Abreu, Jorge (1927)
ABREU, Jorge (1927). Boémia Jornalística (Memórias d'um Profissional com 30 anos na Fileira)
Autor: ABREU, Jorge
Ano de publicação/impressão: 1927
Título completo da obra: Boémia Jornalística (Memórias d'um Profissional com 30 anos na Fileira)
Tema PRINCIPAL: jornalistas e vida profissional
Local de edição: Lisboa
Tipografia: Livraria Editora Guimarães & Cª - Lisboa
Número de páginas: 163
Cota na Biblioteca Nacional e noutras bibliotecas públicas
Cota da Biblioteca Nacional: Biblioteca Nacional
Cota da Biblioteca Pública Municipal do Porto: L. 29466 P
Esboço biográfico do autor
Jornalista durante mais de trinta anos, Jorge d’Abreu trabalhou em jornais como o Novidades, Tarde, Século, Pimpão, Capital, Popular.
Índice da obra
A Tarde de Urbano de Castro………………….pag. 9
As Novidades de Emílio Navarro……………...pag. 33
O Século de Silva Graça……………………….pag. 69
O Pimpão de Moraes Pinto…………………….pag. 121
Uma gazela desportiva………………………...pag. 127
Outros jornaes e jornalistas……………………pag. 137
Últimos capítulos…………………………...….pag. 147
Resumo da obra
A obra inicia-se com um pequeno texto que refere a opinião do Primeiro de Janeiro sobre alguns trechos do livro em questão, Boémia Jornalística. O diário afirmava que o seu autor (“um irreal Mateus Sincero”) não possuía qualidades de estilista mas que procurava narrar factos com clareza, embora o seu estilo fosse “frouxo”. Ironicamente elogia o autor em algumas alturas, e noutras louva o seu esforço.
No primeiro capítulo da obra, Jorge de Abreu refere como quando era jovem ambicionava em ser navegante, mas tal não se realizou. Ainda não tinha completado doze anos de idade quando dispôs na família um jornal designado Brado Português. Por 15 reais vendia cada exemplar manuscrito, onde protestava contra as injustiças que se praticavam em Portugal e no estrangeiro. O jornal apenas durou cinco números mas, resolvido em abraçar a profissão de jornalista, ascendeu a um seminário académico e após ter escrito de tudo um pouco pela sua terra, partiu para Lisboa.
Um íntimo de Urbano de Castro, director do jornal Tarde, salvou-o tornando-o parte da redacção, depois do autor ter lidado com várias recusas e decepções pela capital. Tarde era um jornal preocupado em atrair o leitor pela variedade e humor. Encontrava-se em fase de decadência quando Abreu se juntou ao mesmo. O autor fala sobre os dias de lotaria como os melhores dias do jornal, em que Teodoro de Almeida tomava o peso da caixa, entusiasmado e malicioso. Nessas alturas, demorar o trabalho tipográfico, negligenciar o serviço e atrasar a impressão teria graves consequências na receita do jornal. Segundo Abreu, Teodoro costumava soprar nervoso, percorrendo todas as secções do jornal, preocupado que tais infortúnios se sucedessem.
Vinte e oito anos antes desta obra ter sido escrita, o jornal Tarde situava-se no Bairro Alto. O autor descreve o local interior como algo grandioso e sombrio, com os seus gabinetes e salas comuns. O mobiliário reduzia-se ao indispensável. O papel de parede caía enquanto algumas cadeiras ameaçavam partir. Era, citando o autor, “um ambiente morno e triste de casa velha” (pag. 14). O primeiro redactor do jornal a aparecer, pelas nove da manhã, era Almeida Campos. Descrito no livro como uma figura de janotismo e vaidade, atendia gente diariamente, que lhe fazia pedidos variados – sabiam-no relacionado na política, no ministério, nos hospitais, entre outros – que este nunca recusava. Aqueles que o procuravam compravam o Tarde como “moeda de pagamento”. Abreu chegou, mais tarde, a acamaradar-se com o colega que, de vez em quando, redigia críticas literárias. Quando ambos fugiam do calor cidade nos dias de feriado, tornavam-se boémios e conversadores. Uma vez, Almeida de Campos desabafara-lhe aventuras amorosas, desfolhando lembranças com os olhos molhados em lágrimas. Abreu ouviu mas, como na altura se encontrava na casa dos vinte e poucos anos, “achava-o piegas e não lh’o ocultava…” (pag. 16). Outro redactor do Tarde – aliás, o redactor principal – era Alberto Bramão. Descrito pelo autor como “alto, forte, másculo, respirando saúde, a face transluzindo a alegria de viver” (pag.17), vinha dar à divisão na qual entrava, outra luz. Quando Urbano de Castro não redigia o artigo político para o jornal, era Bramão quem ficava encarregue de o fazer, dando largas ao seu humor e soltando comentários. Por vezes, recitava poesias suas ou de outros autores para desanuviar o espírito dos colegas, conta Abreu.
Quando Jorge de Abreu conheceu Urbano Castro, qualificou-o logo como um “homem de poucas conversas e ríspido no trato dos seus redactores” (pag. 19). Tinha-se apresentado como um novo redactor do jornal, mas Castro pouco ou nada lhe ligou na altura. Contudo, posteriormente, Castro deitou por terra a impressão que havia causado no autor, revelando-se expansivo e afectivo. Aconselhava-o e ensinava-o, pondo à prova às suas qualidades profissionais. Era um homem estrábico, de busto curvado e altura mediana e que dava um uso hábil às suas palavras, tanto na escrita como na conversa. Redigia com rapidez e justeza, recebendo comentários graciosos e olhares de respeito por parte dos colegas.
A revisão do jornal era feita por Julio Rocha, que pertencera ao quadro do Diário de Notícias. Diz Abreu, que era um “bom homem, modestíssimo, trabalhador incansável” (pag.22). Quando Rocha se relacionou com o autor, propôs-lhe várias vezes publicarem dramas/ peças de teatro. Abreu nunca sentiu disposição para realizar tal trabalho e a única peça de natureza teatral que chegou a ser feita foi um pequeno acto de opereta, denominado “Tourada em Família”. Contudo, a opereta nunca viu as luzes de ribalta por sua própria culpa, afirma o autor.
