Eduardo Coelho
Eduardo Coelho, um inovador no jornalismo português oitocentista - o caso de O Diário de Notícias
Jorge Pedro Sousa
Universidade Fernando Pessoa e Centro de Investigação Media e Jornalismo
» Texto publicado integral ou parcialmente em:
Revista PJ:Br - Jornalismo Brasileiro, ano VI, n.º 12.
http://www.eca.usp.br/pjbr/arquivos/artigos12_c.htm
» Trabalho apresentado em:
VII SBPJor - VII Congresso Brasileiro de Pesquisadores em Jornalismo
Resumo
Fundado por Eduardo Coelho, o Diário de Notícias, primeiro jornal industrial português e segundo mais antigo jornal nacional em publicação contínua, teve a sua gestação nos últimos dias de 1864 (números programa) e viu oficialmente a luz do dia logo no início de 1865. Conforme delineia o fundador no programa estabelecido no primeiro número, tratava-se de um jornal que seguia modelos jornalísticos de sucesso surgidos noutros países, designadamente o modelo do Petit Journal parisiense. A sua bem sucedida aparição representou um duro golpe para o jornalismo elitista e doutrinário que pontificava na época em Portugal, pelo que o DN foi recebido quer com aplausos, quer com apupos e reservas. Este trabalho, sustentado em pesquisa bibliográfica, hemerográfica e documental, procura reconstruir e interpretar a história da aparição do Diário de Notícias, ligando-o aos jornais populares que tinham surgido no estrangeiro e que lhe serviram de modelo e evocando, simultaneamente, a figura do seu ideólogo e fundador – Eduardo Coelho, um inovador no panorama jornalístico português oitocentista.
Palavras-chave: Eduardo Coelho; Portugal; história do jornalismo; Diário de Notícias; liberdade de imprensa.
Introdução
O século XIX foi um período de intensas transformações no jornalismo (ALVAREZ, 1987; EMERY e EMERY, 1978; GARCÍA GONZÁLEZ, 1999; SOUSA, 2008a). Surgiram, a partir da terceira e quarta décadas de oitocentos, jornais que, perante um cenário onde pontificava a imprensa política de partido, elitista, propuseram ao público um jornalismo alternativo. Este “novo jornalismo” procurava: (1) retomar o espírito noticioso inicial do jornalismo, temperando-o, no entanto, por uma linguagem emotiva e sensacionalista, embora simples; (2) explorar temas sensacionais, embora nem sempre verdadeiros; e ainda (3) defender causas pretensamente “colectivas”, em favor do progresso social, como o fim do trabalho infantil ou o combate ao desemprego. Mantinham, portanto, uma acção política, publicamente apresentada como sendo independente e apartidária e exercida em nome do “povo” e do “bem-comum”. Contudo, a acção política desses jornais ia sobretudo ao encontro das intenções políticas dos respectivos donos e mentores.
Com frequência, esses jornais orquestravam campanhas de solidariedade social para com as crianças e os mais desfavorecidos, campanhas estas que noticiavam, revertendo, assim, o bem-fazer em favor do aumento das tiragens e da circulação (o DN também o fez). Dirigiam-se a todos os públicos, e não apenas às elites, pelo que, como escreve Schudson (1978, p. 22-23), alargaram as representações do mundo aos pequenos factos da vida social quotidiana (crimes, incêndios, casos pessoais, competições desportivas, etc.). Também diminuíram o preço por exemplar, apostando em grandes tiragens e na captação de publicidade.
Publicando cada vez menos artigos, ou apenas um artigo de fundo, esses jornais davam mais espaço às notícias e ao cultivo de novos géneros jornalísticos, como a entrevista parafraseada, nascida em 1836, em Nova Iorque, quando o repórter e editor James Gordon Bennet entrevistou a proprietária de um bordel onde tinha ocorrido um assassinato e plasmou essa entrevista num texto publicado no New York Herald; e a entrevista com o texto estruturado em pergunta-resposta, aparecida em 1859, quando Horace P. Greely entrevistou, em Salt Lake City, o líder mórmon Brigham Young (ERBOLATO, 1978, p. 138). Nilsson (1971, p. 708) sustenta, inclusivamente, que por volta de 1835 o mesmo Herald já publicava entrevistas. A reportagem também foi ganhando protagonismo nesses jornais, roubando espaço à opinião, a reboque da tentativa de dar interesse humano às notícias e emotividade sensacional à linguagem (STEPHENS, 1993, p. 505-604).
Essa primeira geração da imprensa popular roubou leitores e receitas publicitárias à imprensa consolidada, que falava essencialmente de política e economia, normalmente sob a forma de artigos, num estilo que podia ir do grave ao panfletário, e que era cara, elitista e partidarizada.
São exemplos de jornais dessa primeira geração da imprensa popular (ou penny press): The New York Tribune, de Horace P. Greeley; The New York Daily Times, de Henry Raymond; The New York Herald, de James Gordon Bennett; e The New York Sun, de Benjamin Day e, depois, de Moses S. Beach. Apesar de sedeados em Nova Iorque, esses jornais procuravam transcender as fronteiras da cidade e serem vendidos um pouco por todo o Leste do país, ajudando a transfigurar as práticas jornalísticas. (FOLKERTS e TEETER, 1989, p. 131).
O primeiro jornal popular norte-americano a surgir foi The New York Sun, por iniciativa de Benjamin H. Day, em 1833. Tratava-se de um jornal de quatro páginas, formato tablóide, com histórias e linguagem emotivas. Em 1834 já tirava oito mil exemplares, mais do dobro dos jornais tradicionais (FOLKERTS e TEETER, 1989, p. 133).
Em 1835, James Gordon Bennet fundou The New York Morning Herald, introduzindo uma novidade: foi o primeiro jornal cujo propósito era incluir assuntos de interesse transversal a toda a sociedade americana. Assim, embora apresentasse histórias de interesse humano e cultivasse uma linguagem emotiva, tal e qual como a receita do New York Sun, também incluía informações políticas e financeiras e páginas editoriais, onde se incluíam editoriais, colunas e artigos de opinião e cartas dos leitores. Em 1836, o jornal já tirava 20 mil exemplares e em 1860 atingia 70 mil exemplares, captando vultuosos investimentos publicitários (FOLKERTS e TEETER, 1989, p. 132). Foi o primeiro jornal com um figurino muito próximo dos jornais generalistas contemporâneos.
Em 1841, Horace Greely fundou o New York Tribune. Foi o primeiro jornal simultaneamente sensacionalista, votado ao interesse humano, e politicamente envolvido, até porque o seu fundador era também líder partidário. O jornal, muitas vezes pela pena do próprio Greely, defendeu, assim, a educação para todos; o combate ao desemprego; a generalização do emprego às mulheres e a todas as camadas sociais; a igualdade salarial para trabalho igual, independentemente do sexo; a abolição da escravatura; o fim do trabalho infantil; o fim da prisão por dívidas e outras conquistas sociais. Foi nas páginas desse jornal que primeiro se expuseram e denunciaram as chagas profissionais profundas provocadas pela Revolução Industrial, nomeadamente a miséria e a doença que reinavam nos subúrbios operários, em especial onde o trabalho era mais pesado e perigoso, como nas minas. Além disso, o Tribune não circunscreveu a sua área de cobertura ao que se passava nos Estados Unidos, pois procurou relatar e denunciar os “excessos do industrialismo” (GARCÍA GONZÁLEZ, 1999, p. 67) na Europa e noutros pontos do mundo, chegando a contar com colaboradores como Karl Marx. Com o Tribune, a ideia de “interesse humano” ganhou nova expressão, estendendo-se das tragédias do quotidiano (crimes, incêndios, mortes...) aos problemas sociais. A opinião jornalística ganhou, também, novas conotações, ultrapassando o seu cariz panfletário para chegar ao conceito de “jornalismo de causas”, envolvido, que transcende em muito a mera persuasão político-partidária e a arregimentação de partidários.
Em 1851, um antigo jornalista de Greely, Henry J. Raymond, editor do magazine ilustrado Harper’s New Monphly, fundou o New York Daily Times, que se converteria no mítico The New York Times. A ideia de Raymond foi atenuar o sensacionalismo e o excessivo envolvimento que por vezes feria o jornalismo do Tribune e dos outros jornais populares, compensando-os com o rigor, a profundidade e a qualidade da informação, sem abandonar, contudo, algumas das ideias que estiveram na base do sucesso da primeira geração da imprensa popular: preço baixo e tiragens elevadas, inserção massiva de publicidade, diversidade temática para agradar a todas as franjas da população, linguagem clara, concisa e precisa, culto dos factos, etc. Copiou, também, as receitas do Herald, nomeadamente a reserva de espaço para a opinião, aliás a exemplo do que tinha feito o Tribune. Por outras palavras, Raymond tentou fazer do New York (Daily) Times um jornal popular, noticioso, generalista, suficientemente profundo, sério, rigoroso e elaborado para agradar às elites (em especial no que respeitava à informação política, internacional e económica) e suficientemente diversificado e com uma linguagem suficientemente acessível para agradar às restantes camadas da população.
O novo e popular modelo de imprensa chegou rapidamente à Europa. O primeiro jornal europeu a enveredar, simultaneamente, pelo estilo noticioso e pela estratégia comercial da primeira geração da imprensa popular norte-americana (primeira geração da penny press) foi La Presse, surgido em França, em 1836, pela mão de Émile de Girardin, um investidor que não se cansou de modernizar continuamente o seu jornal, introduzindo a estereotipia, em 1852.
