Caetano, M. (1965)

CAETANO, Marcelo (1965). A Opinião Pública no Estado Moderno.

Autor: CAETANO, Marcelo

Ano de elaboração (caso não coincida com ano de publicação): 1956, 1957

Ano de publicação/impressão: 1965

Título completo da obra: A Opinião Pública no Estado Moderno

Tema PRINCIPAL: Teoria do Jornalismo

Local de edição: Lisboa

Editora (ou tipografia, caso não exista editora): s.e.

Número de páginas: 86

Cota na Biblioteca Nacional e noutras bibliotecas públicas

Cota da Biblioteca Nacional: Q2-9-20

Esboço biográfico sobre o autorLicenciado em Direito no ano de 1927 pela Universidade de Lisboa, foi o primeiro a doutorar-se na mesma universidade (1931) na especialidade de Ciências Político-Económicas.

Professor de Direito Administrativo desde 1933, é de sua autoria o Código Administrativo, em vigor desde 1936. Foi reitor da Universidade de Lisboa (1959-1962) e, no Rio de Janeiro, director do Instituto de Direito Comparado na Universidade Gama Filho (1974-1980). Vogal da União Nacional em 1932, foi comissário nacional da Mocidade Portuguesa (1940-1944), ministro das Colónias (1944-1947), presidente da comissão executiva da União Nacional (1947-1949), presidente da Câmara Corporativa (1949-1955), ministro da Presidência (1955-1958) e, como sucessor de Salazar, chefe do Governo (1968-1974), sendo deposto e obrigado a exilar-se pela revolução de 25 de Abril de 1974. Publicou uma valiosa obra de índole jurídica e do campo da história do direito e ainda alguns volumes de temática política.

Obras principais: Manual de Direito Administrativo (1937), A Administração Municipal de Lisboa durante a 1ª Dinastia (1951), Manual de Ciência Política e Direito Constitucional (1952), Lições de História do Direito Português (1963), História Breve das Constituições Portuguesas (1965), As Minhas Memórias de Salazar (1977), Depoimento (1977), Constituições Portuguesas (1978) e História do Direito Português, 1140-1495 (1981).

Índice da obraNota Prévia 7

A OPINIÃO PÚBLICA NO ESTADO MODERNO

I Que é a opinião pública? 11

II Estrutura e dinâmica da opinião pública 15

III Formação da opinião pública nas correntes profundas 19

IV nas correntes intermédias 23

V e nas superficiais 29

VI Influências recíprocas dos três níveis de correntes de opinião 35

VII A expressão expontânea da opinião pública 37

VIII O apuramento sistemático das opiniões 41

IX O Estado moderno 45

X Funções políticas da opinião pública 49

XI Inserção da opinião pública na orgânica do Estado 53

XII O dever de informação pelos governos 55

XIII A participação dos governados na política e na administração 59

XIV Governo e opinião pública 63

XV Conclusão 67

A INFORMAÇÃO INTERNACIONAL

A informação internacional 73

RESPONSABILIDADES DA INFORMAÇÃO

Responsabilidades da informação 79

Resumo da obra (linhas mestras)Este livro, como o próprio título indica, é sobre A Opinião Pública no Estado Moderno, constituindo a ampliação de uma conferência do autor na Associação de Jornalistas e Homens de Letras do Porto e no Instituto de Estudos Políticos de Madrid, embora também inclua dois textos que resultam das intervenções que fez num jantar da Associação dos Correspondentes da Imprensa Estrangeira e na abertura do Congresso Internacional dos Chefes de Redacção.

Segundo o autor, a opinião pública desempenha, desde o século XIX uma função capital na política. Marcelo Caetano evoca a própria Constituição do Estado Novo, que a referencia como “elemento fundamental da política e administração do País” (p.12), devendo o Estado, ainda nos termos constitucionais, defendê-la “de todos os factores que a desorientem contra a verdade, a justiça, a boa administração e o bem-comum” (p.11).

Procurando definir o conceito de “opinião pública”, Marcelo Caetano recorda um político do século XIX que afirmava, caricaturalmente, que a opinião pública era a “opinião que se publica”, somente para avançar com a sua própria definição: “a opinião pública é constituída pelos juízos compartilhados por grande número dos componentes de dado grupo social, de tal modo que um indivíduo ao exprimir algum desses juízos perante os seus concidadãos tenha considerável probabilidade de o não ver repelido, mas sim de encontrar um ambiente de receptividade e aprovação. Trata-se de uma opinião, isto é, de um juízo individual; mas que é pública e, portanto, circula entre indivíduos num dado meio social de modo a tornar-se comum e até colectiva” (p. 12). Além disso, Caetano admite que a opinião pública deve ser considerada em relação a um grupo social e que podem coexistir várias correntes de opinião, pelo que “o indivíduo (…) passando de grupo em grupo, encontrará aqui receptividade para certo juízo que acolá vê repelido” (p. 13). Algumas opiniões circunscrevem-se ao indivíduo e não chegam ao estatuto de “públicas”, diz o autor, mas outras obtêm a adesão de grupos sociais amplos podendo constituir-se como correntes de opinião dominantes.

