04. Indicadores

Indicadores de produção bibliográfica portuguesa sobre jornalismo até à

Revolução de 25 de Abril de 1974

Jorge Pedro Sousa, Nair Silva, Mônica Delicato, Gabriel Silva, Carlos Duarte e Eduardo Zilles Borba

Universidade Fernando Pessoa e Centro de Investigação Media e Jornalismo

» Texto publicado, na íntegra ou parcialmente, em:

- Revista da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade Fernando Pessoa, n.º 4, pp. 20-33.

- MORAIS, Osvando J. (Org.). Tendências Actuais da Pesquisa em Comunicação no Brasil. São Paulo: Intercom, pp. 41-60.

- Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação (www.bocc.ubi.pt)

» Trabalho apresentado, integral ou parcialmente, em:

- V Congresso Português de Ciências da Comunicação/V Congresso da Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação (SOPCOM)

- XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação

Introdução

Este texto insere-se no projecto "Teorização do Jornalismo em Portugal: Das Origens ao 25 de Abril de 1974"[1], no âmbito do qual procurámos inventariar os livros e similares (ou seja, obras “individuais”) que teorizam sobre jornalismo editados em Portugal até à Revolução de 25 de Abril de 1974 e que são da autoria de autores portugueses. Não foram contemplados no estudo livros de autores portugueses editados fora de Portugal, livros de autores estrangeiros editados em Portugal, publicações periódicas e contribuições sobre jornalismo em obras colectivas cuja temática não é exclusivamente jornalística. Também não foram integrados no estudo obras dactilografadas e outras, apesar do seu interesse para a teorização do jornalismo, como sejam a monografia de Mário dos Reis Príncipe (1971) intitulada Aspectos Sociológicos da Informação no Estado Moderno (O Papel da Rádio), mais tarde publicada sob a forma de livro, e a dissertação de licenciatura de Matilde Rosa Araújo (1946), intitulada A Reportagem Como Género: Génese do Jornalismo Através da Constante Histórico-Literária. No entanto, foram englobadas as separatas de artigos publicados em periódicos (uma vez que satisfazem a condição de “obra individual” previamente definida) e as obras publicitárias produzidas pelos órgãos jornalísticos com interesse relevante para a compreensão da actividade (por exemplo, ao descreverem os equipamentos, os processos produtivos, etc.), que são em número residual.

Tendo em conta que uma grande parte da época histórica que nos propusemos estudar corresponde a um período em que a pesquisa e reflexão em jornalismo se começou gradualmente a impor, não tendo, portanto, as características de cientificidade e rigor que possui nos dias de hoje, demos um enquadramento amplo ao que considerámos “teorização sobre jornalismo”, englobando no conceito, por exemplo, livros de memórias de jornalistas com reflexões sobre a actividade, antologias jornalísticas onde existem reflexões sobre jornalismo e jornalistas, livros sobre comunicação que abordam o tema do jornalismo, etc.

O inventário foi realizado, sobretudo, através da pesquisa em catálogos manuais e electrónicos das bibliotecas portuguesas (incluindo, obviamente, a Porbase), em especial na Biblioteca Nacional. Consultámos, ainda, as bibliografias das várias obras inventariadas e de outras obras mais recentes, que, por vezes, indicam livros cujos títulos dificilmente seriam conectados com a “teorização do jornalismo” numa pesquisa pelos catálogos. A pertinência da inclusão das várias obras no inventário foi testada, excepto em casos pontuais, pela leitura das mesmas. É de realçar, a propósito, que, em certas ocasiões, inventariámos livros cuja leitura revelou não serem pertinentes para figurarem na lista, incluindo livros que em determinadoas bibliografias são referidos como estando relacionados com a teorização do jornalismo. É o caso, por exemplo, de obras com estatutos de associações de jornalistas ou com relatórios de actos das direcções dessas associações, que não incluímos no inventário porque não os considerámos como relevantes para a teorização do jornalismo, embora sejam importantes, por exemplo, para a edificação de uma história do jornalismo. É o caso, por exemplo, do Relatório dos Actos da Direcção da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto (1896). Assim, de uma lista original de mais de 400 obras, acabámos por ficar com uma em que figuram apenas 356 livros. Houve, no entanto, quatro obras de que encontrámos referências bibliográficas mas de que nunca encontrámos exemplares e que poderiam, eventualmente, vir a integrar o inventário: Relatório dos Trabalhos da Direcção Acerca da Denominada Crise da Imprensa, em 1916, publicado pela Associação de Classe dos Trabalhadores da Imprensa de Lisboa (1917); Os Jornalistas e a Lei de Imprensa: Consonâncias e Dissonâncias na Assembleia Nacional, de Júlio Sereno Cabral (1970); Administração Geral: Organização e Administração de Jornais, de João Rodrigues (s/d), que existe na Casa da Imprensa, em Lisboa, cota 070, instituição que não facultou a sua consulta; e ainda Teoria da Informação, de João Carlos Beckert d’Assumpção (1971/1972).