La Presse não era, contudo, o único jornal europeu a seguir um modelo noticioso-comercial. Outros jornais europeus, em especial no Reino Unido, procuravam seguir o mesmo tipo de política, como o jornal britânico The Times, surgido no final do século XVIII e que modificou a sua linha editorial para se adaptar às novas exigências do público e captar novos leitores. Porém, La Presse foi o primeiro jornal europeu-continental independente e direccionado para a satisfação de um público massivo e não para o contentamento de uma elite, ao contrário do Times, que procurou converter-se em representante permanente das classes médias e superiores, conservadoras e instruídas. O jornal francês Le Figaro, surgido, também, na mesma época de La Presse, procurou tornar ainda mais leve a informação e mesclá-la com notícias de sociedade, crónicas e folhetins, que o tornaram um caso de sucesso. O modelo do Figaro, aliás, foi repetido em grande parte da imprensa de Oitocentos, aglomerando notícias, entretenimento literário (folhetins), opinião e mesmo uma incipiente informação de serviços.
Em França, em 1863, foi fundado por Moïse Polydore Millaud o quotidiano Le Petit Journal, que, junto com o jornal noticioso conservador La Correspondencia de España (fundado em 1859), serviria de modelo ao Diário de Notícias, conforme o reconhece o próprio Eduardo Coelho (cit. in CUNHA, 1891, p. 54). O Petit Journal teve um enorme êxito ao misturar notícias com reportagens e folhetins, ao lançar um suplemento semanal ilustrado e ainda ao organizar competições automobilísticas e ciclistas, que depois cobria em exclusivo. Vinte anos depois do seu lançamento, já tirava um milhão de exemplares diários.
O jornalismo popular penetrou no Reino Unido essencialmente através de revistas como a Tit Bits, a Answers e a Pearson’s Weekly, que chegaram a ter tiragens próximas do milhão de exemplares. Essas revistas propiciaram não apenas uma base estilística para o desenvolvimento dos diários populares mas também um espaço onde se formariam os jornalistas que, mais tarde, corporizaram os projectos dos jornais populares noticiosos. Além disso, o sucesso das revistas propiciou também aos empresários do jornalismo o capital necessário ao investimento nos novos jornais.
O Pall Mall Gazette, fundado, em 1865, por W. Thomas Stead, foi o diário mais influente da primeira fase da imprensa popular noticiosa britânica (GARCÍA GONZÁLEZ, 1999, p. 61). O seu modelo de jornalismo era similar ao da imprensa popular norte-americana, baseando-se no baixo preço (propiciado pelas grandes tiragens e pelo afluxo de publicidade), na diversidade de conteúdos (com realce para as histórias de crime), na utilização dos novos géneros jornalísticos da entrevista e da reportagem, etc.
Pode dizer-se que o liberalismo político, a alfabetização, a publicidade, a urbanização, os progressos técnicos, a aparição das agências de notícias, a abolição das taxas e de outros entraves ao desenvolvimento da imprensa noticiosa comercial e popular tornou esta última num negócio industrial apetecível em toda a Europa, embora os avultados investimentos necessários para pôr um grande jornal a funcionar propiciassem o seu controlo pelos grandes potentados empresariais. A imprensa era um sucesso e a comprová-lo estão os constantes aumentos das tiragens. O diário britânico liberal Daily News, por exemplo, tirava 50 mil exemplares quando surgiu, em 1846, mas em 1870, ano em que rebentou a Guerra Franco-Prussiana, já tinha uma tiragem de 150 mil exemplares; tiragem semelhante tinha o diário independente Daily Telegraph, surgido em 1855 (GARCÍA GONZÁLEZ, 1999, p. 60). O jornalismo entrava, decididamente, na sua fase industrial.
Em Portugal, pese embora a tentativa anterior de implantação de jornais baratos, a implementação consequente de um modelo industrial e popular de jornalismo só ocorreu a partir do final de 1864 e princípio de 1865, graças ao lançamento do Diário de Notícias, pela mão do jornalista e empresário Eduardo Coelho e do seu sócio Tomás Quintino, empresário de tipografia.
Neste trabalho, metodologicamente assente em pesquisa bibliográfica, documental e hemerográfica em bibliotecas e hemerotecas, procurar-se-á apresentar a vida e obra de Eduardo Coelho, com especial ênfase na fundação do Diário de Notícias e nas reacções que este provocou. Tentar-se-á responder às seguintes questões: Como surgiu o DN? Qual o papel que teve Eduardo Coelho na fundação do jornal? Que repercussões suscitou a entrada em cena do DN no jornalismo nacional?
1. A conjuntura política e jornalística portuguesa em Oitocentos
Em 1820, a Revolução Liberal deu a Portugal (e ao Brasil), pela primeira vez, o usufruto das liberdades de expressão e de imprensa. Nesse contexto, surgiram no país vários jornais políticos “de partido”, alguns clandestinos, outros legais, que ajudaram a consolidar o papel da imprensa portuguesa como espaço público e arena pública, embora a leitura de jornais e a participação no processo decisório estivesse circunscrita, nessa época, à minoria alfabetizada e detentora do poder económico (TENGARRINHA, 1989, p. 121). Foi uma época em que ser político e ser jornalista (no sentido de articulista e não de repórter ou noticiarista) eram quase sinónimos. Um jornal fazia-se com duas ou três pessoas, amadoristicamente.
A reinstituição, sob D. Miguel, do regime absolutista, suprimiu as liberdades e provocou o colapso do intenso movimento de criação de periódicos surgido após a Revolução de 1820. Porém, o triunfo dos liberais na Guerra Civil permitiu que, em 1834, fosse promulgada uma nova Lei da Liberdade de Imprensa, relativamente permissiva, que suscitou um reflorescimento da imprensa portuguesa.
Nessa época, o factor mais interessante para o desenvolvimento futuro do jornalismo português não veio do jornalismo estritamente político e erudito, mas sim do jornalismo político-noticioso e “popular”, pois, em 1826, tinha aparecido o primeiro diário “popular” português de sucesso, o Periódico dos Pobres, vendido a dez reis, o que o colocava ao alcance de um maior número de bolsas (os jornais políticos das elites praticavam preços que algumas vezes atingiam 60 reis ou mais). O Periódico dos Pobres foi publicado até 1846 e chegou a ter pelo menos cinco mil assinantes (TENGARRINHA, 1989, p. 141). Tratava-se de um jornal essencialmente noticioso, escrito numa linguagem simples e que manifestava uma certa independência política, embora alinhasse pela defesa da Carta Constitucional. O seu aparecimento mostra que algumas das ideias que estavam, na mesma época, a permitir a lenta transformação “industrial” da imprensa norte-americana e europeia também ecoavam em Portugal. O seu texto de apresentação ao mercado explicitava:
Começamos pois a publicar esta folha em que o título, o preço, o estilo, tudo é pobre, e como trabalhamos para os pobres, injustiça seria querer lucrar com eles. A nossa intenção, vendendo esta folha a 10 reis, é que ela possa chegar a todos e não qualquer ideia de prejudicar alguém, o que seguramente protestamos. O nosso estilo é rasteiro, mas estará por isso ao alcance das pessoas para quem escrevemos.
Vários outros jornais “populares”, inspirados no modelo do Periódico dos Pobres, surgiram em Portugal antes do aparecimento do primeiro jornal noticioso “industrial” (o Diário de Notícias), como o Periódico para os Pobres (Lisboa, 1827), o Periódico dos Pobres no Porto (Porto, 1834), o Periódico do Pobre (Lisboa, 1837), o Dez Réis: Jornal de Utilidade (1841) e o Jornal de Utilidade Pública (1841). Surgiu ainda, efemeramente, um pequeno jornal mais barato, O Cinco Réis. No entanto, a linguagem de todos eles oscilava entre o oficial e o oficioso, quando não entre o denso e o rebuscado.
Se a Lei de Imprensa de 1834 criou condições para o aparecimento de jornais políticos e político-noticiosos, de várias cores políticas, incluindo periódicos críticos para com todas as posições (como O Azorrague, de 1838), o triunfo da Revolução de Setembro (10 de Setembro de 1836) e o consequente restabelecimento da Constituição de 1822, bastante mais liberal do que a Carta Constitucional, deu novo alento à criação de jornais em geral. Porém, e como diz Tengarrinha (1989, p. 156), “A partir de 1838 acentua-se a decadência do setembrismo e toma ascendência crescente o cartismo. Em 1840, da ordem estabelecida pela Revolução de Setembro já pouco restava.” Assim, após 1840, o ritmo de criação de jornais diminuiu, até porque uma nova lei, promulgada em Novembro de 1837, criava novas restrições ao exercício da liberdade de imprensa e obrigava os editores de jornais a preencherem requisitos cívicos extraordinários e a terem bens avaliados em pelo menos um conto e duzentos mil reis, para sustentarem indemnizações e multas em juízo. Aumentou, também, a perseguição aos “escritores de jornal”, que faziam do jornalismo uma “ocupação” e não uma profissão, e aos jornais, nomeadamente sob o governo de Costa Cabral, que tinha reposto em vigor a Carta Constitucional, em 1842. Essa situação repressiva e censória (actos administrativos, julgamentos sumários por abuso de liberdade de imprensa, impedimento de circulação por correio, pagamento a arruaceiros que destruíam as tipografias, etc.) manteve-se, de resto, até 1851, apesar de não ter impedido por completo a edição de jornais oposicionistas, ainda que, em alguns casos, clandestinos.
Em 1851, um levantamento militar protagonizado pelo marechal Saldanha conduziu à queda do governo ditatorial de Costa Cabral e à revogação da conhecida Lei das Rolhas, uma lei censória que também dificultava a fundação de jornais, pois obrigava os editores a depositarem previamente avultadas quantias de dinheiro para prevenir a necessidade de indemnizações em consequência de processos judiciais.