As correntes de opinião pública, reflecte também Marcelo Caetano, incidem sobre os mais variados temas e não são imutáveis, formando-se em três níveis: as profundas, as intermédias e as superficiais.

As correntes profundas formam-se essencialmente através da educação, “que constitui o veículo transmissor da experiência das gerações passadas às gerações presentes” (p. 19). A transição de experiências de geração em geração torna os novos indivíduos beneficiários de todo o saber acumulado. Mas mesmo as correntes profundas evoluem, explica Marcelo Caetano, exemplificando com as novas opiniões que, graças ao ensino dos avanços nas ciências, nas tecnologias e humanidades, circulavam entre os jovens e as mulheres dos anos sessenta, bastante diferentes das opiniões profundas dos seus progenitores.

As correntes de opinião intermédias formam-se, de acordo com Marcelo Caetano, na experiência vivida pelos grupos sociais actuais. Assim, muito do que vem do exterior do indivíduo – imprensa, propaganda, arte… – contribui para a modelação dessas correntes de opinião, que retroactivamente alimentam esses mesmos discursos. Aliás, pode mesmo acontecer que determinados indivíduos adiram a determinadas correntes de opinião intermédias não por força das suas próprias experiências, mas unicamente por força das experiências alheias que são relatadas e disponibilizadas publicamente. No entanto, Marcelo Caetano afirma que a doutrinação de “ideias puras”, filosóficas, só alcança êxito quando a filosofia se converte numa ideologia atida a interesses e à realidade concreta: “A opinião pública forma-se em parte limitadíssima por elementos racionais e depende sobretudo de reacções de interesses, de sentimentos, de emoções e até de instintos. A propaganda de uma doutrina nos meios populares faz-se por isso através da exploração de situações concretas às quais se ajusta um breve comentário tendencioso para mostrar a iniquidade de um sistema ou a bondade de um princípio. A ilusão de que se converte o povo mediante o ensino sistemático de proposições teóricas já não cabe na cabeça de nenhum técnico de propaganda. A própria pregação religiosa é tanto mais fecunda quando cingida ao concreto” (pp. 24-25). Por essa razão, diagnostica Caetano, os jornais estritamente políticos quase se desvaneceram, em favor dos órgãos de informação geral, onde a doutrinação se faz em correlação com as notícias sobre a realidade concreta. De qualquer maneira, o autor admite que a existência de grupos de opinião estáveis “contribui poderosamente para a estabilidade das correntes intermédias de opinião pública” (p. 27).

Por último, o autor descreve as correntes superficiais, imediatas e reactivas, que dependem essencialmente das notícias e comentários que, por acumulação, vão deixando lastro nas correntes intermédias. Assim, Caetano admite que “Em teoria, o processo ideal de formação da opinião pública consistiria em proporcionar a todos os indivíduos a mais ampla e circunstanciada documentação acerca dos factos e das ideias do seu tempo. Todo o cidadão deveria, pois, ter livre acesso à informação” (p. 29), mas, ainda de acordo com ele, a maior parte das pessoas não tem tempo para consumir mais do que alguma informação superficial, como acontece quando alguém folheia o jornal e se fica pela leitura dos títulos e de apenas uma ou outra notícia, mesmo assim nem sempre na totalidade. “Compreende-se, pois, o papel que a imprensa pode ter na formação das correntes superficiais e intermédias da opinião pública, não só através dos artigos e comentários que publica mas mediante a inserção, a disposição e a valorização do próprio noticiário” (p. 30), sentencia Marcelo Caetano, a quem também a pretensa objectividade jornalística merece um reparo: “Repare-se que, apesar da objectividade constituir o lema das agências de informação, dificilmente estas poderão escapar à influência das nações a que pertencem, dos capitais que as apoiam e dos redactores que as servem. Os países que não são produtores desta mercadoria – a notícia (…) – são forçados a receber os serviços de agências internacionais (…) com toda a carga de interesses que cada uma representa. A própria língua nacional fica (…) comprometida (…). Nunca como hoje tantos estrangeirismos se insinuaram por essa via no vocabulário e na sintaxe” (p. 31). Portanto, segundo Caetano, as influências sobre a produção de notícias bem como a selecção e valorização de umas em relação a outras retroactivamente afectam a formação de correntes de opinião: “Graças ao relevo dado a certo noticiário, a imprensa de informação pode provocar ondas de emoção ou despertar reacções de interessem que agitem momentânea, mas por vezes violentamente, a opinião” (p. 31). Por isso, Marcelo Caetano exige honestidade aos responsáveis pela produção e apresentação das notícias, por exemplo, a jornalistas e paginadores, até porque, prossegue, por vezes as notícias se fundam em boatos e rumores que envenenam “situações, atitudes e reputações” (p. 33), algo que os desmentidos não conseguem combater eficazmente.