Os indicadores de produção bibliográfica aqui apresentados permitem-nos ficar com uma ideia aproximada da produção intelectual portuguesa sobre jornalismo antes de 1974. Não excluímos que existam livros não inventariados no âmbito deste projecto, mas pensamos que serão uma minoria, pelo que a sua hipotética exclusão destes indicadores não afecta o desenho das grandes tendências da produtividade que aqui tentámos realizar. Por outro lado, sabemos que os indicadores de produtividade não explicitam a qualidade da teorização produzida, mas são relevantes para se determinar quais as épocas em que mais fervilhou a reflexão e a pesquisa sobre jornalismo.

Recordamos que, no âmbito do projecto de investigação, restringimos o objecto de estudo aos livros e similares, razão pela qual destes indicadores estão excluídas as publicações periódicas, como a revista Informação, Cultura Popular e Turismo, que inclui alguns dos primeiros artigos científicos sobre jornalismo e comunicação publicados em Portugal, e as publicações periódicas de classe. Reconhecemos, porém, que alguns dos periódicos de classe foram bastante importantes para a teorização do jornalismo em Portugal. Podemos citar, a título de exemplo, os boletins do Sindicato dos Jornalistas (então chamado Sindicato Nacional dos Jornalistas) e a Gazeta Literária da Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto. No entanto, toda a pesquisa tem de ter as suas fronteiras, o seu objecto de estudo deve ser definido com nitidez e o nosso não contemplou essas publicações.

Foi nossa intenção responder neste texto às seguintes perguntas de investigação:

1) Como evoluiu quantitativamente a produção de livros que teorizam sobre o jornalismo em Portugal até 1974, em geral?

2) Quais os grandes temas da produção intelectual portuguesa sobre jornalismo antes de 1974?

3) Como evoluiu, tematicamente, a produção intelectual portuguesa sobre jornalismo antes de 1974?

4) A edição de livros sobre jornalismo espalhou-se por todo o país, à semelhança da própria imprensa, ou tratou-se de uma actividade centralizada na capital?

5) Quais os autores mais produtivos?

Para respondermos à segunda e à terceira questões, definimos as categorias temáticas referidas na tabela 1, nas quais procurámos integrar os livros inventariados. Note-se que os livros foram classificados de acordo com o seu tema principal, pois vários entre eles abordam, efectivamente, mais do que um tema. Em outros casos, o tema principal do livro só colateralmente toca a teorização do jornalismo. É o que acontece, por exemplo, em colecções de crónicas escritas por jornalistas em que numa ou noutra se reflecte sobre a actividade. Nestes casos, incluíram-se os livros no inventário, considerando-se por tema principal o tema da crónica ou crónicas onde se reflecte sobre jornalismo. Por outro lado, as reflexões sobre jornalismo das primeiras décadas do século XIX, apesar de inventariadas, são, normalmente, feitas no quadro das lutas ideológicas travadas entre liberais e absolutistas, pelo que o seu tema toca quase invariavelmente as questões relacionadas com a liberdade de imprensa. Aliás, não foi propósito desses autores das primeiras décadas de Oitocentos, em especial daqueles cujas obras foram escritas no calor da Revolução Liberal (1820), produzir grandes teorias sobre jornalismo. Na verdade, as obras dessa época que constam da nossa inventariação são, essencialmente, reacções a textos publicados e ataques pessoais, mas como, com maior ou menor peso, mais ou menos directamente, polemizam sobre a liberdade de imprensa, optámos por inclui-las no inventário.

As categorias que desenhámos para classificação dos livros encontram-se expressas na tabela 1. Foram definidas a priori, mas sofreram vários ajustes a posteriori, no decorrer do processo de classificação dos livros.

Tabela 1

Categorias temáticas para classificação dos livros inventariados

Fiabilidade média intercodificadores: 0,75

É de realçar que, no que respeita à teorização sobre jornalismo especializado, e excluindo os livros cuja perspectiva é meramente histórica e bibliográfica, apenas se encontraram livros sobre jornalismo médico (poucos), mas não se criou qualquer categoria para eles. Similarmente, não se encontraram livros sobre a utilização dos meios jornalísticos no contexto escolar. Ainda é de referir que a quase inexistência de obras classificadas na categoria “Outros” indicia a pertinência das categorias criadas, o que não equivale a dizer que a categorização tenha sido fácil e que não houve lugar para dúvidas. Aliás, o valor médio da fiabilidade intercodificadores (0,75) aponta-o. Efectivamente, a categorização de vários livros ofereceu muitas dúvidas. Inicialmente, até tínhamos pensado em mais categorias, distinguindo, por exemplo, a categoria “Liberdade de Imprensa” da categoria “Ética, Direito e Deontologia”, mas chegámos à conclusão que na maioria dos livros estes assuntos estão de tal forma miscigenados que seria enganador separá-los em duas ou mais categorias. Por outro lado, muitos dos livros que abordam as questões da liberdade de imprensa também abordam o conceito de opinião pública. Ora, inicialmente categorizámos alguns livros sobre opinião pública, mas que também abordavam a liberdade de imprensa, na categoria “Teoria do Jornalismo”, mas acabámos por verificar que essa perspectiva não era, possivelmente, a mais correcta, já que, normalmente, a abordagem do conceito de opinião pública nesses livros não é de cariz sociológico, mas sim da área do direito. Frequentemente, o conceito de opinião pública apenas é usado em sentido comum, com pouco rigor científico. Assim, optámos por estender a categoria “Liberdade de Imprensa” aos livros sobre opinião pública, excepto quando a abordagem do conceito de opinião pública era de cariz sociológico.