Um dia, Jorge de Abreu encontrou-se com Hintze Ribeiro, chefe do governo na altura. Não era com ele que Ribeiro se pretendia encontrar mas, por acaso, era o único que estava disponível no jornal na altura. Em rápidas palavras expôs o que pretendia do jornal: o Tarde devia noticiar, em artigo de primeira página, que se o seu candidato adversário, José Luciano de Castro, ganhasse as eleições, não seriam tomadas decisões tão energéticas como ele tomaria. Abreu espantou-se com a mesquinhez do homem. Hintze Ribeiro era, por casualidade, um dos vários colaboradores do jornal.
Bulhão Pato, Eduardo Schwalbach, D. João da Câmara, Figueiredo “Pinturinhas” e Cipriano Jardim constituíam a “troupe” de amigos de Urbano de Castro. Tinham o hábito de ocupar a sala comum do jornal quando o amigo estava ocupado. O autor apenas descreve Pato e Câmara, dizendo que um despertava o interesse a todos quando falava, chamando toda a atenção para ele mesmo e outro, era silencioso, sempre com receio de incomodar ou ser importuno, respectivamente.
Quando os resultados para o partido político saem, Urbano de Castro abandona a direcção do Tarde. Hintze havido perdido as eleições e como Castro era tanto seu amigo como do seu adversário vencedor, não conseguiu lidar com o facto de ter que hostilizar um dos dois homens que durante tanto tempo defendera e exaltara. Depois de deixar o jornal, não voltou a praticar jornalismo. Pouco meses antes de falecer, prometeu ao jornal que redigiria uma peça de três actos e assim o fez. Quando esteve na redacção para entregar o seu trabalho, conversou com o autor e este notou uma certa nostalgia nas suas palavras. Depois desse dia, não o tornou a ver.
O Tarde passou a ser dirigido por Sérgio de Castro, que com ele trouxe para o jornal parte da sua equipa do Diário Ilustrado. O lugar de Alberto Bramão foi ocupado por João Costa e António Bandeira ficou incumbido da crítica teatral. Luiz de Araújo, conhecido pelo seu trabalho sensabor teatral, O Casamento em Fanhões, também se juntou ao jornal. Era um homem de idade já avançada mas que ainda tinha um espírito de moço e comportamentos boémios, era sarcástico e dado a más-línguas. O seu principal objectivo até falecer foi, supõe o autor, vingar-se de quem o havia feito perder o seu emprego no Diário de Notícias, através de umas piadas venenosas que estavam sempre presentes no seu almanaque anual. Para fornecer ao jornal uma certa actualidade e brilho, João Costa desenvolve a reportagem e abre novas secções. António Bandeira tenta passar e atrair os leitores do Ilustrado para o Tarde, adicionando uma crónica, mas os seus esforços são em vão.
Um dia, entram na redacção do jornal dois homens: um, corpulento, alto e espadaúdo, e outro, acanhado, modesto e tímido. Um deles era o actor italiano, Ermete Zacconi e o outro era o seu cunhado, o Sr. Dominici. Abreu, crê que o homem mais insinuante é o conhecido actor, mas surpreende-se quando João Costa lhos apresenta e lhe revela que o homem mais franzido era o actor. Nessa mesma noite, viu uma peça sua e confirmou o seu notório desempenho como artista, aparentemente muito contraditório à modéstia que apresentara no jornal. A partir daí, ganhou pelo actor, um respeito ainda maior.
O segundo capítulo do livro inicia-se com o autor a falar sobre o Carnaval, comparando o de outros tempos com o da altura em que estava presente. A animação era maior, a preparação era um alvoroço, a agitação dos bailes era constante, havia alegria e euforia no ar e todos queriam participar, diz ele. Referia-se aqui ao Carnaval lisboeta. Vinte e cinco anos antes desta obra ter sito escrita, um governador civil resolveu reduzir a expansão da data e “quis civilizá-la” (pag.36), colocando leis e proibições “disto e daquilo”. Contudo, a realidade desiludiu-o pois a folia tornou-se violenta, mesmo apesar da mobilização policial. As ruas ficaram imundas, assim como as paredes dos prédios de Lisboa, e a polícia foi incapaz de agir. O jornal Novidades situava-se num prédio que fazia esquina com o Chiado e a Rua do Almada. Emídio Navarro, director, costumava alugar todas suas janelas a algumas famílias de elite que pretendiam gozar dos divertimentos do Carnaval. Contudo, nenhuma janela de Lisboa sobreviveu à folia daquele Carnaval, e Navarro, apesar de ser amigo do governador civil da altura, ficou do lado dos cidadãos, “culpando-o” a ele dos estragos da sua Novidades. Nesse ano em que o Carnaval em Lisboa se tornou mítico por não tão boas razões, o aluguer às janelas do jornal de Navarro esgotou. Foram dezenas de pessoas que acudiram ao jornal, aglomerando-se até nas escadas do prédio. Navarro, fechou-se, então, no seu gabinete e pediu para não ser incomodado, relembra Abreu, mas um descuido por parte de um contínuo, permitiu que uma velha senhora se lhe dirigisse. Navarro berrou com os seus contínuos e estes desfizeram-se em desculpas. Depois disso, chamou a senhora à parte e sussurrando-lhe que guardasse segredo, deu-lhe uma nota de cem mil reais. Abreu recorda esta história, dizendo que “revelou nitidamente o generoso coração do director das Novidades.” (pag.36). Mais à frente, escreve que Emídio Navarro foi um “jornalista completo” (pag.38), louvando a sua invulgaridade. Redigia artigos, comentários, notícias e reportagens, merecendo respeito pelo seu variado trabalho na área. O autor conta-nos ainda duas histórias em que o jornalista redigiu duas críticas sobre duas peças teatrais distintas, onde criticou uma e elogiou outra. No final, a sua opinião passou a ser a opinião geral do público.