Há que dizer, ainda, que em consonância com Marcelo Caetano existem relações ascendentes e descendentes entre os três níveis de correntes de opinião. A adesão a correntes de opinião intermédias, por exemplo, pode resultar das convicções profundas de um indivíduo, tal como o impacto diário dos acontecimentos pode “solidificar ou modificar os comportamentos ao nível intermédio e (…) a longo prazo as próprias atitudes ligadas às correntes profundas” (p. 36).

No capítulo VII, Marcelo Caetano distingue a formação da opinião da expressão da opinião, salientando que algumas correntes opinativas têm origem obscura e se desenvolvem na clandestinidade, às vezes por culpa da invisibilidade e inacessibilidade mediáticas dos indivíduos que partilham desses pontos de vista, confrontados com grupos dominantes que monopolizam o espaço nos meios de comunicação. Por isso, só alguns conseguem interpretar os sinais da existência dessas correntes obscuras e oprimidas de opinião, graças a manifestações ocasionais, dispersas e espontâneas das mesmas. Os principais métodos de apuramento sistemático das opiniões são, contudo, revela o autor, os inquéritos por sondagem e os sufrágios, “quando exercidos por eleitores conscientes em condições de autenticidade” (p. 42).

É possível, ainda, de acordo com o autor, que determinadas correntes de opinião se solidifiquem e expandam graças ao papel da imprensa, que vai dando sucessivamente mais voz a quem com elas se identifica, numa espécie de “reacção em cadeia” (p. 37). É o que acontece, por exemplo, com determinadas cartas de leitores, que podem suscitar o desenvolvimento de correntes de opinião, isto apesar de Marcelo Caetano reconhecer que, em grande medida, os comentadores regulares monopolizam o espaço opinativo dos jornais, sendo dado pouco relevo às contribuições espontâneas dos cidadãos. Outras vezes, a manifestação pública da opinião pública resulta de um estímulo, como um acontecimento que gere comentários e controvérsia. Outras vezes ainda, minorias activas, ao promoverem sistematicamente as suas opiniões, também causam um efeito “bola de neve” ou até geram a incorporação insinuante dessas opiniões nas correntes maioritárias. Em todo o caso, como adverte Caetano: “O debate (…) só é (…) útil quando traduz o respeito recíproco (…) e decorre em ambiente de cortesia, tolerância e objectividade, raramente conseguido na vida pública. Por via da regra, (…) a controvérsia resvala para a polémica e esta degenera em questão pessoal” (p. 40).

No capítulo nono, é abordada a questão da opinião pública no Estado Moderno, que, segundo Caetano, tem de agir não apenas como disciplinador da vida social e dador de segurança, mas também como empresário ou fiscal, entre outras funções. O autor afirma que “o Estado se tornou uma máquina tremendamente complexa e, por isso mesmo, cada vez mais pesada de conduzir e difícil de mover” (p. 46). Uma das causas para isso, segundo Marcelo Caetano, é a opinião pública. Esta “aprova e condena actos e medidas” (p. 49). Assim, Caetano explica que num estado moderno a opinião pública pode, em consequência, ter três funções: função motora, função refreadora e função sancionadora. Além disso, para o autor, a opinião também pode incidir sobre a legitimidade dos governantes e sobre a vigência das concepções da sociedade que eles defendem em vez de outras. O autor dá também exemplos de situações em que os governos, não podendo vencer, se juntam à opinião pública. O caso da Grã-Bretanha, onde existe “um processo de diálogo permanente entre o gabinete e a opinião pública” (p. 53), é passado em revista. O diálogo entre o Governo e a opinião pública leva a que haja uma maior intervenção dos cidadãos sobre o Estado, de maneira passiva, quando é pedido esclarecimento, ou de maneira activa, quando envolve representação política.