Após a normalização da situação política, criaram-se, novamente, condições para o florescimento da imprensa, até porque, entre 1851 e 1866, se desmantelou o edifício legislativo que condicionava a liberdade de imprensa. Esse período de acalmia e estabilidade política, de relativa paz social e de rotativismo na governação impulsionou o crescimento económico, baseado na industrialização. A Revolução Industrial chegou ao país e isso repercutiu-se no jornalismo, como prova o aparecimento do DN, em 1864-1865.
Nessa altura, se bem que a imprensa doutrinária e combativa, partidária, continuasse a ter um lugar relevante no campo jornalístico português, por causa do rotativismo dos principais partidos no Governo (os jornais da Oposição, que queria ser governo, combatiam os jornais do partido de governo e vice-versa), rapidamente alguns empresários portugueses se aperceberam do lucrativo negócio que constituía a imprensa popular noticiosa, politicamente independente, de baixo preço e difusão massiva já existente noutros países. Por mão da iniciativa privada, Portugal viu, assim, transfigurar-se o cenário jornalístico. Começaram, então, a reaparecer em Portugal jornais populares noticiosos, direccionados para toda a sociedade, com meios técnicos e financeiros que propiciavam grandes tiragens (à escala do Portugal de então), baixo preço por exemplar (custos sustentados pela publicidade), linguagem clara e acessível, que normalmente não discutiam nem polemizavam, que não seguiam qualquer linha política, antes procuravam, principalmente, relatar factos importantes ou simplesmente interessantes, com a verdade e a objectividade possíveis. Com esses jornais, de que o Diário de Notícias é o primeiro expoente, inaugurou-se, em Portugal, a fase do jornalismo industrial (a imprensa é vista como um negócio, como uma indústria semelhante às demais), que dará a matriz para os tempos vindouros.
Com o advento da imprensa industrial, o trabalho nas redacções alterou-se substancialmente. As redacções “artesanais” de dois ou três elementos, onde políticos metamorfoseados em “jornalistas” escreviam, maioritariamente, artigos políticos, deram, gradualmente, lugar a redacções com várias dezenas de profissionais, nas quais o repórter adquiriu importância crescente em contraponto ao “escritor de jornal”. Como noticiar era a principal incumbência dos jornais industriais, então as técnicas de redacção rapidamente foram contaminadas pela busca da factualidade, pela separação entre informação e opinião, pelo predomínio do objecto sobre os sujeitos que o enunciam (objectividade). Essa opção editorial foi incrementada quer pela omnipresença do telégrafo, que incitava à manutenção de um estilo factual, simples e sintético, quer pela actividade das agências noticiosas, que davam, então, os primeiros passos.
2. Eduardo Coelho
Foi no ambiente politicamente conturbado, mas jornalisticamente rico, do século XIX, que Eduardo Coelho viveu. O seu percurso de vida, reconstruído por Alfredo da Cunha (1891; 1914) a partir de memórias escritas pelo próprio biografado, é ilustrativo da forma como muitos portugueses ingressaram no jornalismo (e fizeram jornalismo), durante o século XIX. Para uns, como vários políticos que se metamorfoseavam em articulistas e escritores de jornal e se intitulavam de jornalistas, o jornalismo era mera ocupação; mas outros, como foi o caso de Eduardo Coelho, tiveram efectivamente no jornalismo o seu ganha-pão, a sua profissão. Uma profissão, é certo, sem os contornos legais e deontológicos que hoje possui, mas que já demandava saberes e competências específicos.
Aquele que com Tomás Quintino Antunes viria a fundar o Diário de Notícias e sido seu primeiro director nasceu em Coimbra, a 23 de Abril de 1835.
Muitos tipógrafos, na época, eram pessoas cultas e instruídas, autodidactas, politicamente doutrinadas e activas. Seguindo uma tradição que já vinha do tempo dos primeiros editores de gazetas, vários deles igualmente tipógrafos e donos de tipografias, alguns dos tipógrafos oitocentistas faziam intervenção política, redigiam textos para jornais e, não raro, aventuravam-se mesmo pelo mundo das belas letras. Inclusivamente, alguns acabaram por abandonar a tipografia para abraçarem a profissão de jornalistas. O percurso de Eduardo Coelho é um caso típico. Foi a tipografia que o levou a conviver com jornalistas (ou “escritores de jornal”), políticos, escritores e folhetinistas. Aliás, bastantes dos homens de letras e políticos de então colaboravam em jornais, quando não eram, eles mesmos, a sua alma e os seus fundadores. Em última instância, terá sido esse contacto, do qual resultaram, por exemplo, estreitas amizades com o escritor Eça de Queirós e com os políticos Pinheiro Chagas e António Augusto Aguiar, que instigou Eduardo Coelho a fazer carreira como jornalista e escritor. Tinha, no entanto, também exemplos de “jornalistas” na família próxima. A queda para o jornalismo e para as letras era, portanto, genética. Na verdade, Eduardo Coelho habituou-se cedo ao contacto com políticos e jornalistas, ocupações que normalmente se cruzavam. O seu pai, João Gaspar Coelho, amigo do político Casal Ribeiro e do jornalista e escritor Joaquim Martins de Carvalho (do Conimbricense), fundou, em 1844, uma tipografia, em Coimbra, a partir da qual lançou o jornal A Oposição Nacional, adversário do chefe do Governo, Costa Cabral. Nesse jornal, colaborou o escritor e político António Augusto Teixeira de Vasconcelos. Por seu turno, o irmão mais velho de Eduardo Coelho, Adriano Gaspar Coelho, fundou, no Brasil, o jornal O Cisne e colaborou em vários outros periódicos brasileiros. Regressado do Brasil, em 1867, ingressou no DN, como secretário da redacção. Também no Brasil, outro irmão de Eduardo Coelho, Abel Maria Coelho, foi, durante catorze anos, redactor e proprietário do jornal O Guarani, de Uruguaiana, localidade onde também fundou O Noticioso.
Órfão de pai aos 13 anos, consumida a pequena fortuna paterna nas lutas políticas em que o progenitor se envolveu, Eduardo Coelho foi mandado para Lisboa, para trabalhar no comércio, pela própria mãe, que não conseguia sustentar sozinha uma prole de onze filhos. Como empregado comercial, publicou, em 1852, uma colecção de quadras de cunho reivindicativo e denunciante, que intitulou Livrinho dos Caixeiros. Em 1854, pagou pela publicação do romance bucólico O Pastor da Floresta no periódico Jardim Literário. Despediu-se, então, do comércio e passou tempos difíceis. Foi aprendendo a arte da tipografia ajudando a compor, gratuitamente, o jornal Jardim Literário, o que lhe permitiu continuar a publicar textos neste periódico. Obteve, enfim, emprego como tipógrafo.
Numa das tipografias em que trabalhou imprimia-se o jornal conservador O Parlamento, que vivia essencialmente de duas personagens: Luís de Vasconcelos Azevedo e Silva e José de Lacerda. Ocasionalmente, segundo Eduardo Coelho narra nas suas memórias, recolhidas e trabalhadas por Alfredo da Cunha (1891, p. 33), Lacerda, observada a queda de Coelho para o jornalismo, propunha-lhe a redacção de notícias e artigos. Num deles, Coelho defendeu uma reforma impopular do ministro José Maria Eugénio de Almeida, o que levantou alguma animosidade contra si, mas que também lhe trouxe o agradecimento do governante. Assim, a colaboração de Eduardo Coelho com o jornal tornou-se regular e alargou-se das notícias e dos artigos aos folhetins. Em 1857, concorreu a um lugar de tipógrafo na Imprensa Nacional e obteve a vaga, mas abandonaria o lugar menos de um ano depois, em 1858. Nesse mesmo ano, segundo revela nas memórias escritas recolhidas por Alfredo da Cunha (1891, p. 35), e decerto inspirado nos jornais estrangeiros que conhecia e ainda nos jornais populares portugueses (de dez réis ou cinco réis), Eduardo Coelho congeminou, pela primeira vez, à noite, no seu pequeno quarto arrendado, o lançamento de um jornal noticioso, que se intitularia Boletim Noticioso, “jornal de notícias e anúncios a dez réis”. O projecto tornou-se a sua “monomania”, conforme o próprio relata (COELHO, cit. in CUNHA, 1891, p. 54).
A partir de 1858, Eduardo Coelho subsistiu, principalmente, do jornalismo, colaborando, como noticiarista, editor de correspondência dos leitores e de matérias de correspondentes da província e ainda como crítico de teatro, com jornais como O Conservador, o Gazeta de Portugal e o Revolução de Setembro. Algum rendimento foi também buscar à literatura, como escritor de peças teatrais, romances e folhetins. E ainda obtinha remunerações da assessoria política. Foi, nomeadamente, secretário dos políticos José Estêvão e António Feliciano de Castilho.
Em 1859, Eduardo Coelho tornou-se director e redactor principal do Jornal para Todos, uma pequena revista ilustrada, mas manteve a colaboração com os demais jornais, incluindo o Crónica dos Teatros e O Monitor Português. Toma contacto com o Correspondencia Española, que reconhece como um dos modelos para o DN (COELHO, cit. in CUNHA, 1891: 54).
Em 1861, convidado por António Xavier Brederode, proprietário da Revista Contemporânea, com a qual também colaborava, pôde abandonar o país pela primeira vez. Rumou a Paris, para exercer o cargo de secretário do jornalista e escritor António Augusto Teixeira de Vasconcelos, tendo sido lá que, em 1863, travou conhecimento directo com o funcionamento do Petit Journal.