Jorge de Abreu admite, na obra, que nunca teve o jeito “impecável de forma” (pag.41) que Emídio Navarro tinha quando redigia um artigo, dando o exemplo do artigo “Pae e Filha” que o colega de profissão havia escrito, numa tarde, inspirando-se num telegrama que o chefe de redacção, Melo Barreto, havia recebido. O “Mestre jornalista”, como assim era conhecido Navarro, teve durante muitos anos, as suas mãos nos “cordelinhos” da política portuguesa, amparando e guiando, através do seu jornal, a carreira pública de muitos políticos. Abreu descreve-o como afectuoso e extremamente dedicado aos seus amigos, convidando José d’Alpoim para a direcção do Novidades. José d’Alpoim encontrava-se na altura, debaixo de fogo por parte de José Luciano, no jornal Correio da Noite. O jornal atacava-o constantemente e Navarro quis ajudar o amigo, querendo defende-lo.
Navarro não era homem de guardar rancor mas existiam pessoas pelas quais alimentava uma certa antipatia e, sempre que os seus nomes eram referidos, não hesitava em alfineta-las. O general Pimentel Pinto fazia parte dessa sua lista e não escondia o desagrado que sentia pela sua pessoa, chegando mesmo a ridiculizar algumas das suas acções em alguns artigos que redigiu.
Eça de Queiroz chegou a colaborar com o Novidades, mas nunca se revelou simpático ao Mestre jornalista. Navarro chegou a supor que o escritor dos Maias o quisera retratar e ao seu jornal no seu romance, mas ao lê-lo, não se encontrou nas suas páginas. A partir daí, passou a ver Eça de Queiroz como um falso amigo e, sempre que podia, criticava a obra do romancista. Ironicamente, Abreu comenta sobre este assunto: “O Mestre jornalista, contra o seu costume, não perdoará.” (pag.47).
Uma tarde, o autor foi chamado ao gabinete de Navarro, onde este lhe entregou o Livro da Jungle, pedindo-lhe que resumisse um capítulo. A ideia do director era criar uma peça em que se substituía os animais da história por políticos em evidência da altura. Traduzido o texto, as personagens assentavam perfeitamente na pele dos animais do livro de Rudyard Kipling, de acordo com o momento que se vivia na altura em Portugal. Abreu escreve, na sua obra, após contar este breve episódio: “Cito este facto, como seria fácil citar outros e outros, para salientar a rapidez com que o director das Novidades colhia um assunto e lhe dava a melhor interpretação jornalística.” (pag.47).
Para além da política, o jogo do xadrez era outra das coisas que mais absorvia Emídio Navarro, elaborando notícias de primeira página sobe o assunto, quando necessário.
O trabalho no Novidades era calmo e sossegado de manhã e animado à noite. Trabalhava-se de manhã até às oito horas da noite. Numerosos habitués passavam pela redacção à noite, alegrando a sala comum de vívidas e alegres conversas. António Montenegro era uma dessas visitas, que trabalha no Aliança. Sofria de bronquite e, por isso, requeria sempre as janelas fechadas quando lá se encontrava. “Excelente homem, amigo do seu amigo, tinha um fraco pelo teatro lírico”, assim o descreve Abreu. O autor refere também o Dr. Braga, outro habitué, que era combatente africano, sombrio e cauteloso na fala.
Alberto Braga, um dos primeiros cronistas a serem contratados pelo director do jornal, era magro, seguidor da moda, amável e conversador. As suas crónicas eram bem acolhidas e deixava sempre uma boa impressão naqueles que o conheciam.
João Saraiva e Luciano Monteiro tinham ambos pertencido à equipa do Novidades, e este último ainda passava pela redacção de vez em quando. Mateus Sampaio (africanista) era outro que passava amiúde pelo jornal, assim como Ferreira de Almeida (marinheiro), Paço Vieira (aristocrata), Moreira Júnior (político), Oliveira Matos e Silva Pinto e muitos mais. Todos eles eram “amigos da casa” que traziam consigo histórias das suas profissões. De Silva Pinto, o autor diz que sentia um certo “medo”, devido à sua “língua venenosa que ele esgrimia com uma velocidade de comboio expresso” (pag.52), que tantos estragos conseguia provocar.
Na altura em que esta obra foi escrita, a redacção do Novidades existia há vinte e três anos, mantendo durante esse período de tempo os mesmos redactores, subdirector, secretário, repórteres e cronistas. Todos eles se regiam pela tradição do jornal: ser elegante aos olhos do leitor, simplificar as notícias e dedicar todo o cuidado ao trabalho. Abreu conta que pouco depois de se ter juntado à sua equipa, foi repreendido por Emídio Navarro por ter introduzido “n’um artigo um fracasso que justamente o incomodou” (pag.53). Melo Barreto ficava encarregue do arranjo do texto, embelezando as notícias com títulos vistosos assim persuadindo os leitores e valorizando o trabalho dos seus colegas. Ficava encarregue das crónicas musicais do jornal, assim como as secções de teatro e de retocar os Casos do dia, que consistia numa “sobremesa quotidiana das Novidades onde forçosamente tinham de figurar os primores da quadra” (pag.54). Este pedaço do jornal deliciava não só o público como Navarro, que normalmente a redigia, e o próprio Abreu.
José Sarmento era um dos vários redactores da equipa, que o autor louva pela sua “leveza de prosa e umas tintas de humorismo” (pag.55). Mais à frente, refere que Sarmento e Amadeu de Freitas foram dos poucos jornalistas da sua altura que, até à data de 1947, ainda davam ao público o que falar, pela sua versatilidade.
Rússia e o Japão encontravam-se em plena guerra e quando o ministro japonês passou por Lisboa, Abreu e outros seus colegas jornalistas abordaram-no na estação do Rossio, pedindo-lhe informações. Este contudo, recusando-se a falar, desaparece das suas vistas, deixando os jornalistas desolados. Decidido em tentar falar com o ministro, o autor redige uma carta em inglês colocando as suas questões. Quando recebe a resposta, fica surpreendido em notar que o ministro afirma pouco saber oficialmente sobre a guerra e que não pode dar impressões. A notícia é, mesmo assim, publicada no Novidades, transformada em entrevista, para satisfazer a curiosidade dos leitores.