Marcelo Caetano afirma que é essencialmente através da imprensa, rádio e televisão que, nos estados modernos, os governantes chegam ao público, até porque “não podem dispensar-se de dar contas do que pensam, projectam ou fazem” (p. 55). Continua o autor: “A cena parlamentar, inventada no tempo em que o convívio social decorria em conversas de salão, foi suplantada (…). Os governos acham-se constantemente em contacto com o público, sem necessidade de intermediários. Exposições ou entrevistas na televisão, discursos radiodifundidos, (…) difusão em larga escala de documentos impressos e até essa forma de facilitação da entrevista (…) que é o telefone (…) permitiram aos que governam estar sempre presentes perante os governados e ao alcance destes como nunca. As conferências de imprensa (…) são meios de informação de excepcional amplitude (…). E tudo é televisionado, radiodifundido e publicado (…) de modo a permitir (…) o conhecimento dos projectos e reacções governamentais.” (p. 55).

O autor relembra, no entanto, que apesar da proximidade entre políticos e meios de comunicação é imprescindível haver representantes eleitos por sufrágio, capazes de diluir e regular a influência dos media sobre as correntes de opinião. É necessário, diz ainda Caetano, a propósito, discernir a “autêntica” opinião pública de “meros manifestos”, até porque, segundo o raciocínio do autor, a opinião pública “facilmente se torna presa de aventureiros e charlatães” (p. 63). “Se os indivíduos não estão habituados a examinar, discutir e julgar para escolher, qualquer ilusão os seduz” (p. 63), diz ele, denunciando a sua crença na vulnerabilidade opinativa dos indivíduos em geral. Por isso, para Caetano os políticos não podem alicerçar as suas acções nas correntes de opinião superficiais nem sequer nas médias: “A estatura do governante mede-se mesmo, em muitos casos, pela coragem demonstrada em arrostar com a impopularidade até que os acontecimentos mostrem a razão que lhe assistia. (…) O Estado moderno não pode desprezar a opinião pública, mas também lhe é impossível deixar-se governar por ela.” (p. 66) Sustenta, aliás, a sua posição socorrendo-se do economista austríaco Schumpeter, que insistia no predomínio de factores irracionais na formação da opinião pública e considerava que os eleitores médios revelavam “falta do sentido das realidades, enfraquecimento da noção de responsabilidade e ausência de espírito volítivo”. Relembra, igualmente, Walter Lippman, que, de acordo com Marcelo Caetano, mostrou quanto “uma pequena minoria actuante, usando de processos publicitários e empregando atrevidas ousadias, pode, no meio da passividade geral, dar a ilusão de que se está perante uma corrente poderosa de opinião, onde não há mais que paixão ideológica, ambições audaciosas, interesses cúpidos ou então despeitos reivindicativos ou explosões de recalques.” (p. 66)

No segundo texto, sobre “A Informação Internacional”, Marcelo Caetano discorre sobre a aproximação entre países trazida pelos modernos meios de comunicação. Porém, de um ponto de vista crítico, assinala: “No meio de tamanha abundância de informação, é natural que o leitor se perca e que as suas ideias acerca do que não conhece directamente tomem um carácter fragmentário e difuso.” (p. 74) A solução para esse problema seria dispensar informação contextual através de crónicas e impedir a proliferação de “reportagens-relâmpago, feitas por jornalistas apressados, sem preparação nem reflexão.” (p. 76)

No último texto, o autor discorre sobre “Responsabilidades da Informação”. Começa por relembrar que o jornalismo não é apenas técnica, já que influi sobre a moral, a sociedade e a política.

Assim sendo, questiona-se sobre a imensa responsabilidade que é decidir dentre as notícias potenciais quais se tornarão efectivamente notícias. Questiona-se, igualmente, sobre a capacidade dos leitores, maioritariamente impreparados, formarem “um juízo válido sobre os acontecimentos” (p. 81), sobretudo os que ocorrem em países diferentes dos seus, e tecerem sobre os mesmos opiniões fundadas, devido ao carácter fragmentário e veloz com que a informação lhes chega e à super-abundância informativa. Baseado nessa postura, condena as apressadas análises que por vezes se faziam na imprensa estrangeira sobre o colonialismo português e enfatiza que o jornalismo, como um magistério, se funda nas noções de dever e responsabilidade.

Nome do autor da ficha bibliográfica: Cristina Pereira/Jorge Pedro Sousa

E-mail: 15171@ufp.pt/j.p.sousa@mail.telepac.pt