Algumas colectâneas de antologias e crónicas jornalísticas (por exemplo: Falcão, 1946) têm alguns textos especificamente sobre jornalismo, razão pela qual foram incluídos no inventário, em diversas categorias. Alguns desses textos são reflexões sobre jornalismo misturadas com relatos da actividade profissional, o que dificultou a categorização (poderiam ser classificados quer em “Teoria do Jornalismo” quer em “Jornalistas e Vida Profissional”). A inclusão ou exclusão de livros na categoria “Jornalistas e Vida Profissional” ou na categoria “Teoria do Jornalismo” dependeu sempre do principal enfoque: quando se tratava de relatos, por vezes anedótico, de casos da vida profissional, os livros foram classificados em “Jornalistas e Vida Profissional”; ao invés, quando se verificou um predomínio da reflexão sobre a actividade jornalística, os livros foram classificados em “Teoria do Jornalismo”.

Um outro problema ilustra as dificuldades de categorização de alguns livros, embora num único caso, conforme já referimos. Tratou-se de um livro que aborda vários assuntos, de várias categorias diferentes, cada assunto num capítulo específico. Uma das hipóteses que se nos oferecia consistia em contabilizar 0,5 em cada categoria, mas como esta solução poderia levantar dúvidas ao leitor, criámos a categoria “Outros”, na qual classificamos esse livro multitemático.

Resultados

Para respondermos à primeira pergunta de investigação, decidimos agrupar os livros por décadas, com duas excepções: na primeira classe que formamos englobamos todos os livros inventariados até 1810; a última classe formada, por seu turno, só abarca 4 anos.

Tabela 2

Evolução da produção intelectual portuguesa sobre jornalismo

A tabela 2 mostra que foi durante o processo de industrialização acelerada do jornalismo, no último vinténio de Oitocentos, que os estudos e reflexões sobre jornalismo se começaram a fazer com uma certa estabilidade e sistematicidade, adquirindo particular relevância a partir da década de quarenta do século XX. Assim, pese embora a ditadura e a censura do Estado Novo, os estudos jornalísticos desenvolveram-se em consonância com o progresso do sistema educativo (universalização da educação básica, aumento do número de estudantes no ensino secundário e nas universidades) e as mudanças no sistema mediático (introdução da rádio e, depois, da televisão, por exemplo). Há, porém, uma excepção a essa regra. Na década de vinte do século XIX, devido à Revolução Liberal e à institucionalização constitucional do direito à liberdade de imprensa, surgiram vários livros que abordam directa ou indirectamente essa problemática, quase todos pequenos opúsculos, muitos deles motivados por ataques pessoais (à semelhança de alguns blogs contemporâneos). No resto do século XIX, porém, não se volta a verificar essa produtividade vintista. A guerra civil entre liberais e miguelistas, bem como os períodos ditatoriais, terão tido alguma influência nesses resultados.

Tabela 3

Evolução da produção intelectual portuguesa sobre jornalismo por épocas históricas

A tabela 3 mostra-nos a produtividade dos estudos jornalísticos por época histórica, oferecendo-nos uma perspectiva geral. Podemos concluir, pela sua observação, que os progressos técnicos, educativos e jornalísticos se sobrepuseram à existência de censura institucional no que respeita aos estudos jornalísticos. Em concreto, é de explicitar que, apesar de o Estado Novo ser ditatorial e censório, os estudos jornalísticos floresceram durante essa época, graças aos progressos sociais (educativos, científicos, económicos, técnicos) e mediáticos.

A tabela 4, por seu turno, dá conta da produtividade intelectual sobre jornalismo até 1974, em função das categorias temáticas definidas na tabela 1. Três categorias abarcam a maioria dos livros. A maioria relativa deles insere-se na categoria "Ética, Direito e Deontologia do Jornalismo, Liberdade de Imprensa e Opinião Pública"; seguidamente, e por ordem, surgem-nos as categorias "História do Jornalismo" e "Jornalistas e Vida Profissional".

Tabela 4

Produtividade intelectual no campo do jornalismo

São várias as razões que explicam o predomínio da teorização sobre liberdade de imprensa e os estudos históricos, conforme indiciado pelos dados da tabela 4. Por um lado, as revoluções, a guerra civil do século XIX e as ditaduras propiciaram férteis debates acerca do tema. Embora a Revolução Liberal tenha aberto as portas à liberdade de imprensa, e embora esta liberdade fosse mais ou menos tolerada durante o Rotativismo, as ditaduras de Costa Cabral, a meio do século XIX, de João Franco, antes da Revolução Republicana, e do Estado Novo (Salazar e Caetano) cercearam-na. Assim, as elites afectas aos vários regimes censórios necessitaram de justificar a imposição da censura (por exemplo: Salgado, 1945); por outro lado, as elites das oposições não deixaram, insinuantemente, de debater o tema, com maior ou menor dificuldade (por exemplo: Balsemão, 1971).