Em 1862, Eduardo Coelho regressou a Portugal. Continuou a sua colaboração remunerada em vários periódicos, tendo, nomeadamente, sido nomeado responsável pelo noticiário d’A Revolução de Setembro, cargo em que se manteve durante três anos e que muito traquejo lhe terá dado enquanto noticiarista. Registe-se, aliás, que o director do Revolução de Setembro, o político e jornalista António Rodrigues Sampaio, nem sequer depois da fundação do DN quis exonerar Eduardo Coelho do cargo de noticiarista do jornal. Por isso, durante algum tempo Eduardo Coelho, já como director do Diário de Notícias, viu-se obrigado a acumular os dois cargos, embora contrafeito, conforme relembra nas suas memórias, recolhidas por Cunha (1891, P. 45).
Mergulhado intensamente no mundo do jornalismo e da política, Eduardo Coelho permaneceu, contudo, partidariamente neutral. Escrevia, essencialmente, notícias ou críticas de teatro, para além de folhetins, e não artigos de fundo. Viajou por Portugal, Espanha, França e outros países europeus.
Em 1864, chegava, enfim, a vez do Diário de Notícias. Com pouco capital, Eduardo Coelho conseguiu cativar para o seu projecto o dono de uma tipografia, opção que se revelou de fundamental importância para dar sustentabilidade à empresa nos primeiros tempos. O eleito, que se tornou sócio de Coelho e co-fundador do DN, foi Tomás Quintino, dono da Tipografia Universal, local onde o jornal foi impresso durante vários anos.
Relembra Alfredo da Cunha (1891, p. 53):
Tendo-se familiarizado com os trabalhos jornalísticos, na assídua colaboração com as folhas periódicas (...), Eduardo Coelho foi quem, em Portugal, primeiro e mais perspicazmente do que qualquer outro, previu o largo futuro de uma empresa de índole inteiramente nova entre nós, como seria a de um jornal noticioso, genuinamente imparcial e independente, cujo preço estivesse ao alcance de todas as bolsas e cujo programa e cujos processos se assemelhassem aos de alguns periódicos estrangeiros de sua particular predilecção.
Eduardo Coelho conseguiu dar bases sólidas ao novo jornal, tendo sido seu director até à morte, que sobreveio a 14 de Maio de 1889, dia em que também publicou o último artigo no diário que tinha fundado. Antes disso, ainda foi o principal impulsionador da fundação da Associação dos Jornalistas e Escritores Portugueses, primeiro e elitista grémio de “escritores de jornal” que existiu em Portugal, constituída a partir da comissão que organizou as comemorações do tricentenário de Camões, em 1880, e da qual Eduardo Coelho fazia parte e seria mentor e credor. Essa primeira associação, apesar dos esforços de Coelho, finou-se passados seis anos.
3. O Diário de Notícias
O primeiro número do Diário de Notícias surgiu a 29 de Dezembro de 1864 (número de apresentação). Era um jornal diferente dos restantes jornais portugueses de então, nos conteúdos (noticiosos), no estilo (claro, conciso, preciso e simples), na forma, nomeadamente no aspecto (paginação a quatro colunas e não a duas ou mesmo a uma, conforme era habitual), na dimensão (que já era de jornal, portanto sensivelmente semelhante aos actuais tablóides, e não mais de panfleto ou livro, como era norma na época) e ainda no preço (dez reis por exemplar, menor quando vendido por assinatura). A sua concepção era empresarial, buscando lucro nas vendas e na publicidade (logo no primeiro número, o jornal anunciava que se recebiam anúncios a vinte reis a linha). Esta renovada e contemporânea perspectiva do jornalismo noticioso e informativo, generalista, que se propunha ser neutro, ético (separando o público do privado), independente e o mais verdadeiro possível (consciência dos limites), dirigido a toda a população, encarado essencialmente como negócio, era, de resto, clara aos olhos dos investidores no projecto, que, na primeira página do primeiro número, anunciavam “Ao Público”:
O Diário de Notícias − o seu título o está dizendo − será uma compilação cuidadosa de todas as notícias do dia, de todos os países, e de todas as especialidades, um noticiário universal. Em estilo fácil, e com a maior concisão, informará o leitor de todas as ocorrências interessantes, assim de Portugal como das demais nações, reproduzindo à última hora todas as novidades políticas, científicas, artísticas, literárias, comerciais, industriais, agrícolas, criminais e estatísticas, etc. Eliminando o artigo de fundo, não discute política, nem sustenta polémica. Regista com a possível verdade todos os acontecimentos, deixando ao leitor, quaisquer que sejam os seus princípios e opiniões, o comentá-los a seu sabor. Escrito em linguagem decente e urbana, as suas colunas são absolutamente vedadas à exposição dos actos da vida particular dos cidadãos, às injúrias, às alusões desonestas e reconvenções insidiosas. É pois um jornal de todos e para todos − para pobres e ricos de ambos os sexos e de todas as condições, classes e partidos.
Todos os países ilustrados possuem publicações deste género, e nomeadamente a Inglaterra, a França, a Bélgica, e ainda a nossa vizinha Espanha, publicações que têm atraído considerável número de simpatias, leitores e subscritores.
A ideia não é pois original nossa, senão imitada ou traduzida, como melhor quiserem, para preencher uma notável lacuna do nosso jornalismo. E os meios de publicação que a empresa do Diário de Notícias adopta, embora pareçam singulares, são também uma cópia fiel do que se usa nesses países onde se compreendem e exploram todos os meios de publicidade.
Eliminando o artigo de fundo, que definia o posicionamento político de um jornal; não sustentando polémicas nem discutindo política; eliminando a linguagem quente e, por vezes, ofensiva, suscitada pelas paixões políticas, em favor de uma atitude neutral, cordata, urbana, contida e politicamente independente; procurando registar os acontecimentos factualmente e “com a possível verdade”; oferecendo, com concisão, informações e notícias sobre os quais todos podiam tecer opiniões, em vez de (raramente...) disponibilizar teorias e opiniões prontas a consumir, o Diário de Notícias tinha encontrado a fórmula certa para se fincar com sólidas raízes na paisagem jornalística portuguesa.
Alfredo da Cunha (1891: 56), no final do século XIX, já reconhecia no programa do DN uma intenção revolucionária para o jornalismo português, a exemplo do que tinha sucedido em França com a aparição de La Presse, de Girardin:
Este programa, simples como agora parece, importava, contudo, por si só, uma completa renovação de princípios na imprensa portuguesa.
Estávamos, na verdade (...), pouco mais adiantados do que se estava em França, no tempo da Restauração, no tempo do jornalismo essencialmente doutrinário, em que eram tão grandes os artigos como pequenas eram as tiragens. Porque ainda efectivamente não havia chegado Girardin, o grande revolucionário da imprensa francesa, e com ele o período em que a literatura e as notícias deviam começar a preponderar nos periódicos, cedendo a política, a pouco e pouco, o passo à reportagem e à crónica.
Que notícias publicava o DN? Notícias sobre um variadíssimo número de acontecimentos (e até de não-acontecimentos) do quotidiano de todos os portugueses, particularmente dos lisboetas, e também notícias internacionais, abarcando a política e a economia, como era hábito da época, mas igualmente o crime, a sociedade, a vida cultural, etc.
As notícias no DN sucediam-se umas às outras, sem grandes preocupações de ordem ou hierarquia. A primeira notícia do primeiro número-programa dizia respeito à Chefia do Estado: “Suas Magestades e Altezas passam sem novidade em suas importantes saúdes”. Um não-acontecimento, portanto. Nesta notícia, que se resume a um parágrafo-lead (como muitas outras), evidencia-se a mais-valia noticiosa que constitui a referência a pessoas de elite, valor esse que é quase intemporal na cultura ocidental, como o provam as Actas Diurnas ou mesmo textos anteriores (Sousa, 2008 a: 21-24).
A intenção noticiosa do DN evidenciava-se, também, em várias outras notícias publicadas logo nos primeiros números (e reproduzidas a seguir), algumas de conteúdo administrativo e social, outras de conteúdo económico (é de notar os floreados na linguagem e a polidez com que se tratavam as pessoas, gentilezas perdidas historicamente em favor da noção da “verdade nua e crua dos factos”), mas todas breves e escritas numa linguagem acessível, onde é notória a noção de lead. Em algumas delas, dão-se pistas para entender o fluxo nacional e internacional de notícias, como naquelas em que se indicia a consulta da folha oficial e de jornais estrangeiros (citados), o que revela iniciativa dos jornalistas; noutras, repara-se na iniciativa de fontes interessadas, embora, para o caso, não oficiais, que procuram usar o jornal em seu benefício (por exemplo, a queixa de um leitor relativa ao lixo acumulado); e noutras ainda, constata-se a iniciativa de colaboradores do próprio jornal. É interessante observar, igualmente, que em algumas dessas notícias se notam vestígios do género epistolar, que constitui um dos alicerces do género noticioso, como acontece, por exemplo, quando o jornal interpela, directamente, os protagonistas das notícias, para os elogiar, desejar melhoras, etc. Finalmente, é de registar que, mesmo noticioso, o jornal não se coíbe de fazer “intervenção social”, como quando apela à resolução de problemas por parte das autoridades. Vejam-se, então, os seguintes exemplos de notícias, extraídas de vários números do DN (1864-1867):
Em a noite de 16 do corrente [Dezembro de 1864], diz o periódico Franche-Comtê, deu-se, junto a Vercel, uma tentativa de assassínio, acompanhada de roubo: Filippe Jeanner, antigo magistrado de Ecourotte, agente geral da companhia de seguros, a França, que como portador de uns 5 a 6 000 francos (12000$000 réis) se dirigia a Vercel, − foi assaltado, no bosque de Chamois, por três indivíduos de feia catadura, os quais, arrojando-o ao chão, lhe comprimiram fortemente as goelas e o despojaram de tudo que consigo levava. Chegado a Vercel, Jeanner referiu o caso à justiça e esta não colheu ainda, que o saibamos, resultado algum das suas pesquisas.
