais impressos vantagens relativas em muitos pontos, custa apenas três francos por mês. Nada custa ao assinante a instalação do aparelho em sua casa, como também nada precisa despender quando há qualquer desarranjo. Tudo corre por conta da empresa (…).

Não só nas casas particulares, como nos bancos, companhias, hotéis, cafés, casas de espectáculos, etc., o jornal-telefone tem larga aplicação. Enquanto se espeta uma visita, o resultado de uma transacção, ou enquanto decorre o intervalo de um espectáculo, quantas novidades e quantas delas de particular interesse não podem saber-se por intermédio do jornal falado. E nos hospitais e consultórios de médicos e advogados, quantas aplicações pode ter e quantos minutos de aborrecimento fazer passar ligeiramente!” (Bessa, 1904: 279-281)

O futuro do jornalismo também não passa em branco a Bessa, mas o autor cinge-se, nesta matéria, aos avanços tipográficos, que permitiriam aumentar as tiragens, e à crescente proliferação de jornais em todo o mundo.

Autores: Nair Silva/Jorge Pedro Sousa

E-mail: j.p.sousa@mail.telepac.pt