A seguir a esta história, Abreu menciona dois redactores do jornal, conhecidos pelo seu trabalho de alto valor: Barbosa Colen e Armando da Silva. O primeiro teve uma grande importância no jornal, pois foi graças a uma crónica que redigiu – designada de O Casamento Simulado do Soriano – que o Novidades aumentou a sua tiragem e receita, logo no seu começo. Armando da Silva ficou conhecido pelo seu trabalho jornalístico de peso e pesquisas aprofundadas. Navarro tinha-o em grande consideração, apesar de lamentar o facto de ele não valorizar o seu trabalho ou se submeter às regras da sociedade.
Quando Navarro faleceu, Barbosa Colen regressou à actividade profissional, tornando-se o novo director do Novidades. Uma tarde, tentou convencer o autor que devia ensaiar o jornalismo político, dizendo-lhe que era a forma mais rápida de se chegar ao topo e bater a concorrência. Este apresentou o seu pedido de demissão e só tornou a vê-lo alguns anos depois, numa viagem para o Norte.
Quando Manuel Cardia iniciou a sua carreira jornalística, Jorge de Abreu ainda se encontrava a trabalhar no Novidades. De todos os jornalistas que conheceu na altura que eram da sua idade, Cardia foi aquele que mais rapidamente atingiu destaque e mérito. Suicidou-se quando ainda era jovem, mas o autor menciona-o na sua obra, elogiando ardentemente as suas competências, reportagens e dotes jornalísticos. Refere ainda algumas situações que este viveu e outra em que se encontrou com o jornalista, encontro esse que resultou com ambos na prisão do Limoeiro, onde Cardia pretendia fazer um inquérito ao príncipe Alexis Cretchet e ao Conde de Toulosse-Lautrec. Ambos presos por acusação de furto e falsificação de cheques, respectivamente, já tinham sido deveras mencionados na imprensa portuguesa, mas Cardia pretendia saber mais do que todos os outros. No final, de pouco adiantou pois as suas histórias estavam distorcidas.
Outra história que viveu com o colega Cardia aconteceu quando dois actores do teatro francês vieram a Portugal apresentar a sua peça, Divina. Foram esperá-los ao Entrocamento, na esperança de conseguirem uma reportagem exclusiva. Chegando ao local com um dia de antecedência resolveram procurar alojamento mas, não optando pelo único albergue existente que tinha péssimas condições, guiaram-se por um funcionário que os aconselhou a irem para o Hotel Barquinha. Chegados à vila, e depois de vaguearem durante algum tempo, um velho capataz orientou-os para o hotel. Por infelicidade, todos os quartos se encontravam ocupados mas, contudo, o dono do hotel dispensou-lhes um compartimento no rés-do-chão, onde se podiam encontrar duas camas de ferro com os lençóis encharcados. Já Cardia se encontrava a dormir quando Abreu ouve umas fortes pancadas na porta. Ambos ficaram em alerta e, imaginando que fosse um bando de malfeitores ou ladrões, colocaram-se em posição de combate e quando abriram as portas, duas galinhas entraram pelo quarto adentro, rapidamente. O autor não conseguiu pregar olho depois disso, conta, devido ao frio e à humilhação da situação, enquanto o colega dormiu e sonhou profundamente. No dia seguinte tornaram ao Entrocamento e, quando a actriz e o actor desceram do comboio, mostram-se receptivos e alegres aos dois jornalistas. Ela, mais bem-disposta que ele, mostrou o seu melhor sorriso, deixando Manuel Cardia “túmido de adoração amorosa pela actriz quarentona e sabiamente maquilhada” (pag.67). Terminada a entrevista, ambos se dirigiram aos respectivos jornais para redigir as suas reportagens.
Uma tarde, o autor passeava pelo Mónaco com o amigo quando este avistou um trem que necessitava de apanhar. Despediu-se rapidamente do autor e correu a utilizá-lo. Meia hora depois, pelos arredores de Lisboa, disparou, inexplicavelmente, um tiro mortal sobre o seu peito.
O terceiro capítulo da obra inicia-se com o autor a relatar algo que Henrique Roldão lhe disse um dia sobre jornalismo, na redacção do Primeiro de Janeiro. Este defendia que mesmo não se tendo aptidão para a escrita, qualquer um era capaz de redigir uma notícia se estivesse confortável no espaço que o rodeava. Abreu pega nas palavras de Roldão e divaga, mais à frente, sobre as condições das redacções dos jornais na sua década, dizendo que quase todas ostentavam “a maior modéstia, vizinha da pelintrice” (pag.71). O jornal Século, afirma, não fugia à regra com as secretárias em série e a lâmpada eléctrica sobre elas. Apesar das qualidades semelhantes de mobiliário, o Século era, então, o primeiro jornal português na expansão e na tiragem. Abreu conta como passou os seus três primeiros anos de estágio no jornal no gabinete de redacção, onde Silva Graça – o director – aparecia somente com o propósito de censurar ou fazer observações ríspidas. O trabalho dos quatro revisores e um chefe que trabalhavam no gabinete de redacção prolongava-se até de madrugada, exigindo “memória fresca e vista bem afinada” (pag. 72), relembra o autor. Terminado o estágio, Abreu é promovido a redactor. Deixando de parte o exibicionismo, Abreu admite que a sua promoção deveu-se mais ao facto de vários redactores do jornal se terem demitido do que a seu próprio mérito. Silva Graça teve, então, de improvisar uma nova equipa de redacção, entregando a chefia a António Maria de Freitas, e outros veteranos do jornalismo foram-se juntando como Armando da Silva, Luís Cardoso e Manuel Guimarães. Para a reportagem do crime, Graça recorreu ao correspondente do Século, Francisco Inácio da Silva mas, este pouco tempo ficou com a tarefa, tendo depois passado a auxiliar fotográfico dos trabalhos de Alberto Pimentel. Devido a alguns imprevistos, Inácio da Silva ficou também sem essa sua tarefa, passando Jorge de Abreu e Aires Carvalho a ficar encarregues desse serviço que o patrão considerava a de maior importância para o público.