A Mocidade de Mirabeau, delicada produção do ilustre autor dramático francês o sr. Aylie Langié, que tão aplaudida tem sido no teatro do Vaudeville, de Paris, acaba de ser representada com brilhante êxito no teatro Scribe, de Turim. À segunda representação, diz a Italia, assistiu a melhor sociedade daquela capital. Os artistas foram muito vitoriados.
Queixa-se um morador da rua do Mirante que num canto dela se junta toda a imundice resultante do despejo de um beco próximo, exalando miasmas tão asfixiantes que é impossível passar por ali sem sofrer náuseas horríveis. Prevenimos disto a autoridade respectiva.
A ex.ma sr.ª D. comendadeira do real mosteiro de Nossa Senhora da Encarnação, da ordem militar de S. Bento de Aviz, que se achava gravemente enferma, está já convalescente, e começa a experimentar progressivas melhoras. Fazemos votos pelo completo restabelecimento de s. Ex.ª.
Contém hoje a folha oficial alguns decretos de nomeação de empregados das alfândegas. O sr. Conselheiro Palmeiro Pinto é promovido ao lugar de inspector das alfândegas e encarregado de continuar a direcção da alfândega grande. O sr. Barão de Vila Cova é promovido ao lugar de inspector das alfândegas e encarregado de continuar a dirigir a alfândega municipal.
O sr. José Cândido d’Assumpção, cavalheiro muito ilustrado, foi promovido ao lugar de contador geral da contadoria da Junta do Crédito Público com um decreto muito honroso.
Chegou ao Porto, vindo de Baião, o sr. general Lobo d’Ávila, irmão do sr. ministro da Fazenda, e do qual a imprensa tem-se ocupado ultimamente.
A cultura do algodão na Itália aumenta e desenvolve-se a olhos vistos. No ano de 1863 elevou-se a sua receita à enorme cifra de 10 800 contos de reis e a produção da colheita de 1864 calcula-se em 27 mil contos de reis.
Acaba de organizar-se em Lisboa uma comissão mista de cavalheiros portugueses e espanhóis para promover os meios de acudir às vítimas da grande inundação que há pouco houve na cidade de Valência (Espanha).
Apesar da ambição noticiosa, também se nota no DN, na tradição do enciclopedismo iluminista e dos almanaques, a vontade de prover à “instrução pública”, mesmo que por trás estivessem também intenções de entretenimento para cativar o público, incluindo as mulheres. Veja-se, por exemplo, o seguinte texto (que, no jornal, aparecia misturado com as notícias), extraído logo do primeiro número do DN, no qual se evoca, enciclopedicamente, a vida de São Tomás, devido à celebração da sua morte (celebração essa que serve de cabide e pretexto para a matéria em causa):
S. Tomás, arcebispo de Cantuária, nasceu em Londres. Foram seus pais Gilberto Belret e Mathilde, pessoas distintas por virtude e sangue. Mais por vontade própria, do que por conselhos de outrem, se fez familiar de Teobaldo, arcebispo de Cantuária, em cuja privança tanta consideração mereceu, que por suas mãos corriam os negócios mais importantes da cúria arcepiscopal. Elevado ao trono de Inglaterra o duque da Normandia e Aquitânia, Henrique, o arcebispo o propôs para chanceler do rei, lugar que desempenhou tanto a contento que por morte de Teobaldo, e sob proposta régia, foi eleito arcebispo de Cantuária. Nimiamente empenhado na defesa das imunidades da Igreja, houve de sofrer o ódio dos grandes da hierarquia tanto eclesiástica como civil. (...) Resiste o prelado, até que um dia − foi a 29 de Dezembro de 1174, há 690 anos − é procurado por quatro cavaleiros, os quais sendo expulsos do paço, invadem a Igreja onde o arcebispo se refugiara e aí o assassinam cortando-lhe a cabeça. A Igreja comemora hoje o martírio do santo prelado que em vida tanto se distinguiu na prática das virtudes cristãs.
Apresentando, na realidade, uma proposta de jornalismo com interesse interclassista, sendo assinado e lido pela Família Real mas também pelo povo comum, o sucesso do DN foi enorme, tanto assim que, com uma tiragem inicial de cinco mil exemplares, passados cinco anos já tirava 17 mil, cerca de um terço dos 50 mil exemplares de jornais que todos os dias saíam para a rua em Lisboa (CUNHA, 1891, p. 57-58). Em 1885, tirava já 26 mil exemplares diários e apresentava-se perante o público com mais conteúdos (aumento dos números de letras e linhas) e mais anúncios, conforme se pode observar pelo quadro seguinte (adaptado dos dados de CUNHA, 1891, p. 58):
O quadro anterior revela, em acréscimo ao que já foi escrito, que o aumento da tiragem e, portanto, da circulação, gerou, também, mais anúncios, que por sua vez trouxeram mais proventos e mais leitores, numa espécie de círculo venturoso. A empresa do Diário de Notícias tornou-se sólida e próspera... e portanto tanto despertou invejas e críticas como inspirou imitadores. Cunha (1891, p. 56-57) reconhece, assim, que o Diário de Notícias não foi bem recebido por todos:
É certo que nem todos reconhecem nesta revolução um verdadeiro progresso, e que, bem ao contrário, muitos lhe atribuem o que vulgarmente se chama “a crescente decadência do jornalismo”; mas não é menos certo também (...) que outros filiam essa mesma decadência, por um lado, na exploração da imprensa pelo desenfreado affarismo da política e da finança, que a escravizam a interesses pessoais, nem sempre escrupulosos, e por outro, no desbocamento das polémicas jornalísticas (...).
É facto, porém, que do mesmo modo que no jornalismo político e de combate, em Portugal, se perpetuou um nome – António Rodrigues Sampaio – ligado a duas folhas notabilíssimas – O Espectro e a Revolução de Setembro; do mesmo modo que no jornalismo literário avulta a memória do escritor que entre nós o criou (...) – António Augusto Teixeira de Vasconcelos; assim também do jornalismo popular e noticioso, imparcial e morigerado, inofensivo na propaganda e incolor em política, há-de ficar (...) um modelo (...) – o Diário de Notícias – e um nome – o de Eduardo Coelho (...).
Na verdade, algumas elites viam no jornalismo não uma forma de providenciar informação isenta e independente ao público nem um negócio legítimo, mas sim um veículo de fazer política e um prolongamento dos partidos. Ora, quando um jornal diferente chegava a todos e lhes roubava a audiência; quando esse jornal falava, com independência, do que lhes era inconveniente; quando ouvia todos por igual e não apenas um determinado partido; quando, mais do que emitir uma opinião sobre um tema, procurava apresentar as diversas posições que existiam sobre ele; quando se tornava, por vezes, uma voz pública, livre e autónoma dos partidos, que, sem nunca ofender, mas arrogando-se o direito de representar os cidadãos fora do Parlamento, chamava a atenção para os problemas do povo (como a falta de salubridade) e exigia a adopção de medidas[2], em editoriais[3] inseridos na rubrica “Assuntos do Dia” e não em artigos de fundo (o primeiro editorial surge em 10 de Setembro de 1868, na rubrica “Assuntos do Dia”, com a assinatura do director, e manifesta-se contra a ideia de união ibérica[4]), naturalmente essas elites fizeram sentir o seu ressentimento.
Efectivamente, o Diário de Notícias, revelava-se, por vezes, incómodo. Apesar de independente e genericamente noticioso, também procurava, pontualmente, influenciar as políticas governamentais, arvorando-se em “voz dos governados”, tal como aconteceu com a generalidade da imprensa do final de oitocentos e princípios de novecentos. Neste exemplo extraído do número de 11 de Janeiro de 1904, o jornal exigia mais investimento na marinha de guerra e a reforma do Arsenal:
Na última crónica (...) apelámos para o discurso da Coroa, pois talvez ele nos desse algumas esperanças de regeneração da marinha de guerra (...). [Mas] Da marinha de guerra o que promete não nos anima, com pesar o dizemos.
A reforma do Arsenal é, sem dúvida, necessária, pois que, nos tempos modernos, ainda mais do que nos antigos tempos, é impossível haver esquadras sem haver onde elas se façam e refaçam (...). Conservando-se o Arsenal onde está, nunca ele poderá desenvolver-se como deve e como convém a um Arsenal marítimo moderno (...). Não podemos, nem devemos, ficar sempre à mercê do estrangeiro para as grandes obras.
(...)
Se nos é lícito, lembraremos que a nossa divisão de reserva deveria sair em Abril ou Maio, ir até ao Mediterrâneo, ou aos portos de Inglaterra, de França e da Alemanha, com o fim de dar ensejo aos oficiais de se ilustrarem pela vista e pelo estudo das marinhas e arsenais estrangeiros.
Não se oponha a ideia de que os navios são pequenos para se apresentarem ante os grandes couraçados daquelas nações. Mostrem-se os nossos navios condignamente, mostrem-se as suas guarnições bem disciplinadas e irrepreensíveis no seu porte, que para o caso é secundário tudo o mais.