Os estudos históricos são, também, relevantes na produção teórica portuguesa sobre jornalismo. O elevado número de estudos históricos no campo jornalístico justifica-se porque o objecto de estudo (em particular os jornais) é, normalmente, acessível. Além disso, existem fundos documentais que facilitam esses estudos e, por vezes, é possível obter testemunhos pessoais do que aconteceu, o que ajuda a explicar essa profusão de estudos históricos. Em acréscimo, e como derradeira razão justificativa do relativamente elevado número de estudos no campo da história do jornalismo, podemos invocar a vontade de preservação da memória histórica, própria das pessoas e dos povos. A preservação da memória histórica é até, frequentemente, alimentada pelos governos para arregimentar partidários, como aconteceu em Portugal durante o Estado Novo, que impôs ao país uma ideologia nacionalista. Por exemplo, as celebrações do tricentenário da Restauração da Independência, que ocorreram em 1940, e nesse mesmo âmbito as celebrações do tricentenário do primeiro periódico português, a Gazeta “da Restauração”, foram pretexto para vários estudos históricos no campo do jornalismo. Embora alguns desses estudos históricos sejam, essencialmente, revisões bibliográficas que pouco ou nada oferecem de novo (por exemplo: Rocha Martins, 1942), outros dão relevantes contributos monográficos para a edificação de uma história do jornalismo, a nível nacional (por exemplo: Cunha, 1941 a), mas também ao nível regional e local (por exemplo: Costa, 1963).

A terceira categoria em que os autores portugueses que reflectiram sobre jornalismo foram mais prolixos é a dos "Jornalistas e Vida Profissional". Os livros classificados nessa categoria dizem maioritariamente respeito a discursos evocativos de personalidades e a memórias de jornalistas, que relatam em tom de confidência episódios da sua vida profissional, centralizando neles próprios o protagonismo das histórias. Embora, por vezes, tenham um tom narcisista, essas obras oferecem informações preciosas sobre as rotinas jornalísticas de cada época, os processos de recolha e processamento de informações, as interacções entre jornalistas e protagonistas sociais (políticos, artistas, empresários…), a hierarquia das redacções e a estrutura das organizações noticiosas (por exemplo: Bramão, 1936; Serra, 1965). Outros livros, como os do jornalista Eduardo Noronha[2] À Porta da Havanesa (Porto: Magalhães & Godinho, 1911) e À Esquina do Chiado (Porto: Magalhães & Godinho, 1913), não foram incluídos no inventário, pois são romances, apesar de o segundo ter por protagonista um jornalista (Cândido Formosinho, “dulcíssimo redactor do Carnet Mondain”) e de revelarem, com conhecimento de causa, aspectos interessantes da vida profissional dos jornalistas (neste caso, dos finais do século XIX e princípios do século XX). Do mesmo modo, livros como Crónicas dos Tempos Idos, de Luís Teixeira (Lisboa: Imprensa Nacional de Publicidade, 1954), também não foram incluídos no inventário, por falarem de assuntos alheios ao jornalismo apesar de evocarem episodicamente jornalistas e jornais[3].

As obras que teorizam sobre jornalismo desde pontos de vista técnicos ou académicos, classificadas na categoria “Teoria do Jornalismo”, apareceram em Portugal principalmente a partir dos anos Sessenta do século XX, devido ao desenvolvimento das ciências sociais em Portugal, a partir da fundação do Instituto de Estudos Sociais (1963), que daria origem ao Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), e do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas[4] (ISCSP), na altura designado Instituto Superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina. Os trabalhos de José Júlio Gonçalves (1960; 1962…), publicados pela Junta de Investigações do Ultramar, são particularmente relevantes nesse quadro.

A categoria "Conjuntura Jornalística" engloba, por exemplo, trabalhos produzidos para congressos internacionais, revelando indicadores (como tiragens, número de jornalistas, etc.) que nos permitem entender melhor o panorama jornalístico do passado (exemplo: Aranha, 1900), bem como relatórios sobre a situação conjuntural de grémios jornalísticos (por exemplo: Bessa, 1899).

As restantes categorias tiveram resultados residuais ou não tiveram livros nelas categorizados (como sucedeu com a categoria "Jornalismo e Educação"). Há que dizer, ainda, que os únicos livros sobre jornalismo especializado que encontrámos foram categorizados em “Teoria do Jornalismo” e dizem exclusivamente respeito ao jornalismo médico.

A tabela 5 permite observar como evoluiu a publicação de livros sobre jornalismo em Portugal até ao 25 de Abril de 1974 tendo em conta as principais categorias explicitadas na tabela 1.

Tabela 5

Distribuição ao longo do tempo, por categorias temáticas, dos livros sobre jornalismo editados em Portugal (até 1974)

Do exame dos dados da tabela 5, sobressai o seguinte:

1) A produção editorial portuguesa sobre jornalismo até 1974 é irregular, mas intensificou-se a partir da segunda metade do século XX.

2) Somente a partir das duas últimas décadas do século XIX é que estabilizou a edição de obras sobre jornalismo em Portugal, em consonância com o incremento da publicação de periódicos (Tengarrinha, 1989) e com a entrada do jornalismo português na sua fase industrial.