Na página 75, o autor relata um acontecimento que lhe ficou na memória, acontecimento este que envolveu uma chamada feita para o Século, da qual uma testemunha afirmava ter assistido ao assassinato de um sapateiro, nos Olivais. Toda a redacção entra em frenesim e Abreu dirige-se ao local. Lá, todos lhe falam do crime acrescentando sempre um ponto à história e acusando o “compadre de má fama” do sapateiro. O homem, preso por suspeita, é levado para a prisão e Abreu dirige-se até lá, na esperança de saber o que realmente se passou. O prisioneiro encontrava-se a dormir, então o autor dirige-se até ao hospital para “ver… o morto e colher o resto da notícia” (pag.76). Quando lá chega, depara-se com o suposto sapateiro assassinado a conversar alegremente com um enfermeiro. A facada que supostamente tinha levado não passava de um corte superficial e, quando soube que o seu compadre se encontrava preso, exclamou que o soltassem, dizendo que o seu agressor era outro homem que já há algum tempo o ameaçava. No dia seguinte, o verdadeiro culpado foi preso e Abreu opina, desta forma, sobre o sucedido: “…ainda hoje estremeço só de pensar que, por um tris, se não cometeu, em Portugal, mais um erro judiciário.” (pag.76).
De acordo com o Diário e vários jornalistas, Saramago fora um dos melhores repórteres portugueses. Saramago era a alcunha pela qual todos o tratavam, pois ninguém sabia ao certo o seu nome. O autor fala sobre as suas habilidades surpreendentes, assim como o seu desmazelo na higiene e no vestuário e relata uma partida que este um dia pregou ao Século. Em breves palavras, Saramago escreveu uma carta falsa, supostamente endereçada a si mesmo, relatando um falso suicídio de um recluso que se encontrava na Penitência de Lisboa que, na altura, fazia correr tinta nos jornais. Saramago fez com que essa carta chegasse às mãos de António Maria de Freitas do Século e este, acreditou no que leu, sem averiguar os factos. Em confidência, Freitas pediu ao autor que redigisse o artigo e este assim o fez. No dia seguinte, Saramago ao ver que a notícia não tinha redigida por Freitas, espantou-se e acreditou que o facto talvez tivesse sido realmente autêntico.
Aproveitando a partida, o Diário acusou publicamente o Século de lhes roubar informação e de aproveitar correspondência sua. Contudo, quando se soube que o recluso estava, de facto vivo, a partida de Saramago foi revelada. António Maria de Freitas também sofreu com o sucedido pois teve que “explicar aos leitores do Século o que, afinal, não tinha explicação plausível…” (pag.78).
Um dia, Abreu dirigiu-se ao porto de Lagos, acompanhado pelo colega Joshua Benoliel, para conseguir uma reportagem sobre o governo inglês, que lá se havia colocado. A frota permaneceu lá durante quinze dias. Chegou-se mesmo a considerar, afirma o autor, que talvez estivessem a pensar em utilizar o porto de Lagos como base naval mas não era isso que os ingleses pretendiam. Os seus pedidos ao conde das obras públicas, Paço de Vieira, e ao Rei D. Carlos foram os de se construir um ramal ferroviário que ligasse Portimão a Lagos, dar aos portos cais atracáveis para o desembarque de um grande número de passageiros e erguer depósitos de combustível rápido nas baías. O rei D. Carlos, que durante a maior parte da estadia dos ingleses em Lagos ficou “hospedado” num dos navios, sentiu-se confortavelmente acomodado nos aposentos da marinha aliada, onde até se realizou um banquete e uma salva de canhões em sua homenagem. A cobrir o evento, enquanto durou, estava um considerável número de repórteres ingleses, relata Abreu. O Times, por exemplo, tinha quatro jornalistas ao seu serviço. Abreu chegou a conhecer um deles mas, tomando-o por um oficial superior, forneceu-lhe a dada altura informações que havia recebido, na esperança de estar a ajudar. Foi só depois que se apercebeu que Tompson era um simples jornalista, quando este pegou nas palavras do autor, inutilizando desta forma os seus apontamentos. “Palavra: n’esse momento fiz, de mim para mim, um juízo pouco lisonjeiro da competência do colega do Times (…)” (pag.83), comentou Abreu sobre a ocorrência.
A frota inglesa finalmente partiu em direcção a Malta e, muitos anos depois, Serajevo sofreu um atentado e consequentemente deu-se a Grande Guerra. Nessa altura, os navios ingleses apetrecharam-se em Lagos para enfrentar o inimigo, sem terem a necessidade de voltar a “casa” para ficarem prontos para o combate.
Relembrando a Grande Guerra, Abreu relembra também um jornalista que conheceu no Século e que faleceu combatendo nessa mesma guerra. Jules Hedegan era o seu nome. Tinha trabalhado no estrangeiro e, por causa disso, mantinha certos hábitos britânicos que de vez quando desapareciam e davam lugar ao camaradismo e cavalheirismo. Era chefe dos serviços estrangeiros no jornal Matin, e costumava frequentar a redacção do Século à noite, tendo sempre a frase “-Veremos se se confirma” na ponta da língua, cada vez que lhe segredavam um boato ou uma notícia corrente. Antes de partir de Lisboa, Hedegan conversou com o autor sobre a troca de informações com jornais do estrangeiro e províncias, querendo saber se o Século fazia tal coisa, como era o caso do Matin. “O Século até então nunca o fizera.” (pag.85), escreve o autor, ao que Hedegan responde enumerando as vantagens dessa prática.