A política fugia, assim, cada vez mais, ao espaço “racional” das instituições políticas criadas pelos estados liberais, em especial do Parlamento, para se instalar na imprensa, transfigurada em novo espaço público. Consequentemente, ao mesmo tempo que a “nação” se convertia em objecto discursivo, a integração de mais cidadãos, menos cultos, no espaço público e, portanto, nas discussões políticas, devido à força da imprensa, foi prejudicando a coerência do discurso político (HABERMAS, 1984).
Face a esse cenário, as elites clamaram, então, conforme muito bem dá conta Alfredo da Cunha (1891, p. 56), contra a “decadência do jornalismo” que o DN protagonizaria, ao prestar atenção ao crime, a trivialidades sociais e a outros assuntos do quotidiano das pessoas e ao encarar a notícia como mercadoria e o jornalismo como negócio, afastando-se do temário da alta política e da alta finança, mais próprio dos jornais doutrinários consumidos pelas elites.
De qualquer modo, face ao triunfo do modelo do Diário de Notícias, relembra Alfredo da Cunha (1891, p. 59) que logo um mês e meio depois da fundação deste periódico um jornal de Lisboa adoptava o subtítulo de Jornal de Notícias e procurava imitar o DN. E isso não foi o pior:
Simultaneamente, propalavam-se contra o Diário falsidades de toda a ordem (...) e a perseguição chegou a ponto de se pensar em constituir uma liga de todas as administrações dos principais periódicos de Lisboa, com o fim de publicarem uma folha igual ao Diário de Notícias, destinada a distribuição gratuita e cujo fim seria aniquilá-lo de vez. Malogrou-se o plano, denunciado pelo correspondente em Lisboa do Diário Mercantil do Porto (...), legitimamente classificado de “injusta falta de camaradagem”.
Em 27 de Março de 1866, a empresa preveniu os seus leitores do aparecimento de uma folha (As Notícias) “da mesma índole e de título que, pela semelhança, parecia escolhido para se confundir com o do Diário, e no dia seguinte noticiava que não só diversas pessoas haviam sido enganadas, mas até lhe haviam faltado vendedores, que a empresa do outro periódico conseguira assalariar, para irem dar morras ao Diário de Notícias em frente das janelas dos escritórios. (CUNHA, 1891: 60).
Apesar de tudo, era a questão do noticiário que mais irritava as elites, habituadas à polémica destemperada ou, pelo contrário, à séria gravidade do jornalismo doutrinário, que não prestava atenção a temas fora da política, da finança e das relações internacionais. Assim, por exemplo, quando o DN, no seu número 92, anunciava:
Sendo às vezes em extremo doloroso para alguns cidadãos o verem os seus nomes reproduzidos por extenso em notícias de casos policiais, resultado muitas vezes de incidentes inevitáveis, a redacção do Diário de Notícias resolveu, de agora em diante, pôr apenas as iniciais dos indivíduos que figurarem em casos de mínima importância, e nisto introduz no jornalismo português mais um ilustrado uso seguido há muito pelas principais folhas estrangeiras. A publicação era muitas vezes estímulo e correctivo, mas outras dava um resultado muito diverso e precário.
Uns “condenaram a inovação, “com o argumento de que “dizia de menos”, enquanto outros atacaram o Diário com “fundamento na publicidade que dava aos factos, que entendiam não dever chegar, por tal via, ao conhecimento do público” (CUNHA, 1891, p. 91).
Em sua defesa, o Diário de Notícias respondia da seguinte maneira aos que o acusavam de dar informação a menos:
Conhecemos uma folha barata que foi muito agredida por ter adoptado o sistema de designar apenas por iniciais, como se faz nas folhas estrangeiras, os operários e pessoas do povo presos por insignificantes delitos, a fim de não ficarem prejudicados (...). Chamaram por isso à tal folha uma folha que defende os malandros porque para certas pessoas (...) um pobre é (...) um homem de maus costumes. (cit. in CUNHA, 1891: 91-92)
Por outro lado, aos que o acusavam de dar informação a mais, o DN recordava:
Nos Estados Unidos, na Inglaterra, em França, na Itália e até na Alemanha, os jornais fazem registo diário, e muitas vezes aparatoso, de todos os crimes (...). A publicidade, disse um pensador, é o juiz (...) de todos os erros e crimes, de todas as ideias falsas e de todas as acções condenáveis. (...) Esconder as podridões, os vícios e as infâmias não é remediá-las. (...) A publicidade é a verdade, a luz e a instrução. (...) Thévenard escreveu (...): “um dia virá em que a publicidade será o único e o mais cruel castigo das más acções e das más doutrinas. (cit. in CUNHA, 1891, p. 92)
Outra novidade introduzida pelo DN em Portugal foi a implementação de um sistema organizado de recolha de informações para o noticiário, através de uma rede de informadores que se estendia a vários correspondentes espalhados pelo país. Contemporâneo do telégrafo, das agências noticiosas, dos caminhos-de-ferro, o DN, efectivamente, chegava a todo o lado e de todo o lado lhe enviavam informações (tinha correspondentes em várias cidades portuguesas, no Brasil e em Espanha), o que não obstava a que também manifestasse iniciativa ao fabricar informação nova de produção própria. É assim que, por exemplo, se encontra no número do Diário de Notícias de 22 de Outubro de 1881 um texto que, simultaneamente, se pode classificar como sendo uma reportagem incipiente e uma análise sobre a indústria tabaqueira (aos olhos actuais, politicamente muito pouco correcta, dado o vigor com que defende o tabaco), na rubrica “Assuntos do Dia”:
Inquérito industrial / Fábricas de tabaco
No pouco tempo que resta à delegação de Lisboa para inquirir do estado das indústrias, ela não quis deixar de inquirir este importante ramo de trabalho que em Lisboa dá ocupação a mais de 3000 pessoas, e que, pelo elevadíssimo direito de entrada, contribui com um verba avultadíssima para as receitas do estado.
Esta indústria é classificada entre as indústrias agrícolas, porque procede da agricultura a folha que serve a sua fabricação, a qual antes de ser transformada em charutos, cigarrilhas, cigarros, tabaco picado e rapés é submetida a uma série de manipulações sem as quais a erva santa de Nicot não teria as qualidades de sabor e de perfume que enamoram o olfacto e tornam grato o seu fumo ao paladar.
O fabrico é quase todo manual, fazendo só a excepção algumas máquinas e aparelhos auxiliares, como se depreenderá da enumeração desses aparelhos e máquinas especiais.
Como dissemos, uma fábrica visitada foi a da Companhia Nacional de Tabacos, em Xabregas. Mas possuindo também essa companhia a fábrica de Santa Apolónia, que tem de ser inquirida separadamente, reservamos para depois a breve resenha de ambas, que será como são em geral estas indicações, que de dia a dia temos feito, uma mera indicação da importância desses estabelecimentos.
O visitado ontem foi a Companhia da Fábrica do Tabaco nas barreiras de Xabregas. Este estabelecimento pertence a uma sociedade anónima de responsabilidade limitada e foi fundado em 1875, tendo um capital inicial de 100 contos de réis, sendo 68 capital fixo, além de 180 contos de outra proveniência. O director gerente e técnico da fábrica, e que é a alma desta empresa, é o Sr. Joaquim Pedro dos Reis, que foi quem acompanhado de alguns dos seus empregados recebeu a delegação e lhe prestou todos os esclarecimentos que ela pediu dando muitos pormenores interessantes que ficaram arquivados no livro do inquérito.
Deles faremos uso depois de publicados oficialmente com as reflexões que alguns naturalmente suscitam.
O tabaco para a esta manipulação vem na sua máxima parte da ilha de Cuba, de vários estados da América do Norte, alguns da Holanda, da Hungria, do Palatinado, etc., podendo algumas qualidades que já se cultivam nas nossas colónias africanas ser aproveitadas com vantagens quando as saibam preparar melhor. Entre as outras matérias-primas para o empacotamento e embalagem há algumas nacionais.
O direito do tabaco que orça com os adicionais por 1$740 cada quilo sobrecarrega este género com cerca de 6000.0 do seu valor.
A fábrica emprega 2 motores de vapor, 1 da força de três cavalos e outro de 11. São alimentados por 2 caldeiras que representam maior capacidade, tem uma na chuia de fabricar cigarros, aparelho muito engenhoso, mas que não funciona, porque apesar da delicadeza do seu conjunto, estas máquinas ainda não chegaram a resultados concretos; uma máquina para cortar papel, 2 engenhos de picar o tabaco, 2 laminadores para diferentes usos, uma mó, uma galga, uma ciranda, dois secadores, 2 máquinas de fazer pregos, 1 polidor, uma serra mecânica, uma litografia mecânica e outra manual com grande número de pedras litográficas, duas máquinas de fazer molhinhos para charutos, mas que agora não funcionam porque o trabalho dos charutos como o dos cigarros também é tudo feito à mão. 1202 formas para charutos, uma bomba hidráulica e uma oficina de serralharia completa, dirigida como o trabalho mecânico por um hábil artista, sr. José de Maria de Almeida Ferreira Pinto, que aprendeu nas primeiras oficinas de Lisboa e esteve algum tempo estabelecido em Coimbra.
O sr. Pinto mostrou ali à delegação uma interessante máquina motora a vapor dupla, horizontal, em miniatura formada por peças delicadíssimas, perfeitamente montada, funcionando muito bem e que não tem em volume mais de 40 centímetros.
A fábrica emprega hoje 77 operários. Já empregou muitos mais, mas reduziu o número, escolhendo os actuais entre os mais habilitados e que melhor produzem. Os salários dos homens orçam pela média de 400 reis e o das mulheres por 280 reis. Há algumas mulheres que tiram férias de 400 reis e homens que as têm de 600 a 800 reis. Tem um fiscal, o Sr. José Cardoso de Andrade, e oito mestres diferentes, que são por via da regra saídos dos operários mais inteligentes e mais instruídos.