3) Por vezes, a produção de livros com determinada temática é conjuntural e, provavelmente, uma questão de “moda”, em particular no que respeita aos livros da categoria “Jornalistas e Vida Profissional”.

4) O pico de edição na década de 1941-1950 reflecte a circunstância conjuntural do interesse pela génese e história do jornalismo em Portugal, no quadro das comemorações do tricentenário da Restauração da Independência e do tricentenário do início da publicação da Gazeta “da Restauração”, primeiro periódico português (1641-1647). Aliás, após esse período o interesse pelo jornalismo enquanto objecto de estudo e reflexão não esmoreceu, encontrando-se novos picos de produtividade editorial sobre jornalismo nas décadas de 1951-1960 e 1961-1970.

O pico da década de 1821-1830 é conjuntural, decorrendo, conforme já explicámos, da publicação de livros e opúsculos classificados na categoria “Liberdade de Imprensa”, no seguimento da Revolução Liberal de 1820.

Sobressai, de facto, da análise da tabela 5 a explosão que se verificou na edição de obras que reflectem sobre a liberdade de imprensa na década 1821-1830, devido à Revolução Liberal de 1820, que tirou a mordaça a uma elite burguesa instruída, ávida de intervir nos negócios públicos. O interesse pelas questões relacionadas com a liberdade de imprensa manteve-se, de resto, ao longo do tempo, com os números a assinalarem que nos períodos ditatoriais que antecederam a Revolução Republicana de 5 de Outubro de 1910 e a Revolução Democrática do 25 de Abril de 1974 (período marcelista do Estado Novo) se notou um certo incremento da atenção pela temática, em consonância, aliás, com a agitação social que se viveu em ambas as épocas. A apreensão de periódicos antes da implantação da República, por exemplo, motivou a publicação de vários textos, nomeadamente de textos de defesa de jornais e jornalistas perante os tribunais, conforme é exemplificado pelo texto de Boto Machado intitulado A Liberdade de Imprensa: Carta Aberta e Minuta Extra-Processual a Propósito do Processo Instaurado Sobre a Penúltima Apreensão do Jornal Republicano “O Mundo”. As discussões que antecederam a publicação de uma nova Lei de Imprensa, em 1971, e aquelas que se lhe seguiram também motivaram a publicação de várias obras sobre liberdade de imprensa, de que é exemplo o livro de Arons de Carvalho e Monteiro Cardoso (1971), justamente intitulado Da Liberdade de Imprensa.

A observação da tabela 5 mostra, igualmente, que a teorização de cariz académico e técnico sobre jornalismo (englobados na categoria “Teoria do Jornalismo”) apenas se desenvolve consistentemente a partir de da segunda metade do século XX, mantendo uma evolução positiva até aos anos setenta, presumivelmente devido a factores já referidos, como sendo: 1) Desenvolvimento das ciências sociais e do ensino universitário; 2) Atmosfera política e social efervescente; 3) Crescimento económico e progresso educativo e científico; e 4) Desenvolvimento do sector mediático. Na realidade, o final decrescente das linhas do gráfico é enganador, pois apenas foram contabilizados os livros publicados entre 1 de Janeiro de 1971 e 25 de Abril de 1974. Se as fronteiras da pesquisa se tivessem estendido pelo tempo, pelo menos até ao final da década de setenta, certamente teríamos mais ocorrências de livros, nomeadamente na categoria “Teoria do Jornalismo”, até porque, no final dessa década, se criou o primeiro curso universitário de Comunicação português, o da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, agregando eminentes teorizadores do campo, como os professores Adriano Duarte Rodrigues e, em especial, Nelson Traquina, que é, quanto a nós, o primeiro teórico eminentemente científico do jornalismo, em particular de uma sociologia do jornalismo, que surge em Portugal (o seu livro O Quarto Poder Frustrado, escrito em parceria com Warren K. Agee no início da década de Oitenta, representa bem a cientificidade trazida por Traquina aos estudos jornalísticos).

A história do jornalismo passa a ser tema relevante na produção bibliográfica a partir da viragem do século XIX para o XX e mantém-se como tema frequente durante as sete décadas estudadas deste último século. São várias as razões que se podem apontar para o fenómeno: 1) A existência de material passível de ser estudado; 2) A facilidade de acesso a esse material; 3) A sobrevivência de testemunhas directas de alguns dos fenómenos historiografados; 4) A possibilidade de se tratarem temas históricos sem grande asfixia censória; e 5) A vontade de imortalidade simbólica, em alguns casos pessoais, ou a vontade de preservação e engrandecimento da memória histórica, que, no caso do Estado Novo, foi intensificada pela ideologia nacionalista mais ou menos oficial, assumindo particular relevo na comemoração do tricentenário da Restauração da Independência, em 1940, no âmbito do qual muito se escreveu sobre o primeiro periódico português, a Gazeta “da Restauração”, e sobre a génese e evolução do jornalismo em Portugal (por exemplo: Cunha, 1941 a).