Durante o governo de João Franco, a imprensa foi constantemente censurada. Os jornais apenas podiam publicar o que lhes era permitido, sendo a palavra do ditador mais importante que qualquer outra coisa. Quando se deu a explosão de bombas da rua do Carrião, Franco telefonou para a redacção do Século com uma mensagem clara: não era permitido redigir uma notícia pormenorizada sobre o acontecimento, sendo apenas permitido ao jornal escrever quais as vítimas. Abreu, que já tinha o relato minucioso sobre a ocorrência, viu-se forçado a ceder o seu trabalho a Cunha e Costa, que publicou a notícia num jornal do Rio de Janeiro.
A pressão exercida sobre a Imprensa portuguesa por parte do ditador acabou por levar à tarde do regicídio, que culminou com a chacina de Terreiro do Paço. Nessa tarde, Abreu saiu às ruas de Lisboa, por ordem de Silva Graça, para confirmar a notícia. As ruas estavam cheias de pessoas que, em frenesim, espalhavam a pavorosa notícia, os estabelecimentos iam fechando e a Guarda Municipal encontrava-se junto ao palácio do Município, de onde escoavam oficias. As pessoas choravam sobre os cadáveres do rei e do príncipe, dando ao largo um aspecto de cortejo fúnebre. Regressando à redacção, o autor, juntamente com Silva Graça, redigiu uma notícia séria mas comedida sobre o sucedido, onde criticava o país que supostamente havia punido a pena de morte e não fez caso disso, chacinando Terreiro de Paço e ainda rei e filho, inocentes e com responsabilidades nacionais. Pouco momentos depois, enquanto ainda se encontrava a redigir, rebentavam descargas de infantaria para os lados de Campo d’ Ourique. Abreu sentia a responsabilidade e a seriedade do momento, e temia redigir o artigo, com medo de represálias. Porém, o artigo foi publicado, somente não foi assinado.
Algum tempo passado, Jorge de Abreu deixou o serviço de ruas e passou a dirigir a secção do estrangeiro, juntamente com José da Costa Carneiro. Abreu fala dessa sua fase no Século como a melhor, relembrando as longas horas de trabalho, os jogos de damas e xadrez com os colegas e as conversas até de madrugada. Graças ao facto de ficarem na redacção até ao romper da manhã, isso permitia que alguns jornalistas estivessem a postos para os serviços de última hora, acudindo imediatamente aos locais dos acontecimentos e permitindo também ao jornal fazer boa figura.
Quando Virgina Quaresma se juntou à equipa, a harmonia do jornal não se alterou. Apesar de ser a única mulher no grupo, era moderna e conhecedora e rapidamente passou a contar como mais um camarada.
Seguidamente, Abreu fala na sua obra sobre a presença diária de um homem na redacção do Século, que durante cerca de um ano e meio, vinha trazer noticias e tentava impingir artigos. O autor designa-o como um “maníaco”, igual a tantos outros que pensavam saber fazer jornalismo e que debitava títulos de artigos, pormenores e como o jornal devia estar organizado, claramente tentando dizer aos outros o que deviam fazer. Mesmo sabendo que nada do que dizia era publicado, continuava a lá aparecer e só parou de o fazer um e ano e meio depois. Outro doido homem mais tarde surgiu, esse saído de um manicómio e com a mania de berrar. Para acalmá-lo, Abreu deixava-o sentar-se a uma secretária redigindo a sua obra, prometendo-lhe que seria publicada. O homem continuou a regressar ao Século durante duas semanas para continuar a sua obra e depois, deixou de aparecer. Abreu comenta que estes casos não eram raros e, até à altura em que esta obra foi publicada, ainda continuavam a ocorrer.
De todas as campanhas que o Século fez, Abreu relembra a de assistência infantil como a mais interessante e proveitosa. Tudo começou quando um dia, um jovem rapaz “de escassos palmos de altura” (pag.95) se dirigiu ao jornal explicando que a sua família era muito pobre e que não podia estudar porque não tinha livros. Deixou ficar no jornal uma lista dos livros que precisava e, no dia seguinte, de todo o lado acudiram várias procedências com o intuito de ajudar. Uma semana depois, não faltam livros empilhados nas secretárias do jornal, respondendo aos vários pedidos iguais que se foram seguindo. Depois, para além dos livros novos ou usados, começaram a chegar donativos de dinheiro de tal maneira que foi necessário abrir uma secção no jornal para tratar desses assuntos. Foi então que ocorreu a Manuel Guimarães, chefe de redacção, em ampliar a secção, criando uma base de assistência infantil. Foram realizados concursos de beleza infantil, fundaram-se cantinas escolares, entre outros, dando a todos os que colaboraram uma sensação de paz e orgulho. A paróquia juntou-se à causa, assim como grupos de médicos, que auxiliaram em diversos aspectos. O trabalho na redacção tornou-se, durante alguns meses, muito mais pesado mas ninguém se pareceu importar, afirma Abreu.
A remissão do jornalista soldado, Eduardo de Carvalho foi “outra vitória do periódico de Silva Graça” (pag.98). O jornalista trabalhava no Século quando foi obrigatoriamente chamado para a tropa. Conseguiu fugir à vida do quartel e voltou para o jornal mas, uma tarde fez a sua confissão de fé e o ministério da guerra enclausurou-o “por não ter sabido ocultar hipocritamente o seu republicanismo (…)” (pag.99). O Século noticiou e acompanhou o caso que terminou com a libertação do jornalista soldado, quarenta e oito horas depois, devido a uma petição por parte dos republicanos que excedeu a verba necessária.
Certo dia, o autor foi cobrir a visita de Paço Vieira a Aldegalega. Este, recebido entre entusiasmo e foguetes, dirigiu-se depois para um banquete na Câmara para o qual os jornalistas são convidados mas que, à falta de lugares, acabam por almoçar a bordo do navio que havia trazido o ministro. O autor relata esta e outra história semelhante com alguma ironia, mostrando destas formas alguns dos vários incidentes cómicos que viveu enquanto repórter.
Quando se anunciou o preparo de Vinhais, incumbiram Abreu de ir até Verin. Acompanhado de Luz de Almeida e um oficial de cavalaria, atravessou a fronteira para o lado espanhol. Os consulados andavam em desavenças e as ruas naquela altura era um alvoroço tremendo. Tinha sido imposto a Abreu uma visita a Arnaldo Fonseca, que se encontrava preso. Estes conversaram sobre os efeitos da política em Portugal.