As férias totais orçam por cerca de 12 contos de reis e as vendas elevam-se a uns 150 contos. Não há nenhuma instituição operária especial, nem de socorro ou previdência.
A fábrica ainda está, pode dizer-se, no seu período de evolução e progresso e a direcção conta realizar no seu material melhoramentos compatíveis com os seus recursos.”
Além de revelar aspectos interessantes da sociedade portuguesa oitocentista (veja-se, por exemplo, o sexismo salarial), o texto acima evidencia vários aspectos relevantes do jornalismo português do último quartel do século XIX:
1) Já havia uma espécie de “jornalismo de investigação” incipiente, sendo de reconhecer a iniciativa jornalística de levar por diante um inquérito à indústria;
2) Os temas económicos tinham espaço nos jornais generalistas;
3) Embora não seja possível falar da existência de reportagem no sentido actual do termo, é visível que algumas das características da reportagem já se encontram plasmadas nesse texto, como a inserção do relato da vivência do jornalista no próprio corpo do texto, o embelezamento estilístico e a finalidade informativa, pelo que se pode considerar a matéria em causa um exemplo de artigo-reportagem;
4) A busca da factualidade informativa (“Este estabelecimento (...) [tem] um capital social de 100 contos de réis”...) casa com a procura de um estilo que satisfaça e cative a audiência (“a erva santa de Nicot não teria as qualidades de sabor e de perfume que enamoram o olfacto e tornam grato o seu fumo ao paladar”...), características que o jornalismo conserva;
5) Em relação ao jornalismo actual, estranha-se, sobretudo, a incapacidade de sistematização e ordenação da informação, sendo que o jornalista parece passar de um para outro assunto sem grandes preocupações de seriação e organização interna dos dados.
Muito para além de todas as diferenças e semelhanças entre o que acontece nos dias de hoje e o que sucedia antigamente, o que é, apesar de tudo, importante realçar é que se deve ao DN a introdução das reportagens no jornalismo diário português (as primeiras publicadas no DN foram sobre incêndios), tal como se lhe deve o aparecimento de espaços virados para o leitor (curiosidades, artigos de instrução pública, como o texto atrás inserido sobre São Tomás, etc.).
Registe-se, ainda, que, em Portugal, também a ideia de publicar números especiais se deve ao DN. O primeiro saiu em 1870 e debruçava-se sobre a guerra franco-prussiana.
Deve-se igualmente ao DN a fuga ao grafismo tradicional. Foi, de facto, o DN o primeiro jornal a fazer páginas intensamente ilustradas, de que é exemplo a primeira página dedicada ao Carnaval, da autoria do artista Rafael Bordalo Pinheiro, publicada a 26 de Fevereiro de 1895.
Os folhetins também cedo fizeram a sua aparição no DN. Logo em 1870, entre 24 de Julho e 27 de Setembro, começou a ser publicado no jornal, sob a forma de cartas anónimas, O Mistério da Estrada de Sintra, da autoria de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. Esse folhetim, primeiro romance policial da literatura portuguesa, teve um sucesso extraordinário e contribuiu para o sucesso do jornal, tanto quanto a introdução de rubricas de entretenimento e ilustração e de moda e assuntos femininos. O DN conquistava, efectivamente, todos os públicos, incluindo as mulheres e os jovens, ao contrário do que sucedia com a imprensa doutrinária, que quase somente suscitava o interesse da elite masculina politizada e da alta finança.
A derradeira novidade introduzida pelo DN foi, porém, a da criação de uma secção de anúncios a baixo preço. Esses anúncios apresentavam-se mais ou menos organizados tematicamente (publicações, vendas, leilões...), o que facilitava a vida ao leitor, e possuíam títulos, que os sinalizavam. Essa opção teve popularidade instantânea. O lucro gerado pela publicidade crescente permitiu, depois, contratar mais colaboradores e adquirir novas rotativas e outros equipamentos que possibilitaram o constante aumento da tiragem. A publicidade tornava-se, finalmente, em Portugal, a fonte prioritária de rendimento de um periódico, o que permitia reduzir o preço por exemplar.
De facto, até ao surgimento do DN, os anúncios, em Portugal, eram parcos e caros e, por vezes, até era preciso alguém que recomendasse o anunciante ao redactor do jornal para que este publicasse um determinado anúncio. Para Alfredo da Cunha (1891, p. 97), o lançamento do DN marcou uma viragem, “o começo do desenvolvimento do anúncio como intermediário (...) dos negócios e condição indispensável para o bom êxito da maior parte das empresas”. À custa da popularização dos anúncios, criaram-se, inclusivamente, agências de anúncios, embriões das agências publicitárias actuais, como a Agência Primitiva de Anúncios, de Luís Maria Pereira de Braun Peixoto, mais conhecido por Peixoto dos Anúncios. Só no primeiro ano, o DN publicou 14402 anúncios, uma média de 48 por número, sendo que vinte anos depois, em 1865, já inseria 180 mil por ano, o que, inclusivamente, obrigou a aumentar as dimensões do periódico (Cunha, 1891, p. 100).
Obviamente, ontem como hoje, o DN foi criticado por causa da sua dependência da publicidade e por, alegadamente, ser um “elemento de decadência” por viver “do interesse do reclame e do anúncio” (Cunha, 1891, p. 101). Mas a acusação não ficou sem resposta. Por exemplo, no número de 28 de Setembro de 1878 escrevia-se no DN que os jornais baratos apenas “alargaram os domínios da publicidade”, já que os anúncios existiam antes deles. Ironicamente, interrogava-se o DN se seriam perniciosos os anúncios “das modistas, dos médicos, dos fabricantes de elixires” que publicava. E acrescentava que, em todo o caso, ao publicar anúncios o Diário de Notícias estaria em boa companhia: na do New York Herald, do Times, do Daily Telegraph, do Figaro, do Jornal do Comércio do Rio de Janeiro e outros. Para o DN, não seriam, assim, os anúncios, encarados como “instrumentos industriais”, que “escravizam, abatem e agrilhoam a imprensa”. Mais, “Se são exagerados e falsos, têm sempre o grande correctivo do escrutínio público”. Em acréscimo, Alfredo da Cunha (1891: 102) revela que o DN não autorizava a publicação de anúncios da “vida particular” nem “publicações infamantes” e “perseguia sem tréguas os autores de anúncios falsos”.
Assim, o DN vingou e prosperou. Graças ao baixo preço a que era vendido, deu, inclusivamente, origem a uma explosão do número de ardinas (Cunha, 1891, p. 79-85), “moços dos jornais” que andavam pelas ruas propagandeando as notícias e vendendo periódicos, escapando a uma vida de mendicidade e de extrema pobreza.
4. As repercussões do Diário de Notícias e as transformações no jornalismo português
Após a aparição do Diário de Notícias, a intenção comercial (o jornalismo voltado para o negócio e não para a política) e a ambição informativa da imprensa alastraram-se. O público estava ávido de notícias relevantes e interessantes, como prova a fundação de vários jornais dentro da mesma linha editorial noticiosa, como o Diário Popular (Lisboa, 1866) e o Jornal de Notícias (Porto, 1866).
O sucesso dos jornais noticiosos generalistas “industriais” obrigou alguma imprensa a adaptar-se à nova situação, reorientando a sua linha editorial. Dois casos sintomáticos ocorreram no Porto. O Comércio do Porto, que tinha nascido, em 1854, essencialmente para veiculação de informação comercial e industrial, abriu-se a novos conteúdos noticiosos, transformando-se, gradualmente, num jornal de informação geral. Por seu turno, O Primeiro de Janeiro, fundado em 1869, cujo título evoca a Revolta da Janeirinha, no Porto (1 de Janeiro de 1868), contra o imposto de consumo decretado pelo Governo, nasceu como órgão simultaneamente político e noticioso, mas também evoluiu para um diário generalista comercial e, já no século XX, tornou-se o grande jornal de referência do Norte do país.
Outros jornais nascidos no final do século XIX adoptaram a mesma filosofia do Diário de Notícias, com destaque para O Século, fundado, em 1881, por um grupo de republicanos. Dando grande espaço à informação, embora sem abandonar as suas preocupações e posições políticas, com um grafismo inovador e praticando receitas copiadas da imprensa estrangeira, como o lançamento de edições ilustradas e a promoção de concursos, o Século tornou-se, no século XX, o jornal mais lido do país, com uma tiragem diária de 80 mil exemplares, suplantando o paradigmático Diário de Notícias, que se ficava pelos 70 mil (CARVALHO, CARDOSO e FIGUEIREDO, 2005, p. 22). Para o sucesso do Século terão também contribuído os folhetins que publicava e os números especiais ilustrados de oito páginas publicados aos domingos (TENGARRINHA, 1989, p. 237).