Terá sido também a vontade de imortalidade simbólica, a par de uma certa vaidade pessoal, que compeliu alguns jornalistas a deixarem para a posteridade livros de memórias. Por outro lado, a amizade e os costumes da época justificam por que razão alguns autores escreveram obras de homenagem a outros jornalistas, frequentemente elogios fúnebres, sendo que, por trás destes últimos, se esconderá, ainda, a vontade de ostentar a amizade com o falecido, engrandecendo o próprio autor. Essa “moda” das biografias e memórias profissionais, englobadas na categoria “Jornalistas e Vida Profissional”, embora tivesse surgido a meio do século XIX, com algumas publicações pontuais, só se consolidou no final de Oitocentos, mantendo-se com maior ou menor expressão ao longo das primeiras sete décadas do século XX, em especial entre 1911 e 1930. Já fizemos referência a esses livros, que embora pouco avancem numa teorização de raiz académica do jornalismo, são importantes porque, para além das reflexões que os autores fazem sobre a actividade, deixaram-nos pistas importantes para compreendermos o que foi o jornalismo português e como se fez jornalismo em Portugal ao longo dos anos, pois descrevem rotinas profissionais, hábitos sociais dos jornalistas, formas de interacção com as fontes, etc.

É curioso notar que o pico da categoria de livros “Jornalistas e Vida Profissional” ocorre entre 1911 e 1920, num momento em que decrescem os livros de todas as restantes categorias. Embora esse pico não represente apenas uma “moda passageira”, já que se continuaram a publicar livros sobre “Jornalistas e Vida Profissional” em anos posteriores, dá a sensação de que houve uma pontual mobilização de energias para a publicação de livros dessa categoria, que exauriu as energias necessárias à edição de livros com outras temáticas.

Para concluirmos a análise do gráfico da tabela 5, uma referência às obras que analisam a conjuntura jornalística. Nasceram no final do século XIX, graças a intervenções portuguesas em vários congressos jornalísticos internacionais (por exemplo: Aranha, 1894), tornando-se constantes, embora em reduzido número, ao longo das primeiras sete décadas e meia do século XX (por exemplo: Correia, 1912).

A tabela 6, por seu turno, permite dar resposta à quarta pergunta de investigação, sobre a localização geográfica da edição de livros sobre jornalismo.

Tabela 6

Locais de edição dos livros sobre jornalismo publicados em Portugal até Abril de 1974

A tabela 6 evidencia que a edição de livros sobre jornalismo em Portugal antes do 25 de Abril de 1974 foi concentradíssima em Lisboa. Com excepção do Porto e Coimbra, o resto do país (incluindo as ex-colónias) é quase um deserto nessa matéria, pois as várias cidades e vilas onde se editaram livros sobre jornalismo contribuem somente com um ou dois livros para os resultados finais (excepções: Lourenço Marques – actual Maputo e Luanda, que contabilizaram cinco livros publicados cada uma, e Famalicão, onde se imprimiram nove livros entre os inventariados). A existência de universidades em Lisboa, Porto e Coimbra, bem como a existência de grandes meios de comunicação e associações profissionais em Lisboa e Porto (incluindo o Sindicato dos Jornalistas, em Lisboa), a par da pujança económica e editorial revelada pelas duas principais cidades do país, terão contribuído para esse resultado desequilibrado.

Finalmente, a tabela 7 dá-nos o ranking dos autores mais produtivos no campo do jornalismo até ao 25 de Abril de 1974.

Tabela 7

Autores mais produtivos no campo dos estudos jornalísticos até ao 25 de Abril de 1974

Pedro Venceslau de Brito Aranha (1833 – 1914)

*Nota: Apenas se incluíram autores com quatro ou mais obras sobre jornalismo inventariadas, excepto no caso de Augusto Xavier da Silva Pereira, que merece ser destacado entre os autores com apenas três obras por ter legado para a posteridade o manuscrito Dicionário Jornalístico Português, um trabalho que durou vinte anos a fazer e que constituiria a quarta e mais relevante obra do autor.

Da tabela 7 ressalta que os primeiros oito autores nela mencionados são responsáveis por 20,4% da produção teórica sobre jornalismo antes de 1974.

A lista de estudiosos do jornalismo mais produtivos é encimada por José Agostinho de Macedo, um polémico padre de vida dissoluta, mas pró-absolutista, bastante prolixo na década de vinte do século XIX. As obras de Macedo não são académicas. Escritas maioritariamente no rescaldo da Revolução Liberal de 1820, são quase todas elas ataques pessoais que, colateralmente, versam o tema da liberdade de imprensa. Outras das suas obras, porém, vão ao âmago do problema, considerando o autor que a liberdade de imprensa corroía os alicerces morais da sociedade portuguesa. É o caso de três textos emblemáticos e de título sugestivo, todos de 1821: Cordão da Peste ou Medidas Contra o Contágio Periodiqueiro; Exorcismos Contra Periódicos e Outros Malefícios; e Reforço ao Cordão da Peste. É de salientar, a propósito, que José Agostinho tem muitas outras pequenas obras que também são ataques e resposta a ataques à sua pessoa, mas após leitura atenta apenas incluímos no inventário aquelas em que de facto o Padre Macedo reflecte sobre o jornalismo, nem que seja, como dissemos, para condenar a liberdade de imprensa. Por outro lado, também não incluímos no inventário, por exemplo, as cartas (várias delas manuscritas) de José Agostinho de Macedo, compiladas por Teófilo Braga no livro Obras Inéditas [de José Agostinho de Macedo]: Cartas e Opúsculos (1900). Se o tivéssemos feito, a contagem das obras escritas por Macedo ascenderia a um número superior.