Meses mais tarde, Paiva Couceiro, juntamente com o seu bando, entraram em Portugal. Correu de um lado para o outro durante uma semana, entrando e saído de Portugal, fazendo um “autêntico bluff” (pag. 111). Os jornalistas acompanhavam os seus movimentos, assim como vários comandantes militares que ansiavam que Couceiro dispersasse definitivamente para o outro lado da fronteira. A certa altura, alguns jornalistas deslocaram-se até Espanha, incluindo Abreu, e lá ouviram que Paiva de Couceiro havia dado ordem de dispersão aos seus homens. Contudo, estavam animadamente a conversar num bar quando um homem lhes disse: “Os senhores têm vinte e quatro horas para abandonar o território de Hespanha…” (pag.113), avisando-os que Couceiro não havia poupado outros jornalistas que ali haviam estado. Abreu, nervoso e receoso, avisou os colegas que partiria imediatamente de novo para Portugal. Pouco depois, caminhavam para a Portela do Homem, debaixo de uma forte chuva e vento. Chegaram ao posto fiscal de madrugada molhados, extenuados e feridos devido às quedas, mas este encontrava-se vazio. Os guardas já haviam notado que um bando se aproximava a escalar a serra e, nunca suspeitando que fossem jornalistas portugueses, haviam partido e preparado uma emboscada um pouco mais à frente. Os jornalistas permaneceram no posto fiscal até de manhã, esperando por auxílio e alimentos.
Um mês depois, em Lisboa, o autor é operado a um tumor no pescoço pelo Dr. José Gentil. Abreu apenas escreve sobre o facto: “Única cicatriz que recorda as minhas campanhas jornalísticas, essa que ficou da operação” (pag.115).
Mais à frente no capítulo, o autor resume a sua passagem pelo Século como uma “escalada heróica” (pag.118). Defende que desde o início da sua existência, o jornal procurou combater o inimigo, ficando do lado dos republicanos e dos defensores do regime. Dentro do jornal existiam três republicanos convictos: Avelino de Almeida, Mário Salgueiro e Edmundo de Oliveira. Qualquer momento de dúvida que tenha surgido durante a revolta de Monsanto era contrariada por esses três, afirma o autor. A revolta de Santarém também encontrou no Século um forte apoio e quando o movimento terminou pela positiva, toda a redacção se sentiu feliz e vitoriosa. Abreu acrescenta também, que no dia do cortejo em que se realizou a parada de voluntariado no Campo Pequeno, se sentiu comovido e sensibilizado.
Apesar de todo o apoio que o jornal demonstrava e prestava ao povo, este várias vezes o encarniçou e julgou injustamente. Bastava um boato de que o jornal havia publicado ou afixado no placard algo tendencioso, que as pedras contra os vidros do edifício não tardavam a ser atiradas. Quando nada era afixado no placard, o povo revoltava-se na mesma, acusando o Século de ocultar a verdade. Durante muito tempo a situação manteve-se e o jornal nada podia fazer a não ser esperar que as pessoas parassem.
No quarto capítulo da obra, o autor começa por referir Morais Pinto, jornalista e poeta que tanto escreveu pequenas peças de teatro, como coloriu as páginas do seu jornal, o Pimpão. Este jornal era alegre e irreverente, distinguindo-se dos outros pelo seu formato mais pequeno. Já Morais Pinto é definido pelo autor como “um poeta elegante e satírico, que soube acercar-se do público e conquistá-lo apesar do seu janotismo e do seu feitio aristocrata.” (pag.123). O autor passou pelo Pimpão como um “extra”, tendo tido o papel de redactor interino. Silva Pinto redigia as crónicas políticas. O autor, sobre a sua passagem no jornal, conta apenas uma história em que, certa vez, ficou encarregue da secção Diabo Azul, que consistia na adaptação de contos ilustrados e outras histórias publicadas. Quando o jornal saiu, Morais Pinto foi procurado por um juiz, pois a história que Abreu havia escolhido adaptar era igual ao desse juiz, incluindo nomes. O homem, sentindo-se ridicularizado e profanado, procurou o director e atirou-lhe “um mundo de queixumes” (pag.125). Muito trabalho teve Morais Pinto para convencer o juiz da inocência do jornal e de Abreu. Mesmo assim, muitos outros casos depois surgiram em que vários indivíduos tinham o nome ou outro elemento idênticos às histórias que o Diabo Azul adaptava. O quinto capítulo inicia-se com Abreu a relatar uma história do Século. A breve história conta que, certa vez, o jornal incumbiu um oficial de comentar diariamente as fases da guerra – a primeira guerra mundial – elucidando o público. Quando dispensou o militar, o jornal entregou a pasta a Jorge de Abreu, e este redigiu anonimamente o Boletim da Guerra, do jornal de Silva Graça. O mesmo se passou com o jornal Novidades, quando o autor redigiu artigos como jornalista desportivo. Para redigir uma notícia sobre um match de ciclismo, o autor dirigiu-se até Pavalhã para assistir ao espectáculo. O autor relata na obra aquilo que viu, descrevendo um pouco a multidão que assistia também. Regressando ao jornal, redigiu a crónica desportiva – a primeira do jornal – e apanhou-lhe o jeito e o gosto. Depois disso, abalançou-se a “cultivar a especialidade” (pag.132). Algum tempo depois, travou relações com José Ponte, considerado pelo autor como o “supremo arquitecto do progresso do desporto no nosso País” (pag.132), e ambos desenvolveram uma espécie de gazeta desportiva. A composição e a impressão eram feitas em Atalaia que posteriormente se tornou a redacção e administração do periódico. Vários jornalistas ajudaram a sua elaboração, como foi o caso de Álvaro de Lacerda, César de Melo, Fernando Correia, Carlos Gonçalves e Ruy de Cunha, entre outros. A principal preocupação de todos os envolvidos no projecto era a de encontrar assuntos desportivos que realmente interessassem ao público, pois na altura o desporto não tinha tanta importância como nos dias de hoje. O autor dá o exemplo dos torneios futebol que na altura tinha, no máximo, duas dúzias de pessoas a assistirem aos jogos.