A rápida expansão do jornalismo noticioso independente originou, ainda, várias outras consequências, como sejam:
1) A rápida expansão do número de jornalistas (noticiaristas e repórteres) profissionais, de perfil técnico, apesar do mais elevado estatuto que continuavam a ter os jornalistas “eruditos”, muitos deles também engajados no combate político ou, pelo menos, ligados a determinados partidos (casos de Emídio Navarro, António Enes, Mariano de Carvalho, Barbosa Colen, Eduardo Noronha, Cunha e Costa, António Rodrigues Sampaio, José d’Alpoim, etc.) e do trunfo que, ontem como hoje, consistia a colaboração dos grandes nomes das Letras, Artes, Ciências e Humanidades num determinado jornal, nomeadamente nos folhetins;
2) A divisão de trabalho nas redacções e a fixação de uma hierarquia profissional (director; editor – co-responsável pelo conteúdo à luz da Lei de Liberdade de Imprensa; secretário de redacção; redactores; repórteres; informadores);
3) A fixação do vocabulário específico e das competências e conhecimentos técnicos associados à profissão, o que origina frequentes apelos à formação específica − e até superior − dos jornalistas (ver, por exemplo: ARANHA et al., 1894);
4) A diferenciação entre o “estilo literário, erudito ou persuasivo” e o “estilo jornalístico”, apesar da grande consideração pública que tiveram publicistas e jornalistas formados na escola do jornalismo combativo e partidário, como França Borges, Raul Proença, Brito Camacho, Trindade Coelho, João Chagas e outros;
5) A fundação de organizações de classe, como as associações de jornalistas de Lisboa e Porto, que seriam o embrião do sindicalismo jornalístico;
6) A mobilidade dos jornalistas entre os órgãos de comunicação social, para ascenderem profissionalmente, por motivos salariais ou ainda porque, num país pobre e analfabeto como era Portugal, era comum os projectos jornalísticos ruírem com facilidade.
No entanto, o aumento do número de noticiaristas e a diminuição proporcional do número dos restantes colaboradores dos periódicos fez decair o prestígio da profissão de jornalista, crescentemente encarada como uma profissão técnica, apesar da mais-valia que para o jornalismo representou, ao longo de todo o século XIX, a colaboração de vários nomes ilustres das Letras e das Humanidades portuguesas com os jornais, como comentadores políticos, cronistas, ou mesmo autores de folhetins. Entre os vultos da cultura portuguesa oitocentista que colaboraram com jornais contabilizam-se, por exemplo, Oliveira Martins, Eça de Queirós, Ramalho Ortigão, Alexandre Herculano, Almeida Garrett, etc.
Enquanto os altos vultos da cultura e da política portuguesa tinham por missão persuadir eruditamente o público ou então entretê-lo, adornando estilisticamente os periódicos com crónicas e folhetins, os noticiaristas tinham, como se referiu, atribuições essencialmente técnicas, nomeadamente elaborar notícias e reportagens sobre a vida quotidiana e traduzir notícias relevantes publicadas na imprensa estrangeira ou que (mais tarde) chegavam pelas agências. Assim, enquanto os altos vultos da cultura e da política praticavam, normalmente, um estilo profundo e complexo, por vezes de difícil apreensão, ou até quando praticavam um estilo destemperado, os noticiaristas, pelo contrário, cada vez mais se assumiam como os “verdadeiros” jornalistas, já uma espécie de classe profissional autónoma, com um conjunto de competências, conhecimentos e atribuições sociais específicas. Os noticiaristas consolidavam-se, assim, como um corpo de redactores técnicos, capazes de procurar, seleccionar, processar e difundir ágil, rápida e eficazmente informações úteis e socialmente relevantes, em textos simples, urbanos e acessíveis. Eram autênticos profissionais da comunicabilidade dos acontecimentos. Eram, enfim, repórteres.
A industrialização da imprensa e a profissionalização dos jornalistas também provocou mudanças no tecido empresarial da imprensa e na organização social do trabalho dentro dos órgãos de comunicação. O lançamento de novos periódicos passou, gradualmente, a ser da responsabilidade de grupos de indivíduos que, por motivos de negócio ou por comungarem das mesmas ideias políticas, constituíam sociedades por acções para o lançamento de jornais e revistas. O jornal lançado romanticamente pelo indivíduo isolado que nele fazia quase tudo deixava, passo a passo, de ter condições para competir e subsistir. As redacções alargaram-se para albergar os noticiaristas, passando a necessitar, além do editor ou director, de um coordenador (o chefe de redacção), a quem Tengarrinha (1989, p. 190) atribui o papel de alma do jornal português do final de Oitocentos. Normalmente, havia também nas redacções um folhetinista, quase sempre uma personagem prestigiada das Letras, que elaborava os folhetins e redigia crónicas de literatura, artes e espectáculos. A redacção completava-se com os colaboradores, incluindo os informadores, cuja missão era essencialmente o de informar do que acontecia. O crescimento das redacções provocou, mais tarde, a sua divisão em secções.
A orientação lucrativa das novas empresas jornalísticas “industriais” oitocentistas também obrigou os periódicos a terem crescentemente em conta os interesses e necessidades informativas dos leitores. O jornal já não era feito apenas para quem escrevia e seus mais próximos correligionários, mas sim para a generalidade dos cidadãos. Assim, o leitor passou a figurar na lista de preocupações dos jornalistas e dos jornais, sendo sintomática a crescente apetência dos periódicos para a publicação de notícias enviadas pelo público e para a abertura de espaço editoriais dedicados às “cartas dos leitores”. Cada periódico estabelecia uma espécie de contrato de leitura com o seu público, para que também o público fosse fiel ao “seu” jornal.
Conclusões
No terceiro quartel de oitocentos, o jornalismo português era ainda um meio “pequeno” e diletante, marcado pelo jornalismo doutrinário e literário, cujos protagonistas transitavam da política para o jornalismo e do jornalismo para a literatura, e vice-versa. Fazer jornalismo confundia-se com o fazer política ou com o fazer literatura. Os “jornalistas” eram, sobretudo, “escritores de jornal” e políticos que faziam da colaboração com periódicos uma ocupação amadora e não uma profissão.
Nesse meio pequeno e claustrofóbico, todos se conheciam e comungavam da vida boémia dos teatros e botequins, conforme o próprio Eduardo Coelho revela nas memórias de que se serviu Alfredo da Cunha (1891) para elaborar a sua biografia. Opunham-se uns aos outros, ou apoiavam-se uns aos outros, por vezes sem vestígios de cordialidade e urbanidade, mas sim de forma destemperada e insultuosa.
Fundado por Eduardo Coelho e Tomás Quintino, a partir de um modelo idealizado pelo primeiro, o Diário de Notícias veio mudar esse estado de coisas. Adivinhava-se o seu surgimento, devido aos exemplos do estrangeiro mas também devido às publicações que anteriormente tinham procurado conquistar as franjas populares da sociedade para o consumo regular de jornais. Mas o DN foi mais longe, propondo-se ser – e tornando-se, na realidade – um jornal independente e interclassista, lido pelas elites e pelas pessoas comuns, por homens e mulheres, por jovens adultos e por idosos, graças à enorme variedade de conteúdos que publicava sobre os mais diferentes assuntos. No DN, pontificavam as notícias, de todo o Portugal e do estrangeiro. O seu noticiário, muitas vezes criticado pelas elites por dar atenção ao crime e a trivialidades, ocupava a maior parte da mancha gráfica, enquanto os periódicos doutrinários o reduziam a duas ou três colunas.
Graças a essas características, o DN teve êxito imediato e em vinte anos quadruplicou a tiragem e intensificou a sua circulação, o que lhe permitiu tornar-se uma voz pública activa e poderosa, mas, por vezes, também incómoda, e que, principalmente, se substituía à representação parlamentar, pois arvorava-se o direito de representar os portugueses.
O modelo jornalístico do Diário de Notícias, financiado pelo crescente afluxo de publicidade, que, ademais, dava bom retorno aos investidores, foi imitado e o seu sucesso contribuiu para o desaparecimento de muitos pequenos jornais doutrinários, que lhes viram fugir assinantes, compradores e anúncios publicitários. O DN transfigurou, assim, a imprensa portuguesa, tendo sido o grande responsável pela reconversão modernizadora do jornalismo em Portugal, que, com ele, para o bem e para o mal, entrou na sua fase industrial e profissionalizada.
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[1] Pesquisa apoiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e com co-financiamento da União Europeia através do QREN, programa COMPETE, fundos FEDER. Projecto PTDC / CCI-JOR/100266/2008 e FCOMP-010124-FEDER-009078.
[2] Alfredo da Cunha (1891: 66), que foi director do DN, precisa que a neutralidade e a independência política reveladas pelo periódico não o impediam de se posicionar como voz pública “nas questões de princípios, de ordem pública ou de utilidade geral”. Dá os exemplos da defesa da liberdade individual e de imprensa; do respeito pela inviolabilidade das pessoas; da defesa da independência e autonomia do país; da defesa de obras e iniciativas de interesse público, etc.
[3] A denominação já é empregue por Alfredo da Cunha (1891). Interessantemente, o autor também já usa a palavra medium para se referir a meio de comunicação (CUNHA, 1891, p. 103-104).
[4] “É necessário acordar o patriotismo popular adormecido, para que o povo desperte os poderes públicos, porque cada dia parece mais evidente que a pátria corre perigo e que não só a cobiça de estranhos a ameaça e pretende usurpar, mas até alguns degenerados filhos buscam pô-la em almoeda.” A 13 de Setembro de 1868, novo editorial contra a união ibérica: “Sigamos, pois os passos aos apóstolos, aos agentes, aos caudilhos do iberismo. E entretanto vamo-nos preparando para as eventualidades. Se os poderes públicos dormirem, não dormirá o povo. Não queremos ser ibéricos, é o grito que anda nos lábios, no coração e na consciência dele”. E ainda, a 13 de Fevereiro de 1869, reagindo a um decreto que validava os diplomas do ensino superior português em Espanha, escrevia-se, intervindo o jornal como voz pública: “Amizade franca e sincera, fraternidade íntima entre os dois povos da península, cordiais relações internacionais, protecção mútua ao comércio, à indústria, às ciências e artes dos dois países, para promover conjuntamente a prosperidade de ambos, mas dois reis, dois governos, duas bandeiras, duas histórias, duas famílias, duas nacionalidades, duas autonomias distintas e separadas pela fronteira do direito.”
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