Em segundo lugar no ranking de produtividade encontram-se dois autores: José Júlio Gonçalves e Alfredo da Cunha.

José Júlio Gonçalves é um académico contemporâneo, professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas e antigo reitor da Universidade Moderna, cujo auge de produtividade no campo dos estudos jornalísticos se situa na década de sessenta e no início da década de setenta do século XX. A sua abordagem do jornalismo é eminentemente académica, sociológica, embora grande parte da sua produção (cheia de dados interessantes sobre a conjuntura jornalística da época) diga respeito às ex-colónias portuguesas e não tanto ao jornalismo português metropolitano.

Alfredo da Cunha, antigo director do Diário de Notícias, distinguiu-se, essencialmente, como historiador do jornalismo português, sendo a sua obra emblemática, Elementos para a História da Imprensa Periódica Portuguesa (1641-1821), dada à estampa um ano antes da sua morte, que ocorreu em 1942. A quase totalidade dos seus textos, nomeadamente se excluirmos um livro sobre a história do Diário de Notícias (Cunha, 1914) e uma intervenção historiográfica sobre o associativismo dos jornalistas (Cunha, 1941 b), versam, em especial, a génese do jornalismo em Portugal, sendo particularmente interessantes as discussões que o autor travou sobre o primeiro periódico português, que alguns consideravam ser as Relações de Manuel Severim de Faria e outros, como Alfredo da Cunha, a Gazeta “da Restauração” (por exemplo: Cunha, 1939; Cunha, 1942).

Em terceiro lugar, surge o bibliófilo, jurisconsulto e jornalista Rodrigues Veloso, que publicou seis curtas biografias de importantes jornalistas portugueses do século XIX e princípios do século XX (exemplo: Veloso, 1910), sendo essa a única razão por estar na lista dos mais produtivos.

Em quarto lugar, empatados no ranking de produtividade, estão o jornalista Alberto Bessa (trabalhou no Diário de Notícias, no Século, no Diário e no Jornal do Comércio e das Colónias, do qual foi director), e ainda o jornalista e bibliófilo Pedro Vernceslau de Brito Aranha.

Alberto Bessa interveio na fundação e direcção da Associação da Imprensa Portuguesa e, nessa qualidade, foi relator de pelo menos dois relatórios à respectiva assembleia-geral nos quais se fazem reflexões sobre o jornalismo nacional (Bessa, 1898; Bessa, 1899). No entanto, as suas obras emblemáticas são O Jornalismo, de 1904, na qual o autor historiografa a comunicação social em vários países do mundo e faz uma análise conjuntural da mesma, e 100 Anos de Vida: A Expansão da Imprensa Brasileira no Primeiro Século da Sua Existência, cujo título é eloquente e que foi publicada em 1929.

As obras do jornalista e bibliófilo Pedro Venceslau de Brito Aranha são, igualmente, diversificadas, abarcando memórias (Aranha, 1907/1908), historiografias (Aranha, 1885) e até uma comunicação a um congresso internacional (Aranha, 1894). Aranha, um autodidacta que exerceu o cargo de redactor principal do Diário de Notícias após a morte, em 1889, do fundador do jornal, Eduardo Coelho, e que como jornalista também tinha dirigido os últimos números da revista enciclopédica ilustrada Arquivo Pitoresco, tornou-se conhecido, em particular, por ser autor, em conjunto com Inocêncio da Silva[5], do Dicionário Bibliográfico Português (um livro que, em abono da verdade, inclui várias referências a publicações jornalísticas, embora não esteja no inventário porque essas referências não são o seu propósito principal).

Boavida Portugal, recentemente falecido, foi um jornalista, também dramaturgo e poeta, que se salientou, sobretudo, pelo seu protagonismo na criação e desenvolvimento da Casa da Imprensa, associação mutualista dos jornalistas. É nesse quadro que desenvolve a maioria da sua pesquisa e reflexão sobre jornalismo, como exemplificam o livro Para a História da Casa da Imprensa e o folheto Para Um Mais Certo Conceito da Profissão Jornalística.

João Paulo Freire foi um combativo jornalista e escritor que se distinguiu nas primeiras décadas do século XX, tendo trabalhado para jornais regionais e mesmo para o jornal religioso A Ordem (do qual foi director), bem como para A Nação, Diário Ilustrado, A Capital e Jornal de Notícias, no qual saíram as suas últimas crónicas, poucos dias antes de morrer. Além de um livro historiográfico (Freire, 1939) sobre o Diário de Notícias, o referido autor legou-nos obras combativas que reflectem sobre os problemas do jornalismo e da censura (Freire, 1926; Freire, 1934), tendo sido, também, um dos primeiros portugueses a reflectir sobre o profissionalismo jornalístico e o ensino do jornalismo (Freire, 1936).