Com poucos adeptos de desporto, o jornal corria o risco de se extinguir. Contudo, quando Santos do Coliseu chega a Lisboa com a sua trupe de lutadores e José Pontes começa a redigir artigos sobre as suas vitórias, prémios, golpes e perfil dos profissionais, o periódico atinge o seu ponto máximo, assim como a carreira do jornalista. Com o tempo, a gazeta desportiva mudou de instalações, a qualidade do papel melhorou e a disposição gráfica e a sua ilustração também.
Devido a outros afazeres e trabalhos em diferentes jornais, Pontes começa a dispensar-lhe assiduidade e com o tempo, o periódico desaparece de circulação. Abreu termina o capítulo dizendo que, enquanto durou, a gazeta foi sincera e justa sobre todos os aspectos do desporto e o desempenho dos seus profissionais e, talvez por isso, o progresso desportivo tenha sido tão lento.
No sexto capítulo, o autor fala um pouco sobre Faustino da Fonseca e conta algumas histórias que viveu e presenciou com o seu director, enquanto trabalhava no jornal Capital. Certa vez, Manuel Guimarães pediu a Fonseca para introduzir no rodapé do jornal um romance histórico. Foi Abreu quem redigiu o segundo folhetim desse romance. A história passava-se em Paços D’Arcos, mas quando escreveu a sua parte, o autor fez as personagens moverem-se para outro local, desenvolvendo a história noutras direcções. Fonseca adorou e lisonjeou Abreu pelo seu trabalho.
No Capital, o autor conheceu um jornalista chamado Salles, que era conhecido como sendo “uma espécie de dicionário Larousse.” (pag.141), tendo sempre resposta para as dúvidas dos colegas. Abreu tornou-se seu amigo e várias vezes saíram juntos para cear.
Mais à frente na sua obra, Abreu fala sobre o breve trabalho de revisão que fez no jornal Popular. Foi nesse mesmo jornal, que o autor conheceu um informador de apelido Santos, que o autor define como “ignorante e inculto” (pag.143). Durante este capítulo, o autor relata outras breves histórias passadas na redacção do Popular, histórias estas que ele não viveu mas às quais assistiu, que incluíam Mariano Algeos, o informador Santos e o ministro Teixeira de Sousa.
No sétimo capítulo do livro, o autor começa por falar sobre a tendência que os jornais lisboetas tinham de encher espaço quando não existia nenhuma notícia verdadeiramente interessante para se publicar. Socorriam-se muitas vezes sobre problemas nacionais, problemas esses que só eram discutidos à falta de melhor assunto, geralmente na quadra estival. De Julho a Setembro, artigos “escritos na sua maioria por verdadeiros carolas (…)” (pag.149) surgiam em abundância pelos jornais e, assim que o Verão terminava, esses reforços de prosa eram esquecidos, dando lugar a manifestações políticas e assuntos de interesse geral.
Numa dessas alturas do ano, Silva Graça lembrou-se de fazer constar no Século a questão do alojamento citadino, incumbindo Mariano Algeos de tratar do assunto. O autor descreve, seguidamente, de que forma o colega o fez, relatando com quem este falou e de que forma conseguiu o projecto de obras públicas. Depois de contada a breve história, Abreu acrescenta que o público não tinha consciência do esforço e do trabalho que é dedicado aos jornais, tanto na elaboração das notícias como na recolha de informações. Naquela altura, era fácil assumir-se que bastava colocar um pé na rua e já se sabia tudo o que se havia de escrever. Abreu conta que o trabalho de um repórter tanto podia ter resultados felizes como infelizes, pois nem sempre se conseguia falar com as pessoas em causa ou ter acesso a uma certa informação mais confidencial. Para comprovar esse mesmo facto, Abreu conta umas breves histórias que tiveram como protagonistas o jornalista Emídio Navarro do Século, o director jornalístico Zeferino Cândido, o jornal Século em si e o jornal estrangeiro Temps.
No capítulo final da sua obra, Jorge de Abreu fala sobre o poder e importância da Imprensa. Afirmava, entre outras coisas, que “a Imprensa raras vezes utiliza poderio ou influência em benefício material (…) é a instituição que mais duros ataques sofre – a propósito de tudo e… a propósito de nada.” (pag.159). Por exemplo: quando o cabo 115 da Guarda Municipal insistiu em prestar declarações ao Século antes de ser preso, o povo acusou o jornal de deixar um criminoso expor a sua tese, mas Abreu acompanhou o caso de perto e chegou à conclusão que as declarações que o homem prestou ao jornal foram a forma havia arranjado de manifestar a sua defesa antes de ser perder a sua liberdade e o direito à fala.
Apesar de defender a Imprensa neste capítulo final, Abreu admite que existiam jornais que faziam a vontade aos moralistas e excluíam “das suas colunas a minuciosa narrativa dos assassínios…” (pag.161). O autor considera esta uma atitude lamentável, pois ocultar uma verdade não faria dela uma mentira. Muitos anos antes desta obra ter sido escrita, os periódicos de Lisboa e do Porto resolveram abster-se da pormenorização dos suicídios e casos violentos, na esperança que o número de casos diminuísse, conta o autor. De acordo com Abreu, até à altura, o número mantinha-se igual. Mais à frente, o autor fala da importância dos retratos de criminosos e heróis nos jornais, dizendo que estes não contribuíam para o aumento da criminalidade mas sim, para auxiliar uma notícia e a polícia. O autor critica ainda os jornalistas que pintavam um criminoso benevolentemente, em vez de salientar a sua crueza.
Para finalizar, o autor reforça o facto da Imprensa portuguesa ter defeitos mas termina, dizendo: “…mas, quem há por aí que não os tenha e possa, com inteira justiça, atirar-lhe a primeira pedra?” (pag.162).
Nome completo do autor da ficha bibliográfica: Ana Isabel Nogueira Lopes
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