Bento Carqueja dirigiu O Comércio do Porto, tendo assumido a direcção do jornal quando morreu o seu tio e co-fundador do mesmo, Manuel Sousa Carqueja. Foi na qualidade de director do Comércio que Bento Carqueja escreveu três obras historiográficas sobre esse importante e recentemente desaparecido diário portuense (por exemplo: Carqueja, 1934), embora também tenha reflectido sobre a liberdade de imprensa, num livro publicado em 1893.

Augusto Xavier da Silva Pereira (1858-1902) foi um funcionário público administrativo, autodidacta, que tentou elaborar uma hemerografia (por ele designada “história”) do jornalismo português até ao final do reinado de D. Luís I (1889). Elaborou, assim, um Dicionário Jornalístico Português, que tentou, sem sucesso, publicar até ao fim da sua vida e cujo manuscrito ainda se conserva na biblioteca da Academia das Ciências de Lisboa[6]. Desse Dicionário inédito, Silva Pereira extraiu dois dos livros referidos no nosso inventário (Pereira, 1895 e Pereira, 1897). O autor ainda elaborou uma colecção anotada das leis de imprensa em Portugal (Pereira, 1901), perfazendo-se, assim, a lista de três livros que dele inventariámos.

É de referir, conforme foi, aliás, evidenciado por Alfredo da Cunha (1941 a: XVI-XVII), autor que se autopropôs rever e preparar para impressão o manuscrito legado à Academia das Ciências por Silva Pereira, que o Dicionário deste último enferma de várias incorrecções (que acabam por também macular os dois livros que o autor dele extraiu):

“A revisão, para ser perfeita., teria de fazer-se nome por nome, data por data, anotação por anotação, isto é, linha por linha, para que não escapassem erros, contradições ou equívocos que a desvalorizariam. E as inexactidões e lapsos que se me depararam não eram todos, por assim dizer, veniais, como enganos de fácil ocorrência em manuscritos copiados e recopiados diversas vezes: alguns se me afiguraram capitais e de fundamental importância para a história. Reconheci, com pesar, que o Dicionário manuscrito padecia do mesmo mal de que enfermavam os dois livros sobre o assunto publicados por Silva Pereira. (...) Ora o Dicionário, se, em geral, está certo na indicação dos títulos, formatos, números de páginas, localidades e oficinas de impressão, datas de aparecimento, suspensão ou terminação, nomes dos fundadores, redactores e colaboradores − o que já é muitíssimo − peca frequentemente no que respeita a anotações críticas ou deduções tiradas pelo autor e apresentadas como resultantes de observações próprias”.

Assim, as incorrecções do Dicionário Jornalístico Português acabaram por adiar sine die a sua publicação e embora continue, no presente, a ser consultado por estudiosos do jornalismo na Academia das Ciências, provavelmente continuará impublicado, ainda que nele Augusto Xavier da Silva Pereira tenha investido vinte anos de labor.

Conclusões

Face aos dados apresentados, há três grandes conclusões a tirar:

1) Existe uma vasto número de obras sobre jornalismo publicadas em Portugal e por autores portugueses antes do 25 de Abril de 1974, sendo muitas delas ignoradas, mesmo pelos teóricos do campo.

2) A produção teórica sobre jornalismo incrementou-se e, até certo ponto, diversificou-se ao longo do tempo, mas esteve sempre sujeita à conjuntura histórica de cada época. Dois exemplos contribuem para sustentar esta conclusão. Por um lado, a intensificação do ritmo de aparecimento de novas publicações e a industrialização do jornalismo incentivaram os estudos jornalísticos; por outro lado, em épocas ditatoriais e de repressão sobre a imprensa aumentou o número de escritos que versaram sobre liberdade de imprensa.

3) Reflectindo a situação do país, a produção livreira no campo do jornalismo até 1974 centrou-se em Lisboa.

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[1] Financiado pela Fundação Fernando Pessoa.

[2] Eduardo Noronha (1859-1948) foi oficial do exército, escritor e jornalista, tendo nesta qualidade exercido o cardo de secretário de redacção do jornal Novidades, dirigido por Emídio Navarro, que na viragem do século XIX para o XX era um dos mais influentes periódicos político-informativos portugueses.

[3] Crónicas dos Tempos Idos, por exemplo, é um livro sobre a vida em sociedade em Caldas da Rainha.

[4] Herdeiro da Escola Colonial (1906), sucedida pela Escola Superior Colonial (1927) e Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (1954).

[5] Inocêncio da Silva nomeou Brito Aranha seu executor testamentário, tendo-lhe deixado várias anotações que permitiram a este último continuar o projecto do primeiro.

[6] Cota: manuscrito Azul 445 a 47.

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Interpretação de Resultados: A teorização do jornalismo em Portugal até 1974

Jorge Pedro Sousa, Nair Silva, Gabriel Silva, Carlos Duarte

Colaborações: Mônica Delicato, Patrísia Ciancio e outros

(Universidade Fernando Pessoa)

j.p.sousa@mail.telepac.pt

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O projecto de Teorização do Jornalismo em Portugal: Das Origens a Abril de 1974 é realizado com o apoio financeiro da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, através de fundos estruturais da União Europeia, designadamente do FEDER, e de fundos nacionais do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.